São seis horas em ponto quando chego de novo ao estúdio e entro no segundo exato em que o último funcionário está saindo. Com um aceno de cabeça, digo que vou fechar o lugar. Vou até onde deixo minhas coisas e coloco o equipamento que levei comigo para a empresa da Ju e não quero levar para casa e, em cinco minutos, está tudo em ordem e eu estou pronto para ir embora. Mas, antes de sair, sento em uma cadeira no canto da sala e ligo a câmera mais uma vez.
Começo a passar as fotos do cartão de memória para o computador, dizendo a mim mesmo que é porque é sempre mais seguro fazer uma cópia de tudo imediatamente. Não quero perder todo o ensaio que fiz essa tarde para aquele homem irritante como o inferno. Mas no fundo sei que só quero um minuto de paz e silêncio para olhar para a última foto que tirei. Abro o arquivo no computador e encaro a imagem à minha frente.
A parede de cor morta decorada por um quadro gigante e colorido demais compõe o fundo onde se destaca a silhueta da mulher confusa e irritada, recostada na cadeira, os braços cruzados fazendo seus seios saltarem um pouco. Mesmo em uma foto tirada sem muita preparação, é possível ver o brilho ferino nos seus olhos perfeitamente contornados pela maquiagem impecável. O cabelo em ondas caindo por sobre os ombros, atraindo o olhar para o último botão fechado da sua blusa que deixa muito à imaginação, e o problema é que a minha é muito fértil. A única coisa em que consigo pensar é em como seria vê-la com o rosto limpo e cabelo desgrenhado.
Sou culpado de me encantar com muita facilidade e de gastar um tempo imensurável com minúcias que passariam despercebidos por muitos. Nunca esqueço um rosto, nunca deixo passar um detalhe. Meu olhar é sempre atraído e instigado por aquilo que parece uma obra de arte pronta apenas esperando para ser descoberta.
Passo a língua no lábio inferior e franzo a testa, em um ato estúpido de tentar me concentrar no que vejo como se aquela foto diante de mim fosse me revelar os segredos da mulher de língua afiada. Ouço os sinos da porta da frente tilintarem quando alguém a abre, mas não viro para ver quem é. De costas para porta estou, de costas para a porta continuo.
— Desculpe, a gente já fechou por hoje. O estúdio abre amanhã de novo às oito — digo.
— Sou eu, Guigo.
Sinto as mãos pequenas de tocarem meus ombros e seu cheiro doce de lavanda invadir meus sentidos, mas, ainda assim, meu olhar se prende à pintinha na bochecha direita da mulher na tela por um segundo a mais antes que eu vire na direção de Hanna.
— Desculpa a demora, não consegui vir hoje de manhã. O Nick ia me trazer, mas a gente acabou tendo um contratempo.
Vejo o exato instante em que um rubor atinge seu rosto. As bochechas assumem uma coloração rosada e ela morde o lábio, tenho certeza que sem nem perceber. Não preciso perguntar qual contratempo foi esse. Sinto o gosto amargo na garganta, mas a verdade é que não é tão ruim quanto achei que fosse. É verdade que sempre soube. Desde que coloquei meus olhos nela, soube que jamais seria minha. O destino de Hanna e do meu amigo estava decidido, era só questão de tempo até se acertarem. Neste momento, contudo, mesmo que eu tenha passado os últimos meses sonhando acordado com ela, quase não me importo.
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Conexão Despertada [DEGUSTAÇÃO]
RomanceFernanda não é flor que se cheire. Nunca foi e não finge ser nada diferente disso. Com a língua afiada e atitude afrontosa, faz da sua missão de vida afastar tudo e qualquer um que a irrite minimamente. E o problema é que tudo irrita a mulher que ap...