Capítulo 3

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Amarelo... Era essa cor que eu via toda vez que acordava... Ou melhor... Essa é a cor que eu queria ver. Você deve estar se perguntando, porque ela disse isso? Como essa louca sabe que o que quer que seja é amarelo? Por que ela está fazendo essas perguntas tolas? A verdade é que nem eu mesma sei a resposta para todas essas perguntas.

Bom, sou o tipo de menina que sou indigna de viver nesse país, nesse continente e nessa cidade. Que a propósito se chama Grinivald. Nosso continente se baseia em aparências, e como sou uma pessoa cega, sou totalmente fora do padrão da nossa sociedade, e por causa disso sofro muita discriminação.

Sou cega desde que nasci, e isso é algo tão incomum na nossa sociedade, que as pessoas se afastam quando eu me aproximo ou me insultam de formas inimagináveis, como se eu fosse um alienígena. Admito que já até me acostumei, e por causa disso, não aceito que tenham pena de mim, não importa quem seja.

Quanto ao amarelo... Mamãe sempre me diz que o meu quarto é todo amarelinho, pois como ela não queria que o rei soubesse de sua gravidez, ela não quis saber o sexo do bebê. E como amarelo é uma cor unissex, ela optou por ela. Toda vez que ela fala isso, tento imaginar como é esse amarelo, e se eu poderia um dia vê-lo, mas sei que é uma ideia um pouco maluca e esperançosa demais.

Um detalhe importantíssimo da minha cegueira é que ela não é uma cegueira comum. Meus olhos são lacrados, simplesmente andam fechados, e nunca se abrem. É como se um dia eles fossem se abrir, e isso me dói, porque me dá falsas esperanças.

Acordo todos os dias pensando que verei o amarelo, mas, então, somente vejo a escuridão. E acordo decepcionada de novo, e isso me dói todos os dias. O pior é que ninguém entende a minha dor e acha que eu faço muito drama com meus comentários, e por isso decidi parar de comentar.

Hoje, enquanto estou deitada, estou pensando nisso, e numa forma de me livrar disso tudo, talvez fosse melhor eu fugir, ou quem sabe eu poderia ir até o castelo do rei e desafiá-lo a mudar a realidade dessa nação. Mas, essas são ideias quase impossíveis de serem executadas.

Me levantei da cama e coloquei meu roupão e minhas pantufas. Enquanto o elevador subia eu fui amarrando-o. Entrei dentro daquela enorme máquina de metal e senti o cheiro que vinha da cozinha, eu reconheceria em qualquer lugar, bacon, ovos e banana frita. Cheguei ao térreo e me sentei à mesa, pude ouvir bem ao fundo o barulhinho da gordura queimando, e dos passos que vinham da cozinha em minha direção.

Dirigi um enorme sorriso em direção a minha mãe, e sim, eu conseguia reconhecer quem estava próxima de mim apenas pelo calor e o cheiro delas.

- Olha quem acordou cedo hoje!

Olhei em direção a ela.

- Mãe...

Ela começou a rir e me abraçou.

- Bom dia meu amor! – me deu um beijo – Feliz aniversário!

Eu nem tinha me lembrado que hoje era meu aniversário, para mim era uma data que nem importava mais... Hoje eu fazia vinte e quatro anos, era meu último ano na faculdade de Medicina, meu último ano em Grinivald, se Deus assim permitisse.

Mamãe colocou o prato na minha frente, e aquele cheiro maravilhoso invadiu minhas narinas, não tive como resistir, já fui fazendo minha oração e comendo.

- Filha...

-Hm, hm – minha boca estava muito cheia.

Mamãe ficou calada. E de repente, percebi que devia desacelerar minha mastigação, e prestar atenção no que ela tinha pra me falar.

QUANDO O MUNDO RECOMEÇOUWhere stories live. Discover now