Capítulo IV - Mikal Lopheus

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  Helena caminha até o padre botando a mão em seu rosto, aproximando sua face contra a do mesmo.
— Ainda queres violar a futura rainha? - Lopheus entra em estado de paralisia. Vê nos olhos daquela mulher o mais puro e refinado ódio. As palavras de Helena o cortam como uma lâmina de ferro frio. O mesmo se mantém em silêncio...
— O que foi? Não vai fazer nada?....h-hahaha. O medo da morte o impede? Logo o senhor, o homem que se diz a voz de próprio Argnoph. Patético. - diz Helena com extremo deboche e desprezo, enquanto aperta com força as bochechas do padre.
— Retira-te de meu quarto. - fala calmante soltando Lopheus, que imediatamente se levanta devagar, anda pausadamente em direção a porta e sai.
  A madrugada fria como a morte cobre o reino, a lua brilha deixando dando cor a escuridão. No jardim Luanni encontra-se sentado no mesmo lugar onde se ocorreu a breve peleja. Avista no gramado a espada que foi dado de presente a Helena, o rei se levanta anda até a espada e a pega. O fio de sua lâmina já desgastado com um simples e mero uso, a marca de sangue em sua ponta, lá continuava, os pensamentos e emoções do jovem rei se confundiam ao ter uma repentina recordação de tal peleja. Com a mão em seu corte leve no rosto, ele decide ir até o quarto de Helena para lhe devolver sua espada. Helena acorda na madrugada com batidas, se levanta caminha até a porta e a abre lentamente, quando o rei aparece completamente diante dela a mesma se assusta, imediatamente pôs-se a ajoelhar colocando sua testa nos peitos dos pés do rei, implorando perdão em prantos. O rei comovido se agacha, coloca as mãos nos longos e brancos cabelos de Helena acariciando-os na esperança de conforta-la. Logo seu choro para, ela ergue a cabeça, olha com seus olhos para o rei. Luanni a abraça com força.
— Por que choras?
— E-eu o machuquei.... - diz Helena, pausadamente, fungando o nariz.
— Hahah. Errada. Eu me machuquei, fui descuidado. Está enganada se acha que não sabes manejar uma espada, sua maestria e leveza me lembram os contos de Letiriah, que minha mãe lia pra mim quando era criança. Uma mulher forte, que por amor enfrentou o mais forte dos cavaleiros, andou pelas mais cruéis terras e conheceu e enfrentou as mais estranhas criaturas. Você és forte como ela e também bela... Como ela... Bem, é melhor eu deixa-la em paz, vim apenas lhe devolver a espada que lhe pertence. Boa noite. - O rei se despede, tirando-a do envolver de seus braços e retirando-se do quarto.
  Logo pela manhã os gritos do padre Mikal ecoavam pelo enorme salão principal da gigantesca igreja, em seus milhares de bancos sentavam-se os onze Concilieres, e fiéis membros da nobreza. Mikal com fúria relata sobre o acontecido no quarto de Helena, mentiras e meias verdades saem de sua boca. Todos ali presentes naquela enorme e bela catedral, ouvem em silêncio os julgamentos de Mikal.
— A MULHER DE LONGOS CABELOS BRANCOS E PELE PÁLIDA É NOSSA MAIOR AMEAÇA, NÃO SE ENGANEM COM SUA FALSA INOCÊNCIA, ELA É O PURO MAL, BLASFEMA O NOME DE ARGNOPH. SE ISSO JÁ NÃO BASTASSE, ELA ME AMEAÇARA. MEUS CAROS FIÉIS ELA É A MALDADE E O DESRESPEITO A IGREJA!!! AS MANCHAS EM SEU ROSTO VOCÊS A VIRAM NÃO VIRAM??? PRAGA!!! ELA MERECE PUNIÇÃO MEUS FIÉIS!!!! VIVIATEE !!!! - grita Mikal enfurecido, e todos ali presentes repetem a saudação da igreja em um coral.
  Leroy se levanta perante todos e pergunta em meio aos gritos de saudação:
— Como iremos puni-la? O rei desaprovaria toda e qualquer decisão imposta por nós Concilieres tomemos. - antes que conclui-se sua fala Leroy é interrompido por um longo e enfurecido grito vindo da porta da enorme catedral.
— O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI... ??? UMA REUNIÃO SEM O MEU CONSENTIMENTO??? MIKAL !!! EXPLIQUE-SE, QUE MENTIRAS SÃO ESSAS QUE DESFERES SOBRE MINHA CONVIDADA??? - o grito do rei atravessa toda àquela enorme igreja, apavorando a todos. Os fiéis e os Concilieres em silêncio ficaram.
  O rei caminha pelo salão da igreja em uma linha reta em direção ao palanque onde Mikal se encontrava, com passos fortes que ecoavam, uma respiração ofegante. Aproxima-se do padre o segurando pela gola de suas vestes com força e ficando face a face, Luanni grita com indignação.
— Por que.... !!!! Por quê disse aquelas coisas sobre Helena??? Ela não o ameaçaria eu sei disso, ela é doce e amável. É por conta das manchas? Por conta de sua origem??? RESPONDA-ME MIKAL !!!! - o rei grita, indignado e confuso. Todos na igreja permanecem em silêncio.
— Aqui não é o lugar dela meu nobre rei, nunca uma pessoa de origem da plebe adentrou a estas muralhas.... NUNCA!!! ELA BLASFEMA ARGNOPH E ME AMEAÇOU A MORTE!!! E VEJA SEU ROSTO ESSE CORTE NÃO FOI POR UM ACASO !!!! ELA MERECE PUNIÇÃO, E DAS MAIS SEVERAS!!! - retruca Mikal, assustado.
  Luanni larga Mikal, em silêncio, caminha lentamente e com passos leves de volta até a porta da igreja, e com um tom frio e firme responde Mikal:
— Punição?... Mikal sua função é de simplesmente espalhar o nome de Deus e vendar a plebe com a crença. Você não decide quem vive ou morre. Eu faço isso. Caso volte a escutar mais alguma calúnia, mentira ou qualquer relato tendencioso sobre Helena, não haverá misericórdia ou benevolência. Não a toquem com essas mãos porcas, não falem com ela com essas palavras vazias e não a olhem com esses olhos cheios de julgamento; e a tratem com respeito. - Diz Luanni com frieza retirando-se da igreja.
  Mikal fica assustado. Apoia-se aos pés da estátua de Deus, e gaguejando diz a saudação da igreja e encerra e reunião com uma voz trêmula. O rei a caminho do castelo avista Helena ao longe em um campo aberto verdejante perto das muralhas, Helena, com sua espada, ela treinava movimentos que de tão belos e bem feitos pareciam uma dança. Giros, saltos, golpes, posturas, pausas, tudo feito com uma maestria e delicadeza o rei se encanta. O mesmo se senta para assistir a dança de batalha. No dia seguinte antes de sua passeata pela plebe, bem cedo lá está ela, no mesmo lugar, praticando sozinha, movimentos perfeitos, com a leveza de uma nuvem. Tornou a repetir a mesma rotina por inúmeros dias, melhorando cada vez mais seu manuseio. Luanni acompanhara esses treinos sem falta, sempre com encanto ele observava.
  Após treze dias de observação, intrigado o rei se levanta de seu local de observação e anda até Helena.
— Que estranho, treinando sozinha, não seria melhor ter algum adversário? - diz Luanni amigavelmente.
— ...E-eu prefiro treinar sozinha me trás paz... - Helena responde envergonhada.
— Ah vamos! Gostaria de vê-la executar esses lindos movimentos, mas dessa vez como um mero espectador. Meus cavaleiros estão a disposição para te auxiliar.  - o rei pede com empolgação.
— Dez... - diz Helena com um baixo tom de voz.
— Dez!? Dez o que?
— E-eu gostaria de lutar com dez de seus cavaleiros... - responde Helena com o mesmo tom de voz.
— DEZ!? ISSO É LOUCURA! POR QUÊ DEZ? - Pergunta o rei com extremo espanto.
— Por favor! - Helena súplica com firmeza.
— ....C-como queira... - Luanni vê coragem e confia no pedido de Helena então acata.
  O rei convoca os dez cavaleiros como pediu Helena. Os dez posicionaram-se ao redor dela. O rei toma distância e se senta no gramado. Helena reverencia os nobres cavaleiros, demonstrando cordialidade, empunha sua espada apenas em uma mão. Pés firmes no chão mantém sua postura inabalável, uma respiração tranquila lhe proporcionando concentração. O cavaleiro posicionado à suas costas da o primeiro ataque, Helena levanta seu braço levando a espada levando ao encontro da espada do cavaleiro, e em um piscar de olhos, ela defende-se. Inúmeros golpes são desferidos de todas as direções contra ela, se defendendo e esquivando, a mesma não sai de seu posto original. Os dez então dão um ataque combinado levando a espada em uma linha reta, partindo de todos as direções, ela salta, as espadas dos dez se cruzam, Helena desce do ar, parando em cima do cruzamento das espadas. Ela ri. Todos os dez recuam ao mesmo tempo, mas antes que um deles pudesse perceber, é acertado com um chute em seu peito, sua espada é tirada de sua mão e arremessada contra outro cavaleiro, que o acerta no braço, o mesmo solta sua espada e antes que ela tocasse o chão, Helena a pega rapidamente, e com uma espada em cada mão ela gira com movimentos incrivelmente rápidos, esquivando-se e atacando ao mesmo tempo, e um à um dos oito cavaleiros restantes, vão rendendo-se à dança de batalha, tendo suas armaduras atravessadas, suas peles rasgadas e sua carne levemente cortada. Todos caem com sangue sobre suas armaduras, mas todos ainda vivos, Helena no entanto apenas trazia em sua pele seu próprio suor, estando a única de pé.
  Leroy que passara por ali, presenciou tudo ao longe. Começou a tremer. Correu até a igreja com extremo desespero, lágrimas de puro pavor escorriam sobre seu rosto.
— Padre! Padre! Aquela mulher... AQUELA MULHER DERROTARA DEZ CAVALEIROS GUARDIÕES AO MESMO TEMPO! ELA NÃO PODE SER HUMANA! AQUILO É IMPOSSÍVEL! Senhor Mikal! Ajude-nos! - implora Leroy chorando com puro desespero.
  Padre Lopheus escuta os relatos, desespero e choros de Leroy em Silêncio... suas mãos se extremessem... o temor toca seu coração como a mais afiada das espadas. Calmamente Mikal olha para Leroy com desapontamento e com um tom de voz roco e calmo ele diz:
— Não há nada que pode ser feito nobre Conciliere.
  Luanni ainda sentado no gramado paralisado pelo medo e ao mesmo tempo encanto, seus olhos fixos naquela linda guerreira de longos cabelos brancos, seu coração batia como nunca havia de bater antes. Força e fragilidade, delicadeza e frieza, bondade e ódio, tudo o que o rei havia visto em Helena o encantara. E foi tudo o que ela transmitira a ele naquela breve peleja.
— Você é forte. De fato lembra-me o conto que minha mãe lia. - diz o rei, enquanto se aproxima de Helena que está envolto aos cavaleiros que agonizam.
  Helena cai de joelhos largando ambas as espadas que segurava e põe-se a gritar e chorar.
— GRRHAAAAAAH!!!! O QUE EU FIZ??? E-eu feri dez pessoas sem propósito algum. SEM PROPÓSITO ALGUM !!! - grita Helena, enquanto ajoelhada dá vários socos no chão.
  Luanni a abraça por um longo tempo... sente um intenso calor... O rei então, a pega no colo, o que a reconforta à fazendo adormecer. Ele a leva calmamente para o seu quarto, botando-a na cama. Ela abre os olhos lentamente...
— Os cavaleiros.... Estão Todos bem? E-eu não queri..
  Luanni a beija... Como que por um impulso. Ele sentiu que tinha de fazer aquilo. Coloca a mão em sua nuca, entrelaça os dedos em seus longos cabelos brancos, passa a mão lentamente pelo seu rosto o acariciando.
- Sim estão bem.. não se preocupe minha bela. - diz Luanni confortando-a e tornando novamente a abraça-la..
- Preciso ir, tenho que me vestir apropriadamente para ficar apresentável ao povo de Lureate. - interrompendo o demorado Luanni de despede, andando até a porta.
— Senhor Luanni... - Helena o chama meramente envergonhada.
— Sim?...
— O-obrigada...
  Luanni sai do quarto... Helena fica sentada na cama em silêncio até que uma crise de risos a domina. Ela ri com crueldade e prazer, ri alto, não para, gargalha em comemoração a sua vitória na conquista do coração do rei....
  Ģargalha até a exaustão e adormece novamente.
  Mikal Lopheus o padre que sentira a estabilidade da igreja e nobreza abalada pelo monstro de longos cabelos brancos, entra em desespero. Sentado em pequeno trono no palanque da catedral, chora, enquanto segura uma pequena adaga de prata. Fica um bom tempo ali em prantos, com ódio e desespero levanta-se, caminha pelo gramado do jardim, sobe as enormes escadas da entrada do castelo, passa pela enorme porta. No grande salão principal em encontra-se o rei Sentado em seu belíssimo trono, acabara de chegar no castelo depois de uma longa visita a seu povo. Mikal anda em direção ao rei... murmurando palavras de repúdio e Luanni não entende.
— Senhor Lopheus?? O que houve?
  Luanni se aproxima de Mikal que logo o ataca, partindo para cima do rei que cai para trás, o padre enlouquecido empunha a pequena adaga dando um golpe no jovem, o mesmo o segura. Mikal luta para fincar a adaga no peito do rei...
— VOCÊ NÃO É REI!!! DEIXOU-SE ATRAIR-TE POR AQUELE MONSTRO!!! VOCÊ FERE A IGREJA E EM NOME DE ARGNOPH EU O SACRIFICAREI!!! GRRHHHHAAA!!!! - grita Mikal enlouquecido pelo medo e o ódio.
— O que está fazendo seu porco!!! Se eu morrer os cavaleiros da realeza o matarão! Você não terá escapatória! - Segurando a adaga de prata diz Luanni pausadamente.
— SIM! DE FATO EU NÃO TEREI. POR ISSO COMETIREI SUICÍDIO! MATANDO UM HOMEM QUE BLASFEMA ARGNOPH, TEREI A MISERICÓRDIA DO MESMO! - grita Mikal no ápice de sua loucura.
  Mikal se Silencia. A força na qual segurava a adaga enfraquece, ele tosse, e dessa tosse jorra sangue, a ponta de uma espada sai em seu peito, suas vestes uma vez brancas, mudam para o vermelho dor, sua barda também toma essa tonalidade. Seu sangue cai no rosto de Luanni. Mikal solta a adaga. O rei o empurra e Helena tira a espada que se encontrara cravada em suas costas, atravessando seu peito. Com uma expressão de desespero, com os olhos abertos e sem brilho, Mikal morre pelas mãos do mostro que ele tanto temera.

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