ANJO CAÍDO

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Para além da parede de vidro da sala ocupada pelos aparelhos da academia particular, Taylor tinha como paisagem o gramado verde aparado como um tapete de camurça. Os esguichos eletrônicos direcionavam o jato de água em várias direções, vinte e quatro horas por dia, nunca paravam.

Mais adiante do jardim, a piscina de dimensões olímpicas contornada pelo deck de pedras italianas e as mesas com seus toldos brancos que cruzavam o caminho entre o casarão e o sobrado onde havia uma sala de massagem e a sauna.

A mansão se erguia no alto da escadaria cercada pelo jardim bem cuidado, a grama aparada e as árvores distribuídas estrategicamente.

O lugar especialmente construído para ele.

Ajustou a velocidade no painel, acelerando as passadas na esteira eletrônica, e começou a correr.

Os braços junto ao corpo, a respiração controlada, a cabeça voltada para frente, o jardim molhado pelo esguicho, os olhos molhados de dor, a testa e o corpo inteiro de suor. Corria. A boca abria para respirar o ar peçonhento, o queixo tremia, os joelhos doíam, a sola dos pés ardiam, os pulmões enchiam-se de ar.

Corria.

A cada arfar, a lembrança, a imagem da morte, a destruição.

Corria ainda mais.

Taylor fugia sem sair do lugar.

A golfada de choro alcançou-lhe a garganta e explodiu entre os seus dentes, envenenou debaixo da língua, e foi cuspida para fora da boca. O homem não mais chorava. Ele agonizava, gania, autoflagelava-se comido pelos vermes de sua superficialidade.

E de pensar que poucos meses atrás toda a sua existência se sustentava na necessidade urgente de fazer seu império crescer.

Dinheiro. O maldito dinheiro. Poderia culpá-lo por tudo. Mas não.

Não!

Era ela a verdadeira culpada.

Reduziu a velocidade do equipamento e usou a toalha, pendurada no ombro, para limpar a testa e os olhos.

Chorou com o rosto enfiado na toalha.

Chorou alto e forte.

Gritou na toalha, cuspiu-se, caiu de joelhos.

Desabou.

Depois jurou a si mesmo que esta seria a última vez. A última vez que perdia o controle. Precisava manter o sangue frio, raciocinar, agir como o homem calculista que era, um tubarão que devorara quem via pela frente.

Porque era isso o que faria com ela.

Um longo e prazeroso banho o ajudou a se recompor. Ergueu a cabeça e viu refletida no espelho a figura austera de terno escuro, a pele clara e os olhos azuis, o cabelo curto e loiro, os maxilares lisos.

No auge de seus 36 anos, dava para notar na sua postura física, as costas empertigadas, o queixo erguido, o ar de superioridade de quem sabia exatamente quem era: a criatura que se dizia humana, mas estava mais para uma possessão demoníaca de sapatos italianos e terno sob medida.

Era incrível a semelhança física que dividia com o pai. Quando Clarke Walker Hanson finalmente decidiu se afastar da presidência da empresa, não teve dúvida de qual dos três filhos escolheria para tomar o seu lugar e assumir os negócios da família.

Taylor herdou o gênio forte e controlado da mãe, o modo como conseguia lidar com situações que o tiravam do sério, o sorriso irônico e o ar superior. A impetuosidade e a fome de poder, entretanto, vieram do seu pai.

QUANDO VOCÊ ME TOCA (EM PAUSA)Onde histórias criam vida. Descubra agora