Estou há meia hora tentando me ajeitar na cadeira desconfortável do hospital para tirar um cochilo. A única coisa que preciso agora é dormir um pouco e esquecer. Quando consigo ajeitar o travesseiro de um jeito minimamente aconchegante, sinto os dedos de minha avó me tocando.
─ Você está aí, Isa? ─ Ouço a voz fraca de Dona Eulália. A voz que já foi tão vibrante estava se apagando. Eu sabia que uma hora isso ia acontecer.
─ To sim, vó. ─ Digo enquanto acaricio suas mãos frias.
─ Eu sonhei com seu avô, Isadora. Eu também estava jovem, igualzinho a gente era quando seu pai nasceu. ─ E o tom da voz dela é de uma paz invejável. Dou um beijo em sua testa e não prorrogo o assunto por não ter maturidade de lidar com o assunto incômodo.
Assim como minha avó, de vez em quando me pego saudosista. É inevitável. Não sei se é o clima frio e cinza que nos deixa com essa sensação nostálgica, uma angústia leve, uma vontade de chorar. Não aquele choro que a gente chora de soluçar, que limpa a alma. Mas um choro fininho, como a garoa que cai lá fora.
Enquanto observo minha avó, que voltou a dormir com o efeito dos remédios, fico remoendo a diferença absurda entre nós duas. Com minha idade, Dona Eulália já era viúva e tinha um filho pequeno pra criar sozinha. Ela que se casou apaixonada, não teve tempo de se decepcionar com meu avô. Ficaram apenas as boas lembranças. Foi e ainda é uma mãe incrível, uma sogra maravilhosa, uma avó quase sem defeitos, uma bisavó perfeita.
Não é possível que ela tenha arrependimentos, pelo menos não no que diz respeito à forma como lidou com o próximo. Não posso dizer o mesmo de mim. Passei tanto tempo focada em remoer minhas desventuras e mágoas que não olhei pro óbvio. Eu não fui apenas vítima, fui a vilã na história de alguém.
As vezes penso nas pessoas que praticamente escorracei da minha vida, mas hojes as lembranças vieram fortes, quase sufocantes. Não exatamente em todas pessoas, mas em uma específica. Era pra ser ele. Desta vez não foi um cheiro, uma música, um fragmento de algum momento que trouxe a presença dele tão forte na minha memória. Foi a constatação que não tem ninguém, nenhum outro abraço neste mundo que quero estar agora. Tarde demais.
Meu celular vibra e me tira da prisão dos meus pensamentos, um looping infinito de "e se...". E se o casamento não der certo, e se um dia ele sentir minha falta, e se a gente se esbarrar por aí. Minha mãe está esperando na recepção, pra trocar de lugar comigo.
Seguro as mãos de minha avó entre as minhas e dou um beijo de despedida. Tento guardar a imagem dela, tão serena, tão plena. Sei que um dia vou esquecer alguns detalhes, mas quero que a sensação de ter minhas mãos entrelaçadas nas dela não se perca de mim. Desejo do fundo do meu coração não me esquecer de todas as qualidades de Dona Eulália. Se tem algo que quero, é que ela se orgulhe de quem estou me tornando.
Olá,
Este é meu primeiro livro.
Eu sempre escrevi textos, desabafos, pequenas observações do cotidiano, mas nunca achei que pudesse escrever uma obra, com início, meio e fim. Até conhecer o incrível mundo do Wattpad.
Inicialmente, os capítulos serão postados às terças e sextas
Espero que gostem tanto quanto eu das aventuras e desventuras da Isadora, que pra mim, é um pedacinho de mim :)
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Quase Clichê {Todas as Cores de Isadora}
Roman d'amourA mágica da vida está no olhar que lançamos para ela. Isadora sempre quis viver uma vida épica, digna de uma história de cinema, mas sempre se achou comum demais para isso. Entre se apaixonar, aprender como lidar com o imenso abismo entre as expecta...