Então era assim que o mundo acabava. Em uma morte lenta e vergonhosa. Umas três horas antes eu era apenas a Isadora de sempre, 23 anos de muito drama e alguns tombos na vida, uma aprendiz de bartender e aspirante a jornalista que aceitou um trabalho de última hora para ajudar a melhor amiga.
É claro que Mariana, a tal melhor amiga, tinha algum esquema para o sábado à noite. Desde que eu e ela descobrimos o terrível (e às vezes opressor) significado de vida social, não há um sábado que ela fique em casa por falta de opção.
Se você tiver um coração batendo dentro de você, eu prometo que vai se apaixonar por ela. Eu me apaixono todo dia. Ela é uma daquelas pessoas que iluminam por onde passam, apenas com um sorriso. E apesar de ser incrível, ela também pode ser muito persuasiva.
— Isa, você não tem nada para fazer hoje, né?
— Olha só você! Menosprezando minha maratona da Netflix... — falei rindo, já sentindo um pequeno pesar por não conseguir finalizar a temporada da minha série favorita do momento (se interessar: "Jane The Virgin"). Nossas conversas sempre foram na base da sinceridade, e é isto que me faz cair em suas armadilhas. Nada mais perigoso que a verdade.
— Não, Isinha linda da Mari — ela me respondeu com um sorriso cínico na voz — é que você sabe, se eu for à festa hoje com a Lavínia, a chance de eu encontrar aquele cara que eu tô afim é gigantesca... Mas também não quero perder a credibilidade na SB.
A SB é a Something Blue, que vem do ditado popular inglês "Something old, something new, something borrowed, something blue", que significa "Algo velho, algo novo, algo emprestado, algo azul" que a noiva deve usar para ter sorte no casamento e você já deve ter visto em alguma comédia romântica.
A empresa é um misto de buffet e assessoria de casamentos descolados, com aquela essência de coisa simples e artesanal, mas que nunca você conseguiria reproduzir. Casamentos Pinterest, como a Nanda, minha chefe, costuma definir. Obviamente cobram caro pelo que oferecem.
— Por favorzinho — insiste Mariana, e com seus diminutivos encantadores eu aceitei, por livre e espontânea vontade e ligeiramente feliz, a ir para a forca. Porque eu confesso, por mais que ame a Mari, só troquei minha primeira folga em quase dois meses, porque assim poderia ficar algumas horinhas perto do Arthur.
(...)
Me olhei no espelho antigo na sala de casa para conferir a maquiagem incrível que aprendi em um tutorial no YouTube. Tudo certo, combinando perfeitamente: uma trança lateral e o uniforme fofo e impecavelmente passado da Something Blue — um vestido acinturado azul celeste que me fazia sentir fantasiada de Alice no País das Maravilhas.
Além do uniforme divertido, pagavam muito bem, e era por isso que eu e Mariana nos esforçávamos tanto para manter nossa vaga. O trabalho era corrido, me deixava quase sempre exausta, mas era muito divertido. Eu adorava ver a felicidade estampada no rosto das noivas e brincar de apostar se o casamento ia durar ou não. Também não precisava trabalhar todos os dias, o que me dava tempo para estudar e fazer o estágio — dos sonhos e mal remunerado — com uma blogueira famosa.
Eu sabia que se substituísse a Mari, ia fazer dupla com o Arthur no carrinho de caipirinhas. Desde o dia em que comecei na SB, comecei a ficar muito próxima de Arthur, depois de anos convivendo com ele sem nenhum interesse da minha parte. Arthur é o melhor amigo do meu irmão desde que eles têm seis anos, o que me leva a conhecê-lo desde meus dois. Ele nunca foi o tipo de cara que geralmente me fazia suspirar, mas estar ao lado dele me trazia uma sensação de lar. Um sorriso tímido com covinhas, cabelo que grita seu jeito de bom moço, um all star no pé e as melhores playlists do Spotify. Todas minhas outras paixonites foram por pessoas com personalidades bem opostas à minha, mas ele parecia ser complementar.
Depois de todo o sofrimento que tive com meu último relacionamento, eu precisava de paz. A relação em questão foi uma cilada que nem pode ser chamado de namoro: dois anos juntos, sem compromisso, e com muito sofrimento — da minha parte, é claro.
Compartilhar a vida com uma pessoa indisponível amorosamente me deixou com um vazio no coração que estava começando a ser preenchido, por um sentimento calmo, tranquilo, um ano após o término definitivo.
Estava ali, toda feliz no meu carrinho de caipirinhas, esperando os convidados chegarem, sorrindo feito boba com o Arthur, deixando meu coração derreter.
Será que ele gosta mesmo de mim do jeito que eu gosto dele? Será que eu não sou só a irmãzinha do melhor amigo? Não é possível, eu não estou vendo coisas: ele definitivamente está afim de mim.
O salão ainda estava vazio, algumas pessoas estavam chegando e eu aproveitei para ajeitar alguns dos meus utensílios enquanto Arthur resolveu que seria uma boa hora ir ao banheiro. Eu não fazia ideia do estava para acontecer quando sai de trás do carrinho e fui atender o primeiro convidado:
— Me vê uma caipirinha de vodka com morango? — falou uma voz familiar. — Isa? — E senti minha visão ficar turva, meu coração acelerar, meu rosto queimar.
— Oi, Matheus. — O som que saiu da minha boca não parecia minha voz. Eu senti que algo estava errado, muito errado. Meu ex-não-cunhado. O irmão do meu não-namorado. Meu ex-não-namorado.
— Capricha que é pra Sara... — disse sem jeito, com ênfase em Sara, como se quisesse me informar de algo.
Tudo bem, ele e a irmã estavam em um casamento juntos, qual o problema com isto? Nenhum. Absolutamente nenhum.
— Claro! — disse tentando disfarçar a minha tremedeira com um sorriso. Minhas mãos vacilavam, e já não sabia se ia conseguir finalizar aquele copo.
E o que ele queria dizer com aquela ênfase no nome da Sara? Que o indisponível, o Davi, meu ex-não-namorado estava por lá? Com alguém?
— E Isa... eu nem sei como te dizer... — Apenas não diga. Por favor, pelo amor de Deus.
E então aconteceu, como se fosse em câmera lenta: eu olhei para a decoração, com um pouco mais de atenção e vi aquele monograma, com as letras D e M. Davi e Marcelly. Foi como um golpe na minha cabeça, eu respirei e sorri, o sorriso mais forçado que você possa imaginar, enquanto meus olhos se enchiam de lágrimas.
— Matheus, ele se casou com a... Marcelly? — falei seu nome baixo, em um misto de desespero e incredulidade, como se falando baixo impedisse a verdade. Enquanto amassava com força o morango na coqueteleira, Arthur chega e toma o drink das minhas mãos, percebendo que havia algo errado. Qual a chance de alguém trocar de turno no trabalho e servir bebidas justamente no casamento do seu grande amor?
— Sim, Isa... Eu sinto muito, eu preferia tanto que tivesse sido com você — disse evitando me encarar, parecendo sincero.
Com lágrimas nos olhos, e um pouco do orgulho que me sobrava, o interrompi:
— Olha, Matheus, fica em paz. O seu irmão é passado, tá bom? Tá tudo bem — a mentira tão óbvia no meu tom afestado.
Arthur entregou a caipirinha pra ele, que saiu tropeçando e procurando alguém, como se pudesse evitar uma possível tragédia.
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Quase Clichê {Todas as Cores de Isadora}
RomanceA mágica da vida está no olhar que lançamos para ela. Isadora sempre quis viver uma vida épica, digna de uma história de cinema, mas sempre se achou comum demais para isso. Entre se apaixonar, aprender como lidar com o imenso abismo entre as expecta...