Capítulo 1 - Presente

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Primeira Parte

Londres, Inglaterra

Novembro - 1857

A neblina estava densa, uma chuva fina havia caído durante a noite, deixando o asfalto úmido. Aperto meus dedos sobre o casaco tentando apartar o frio. Me recosto sob a poltrona aveludada, aguardando ansiosamente a chegada de papai. Naquela manhã, ele prometeu-me que traria mais uma boneca de porcelana. Mal posso conter minha ansiedade com a sua chegada, para finalmente ver a boneca nova. Já se passava das seis da tarde e logo começaria a escurecer. E não vislumbro nenhum sinal dele. Suspiro frustrada. Os sapatos automaticamente, começaram a bater no piso, produzindo um barulho irritante, conforme a sola raspava e batia no assoalho envernizado. Minha preceptora a senhora Annie fitou-me irritadiça e fez um gesto com as mãos, obrigando-me a parar o som irritante que provavelmente doía-lhe seus nervos sensíveis. Me ergo sobressaltada e começo andar de um lado ao outro, inquieta, apreensiva, ansiosa, mordisco meu dedo polegar agoniada.

- Senhorita Poter, se continuar desse modo tenho certeza que muito em breve conseguira fazer um buraco no chão – disse a senhora Annie, gargalhando divertida, observando a criancice de uma menina tola e mimada. – Acalme-se criança. – Ordenou gentilmente.

Fico em silêncio. Ignorando suas palavras. E continuo com o mesmo movimento repetitivo, como se isso pudesse de alguma forma acalmar-me. É quando ouço, o som de cascos dos cavalos batendo furioso no asfalto molhado, anunciando a chegada de meu pai. As rodas da carruagem produzindo um barulho estrondoso contra o chão de pedra. Corro para a janela, pra certificar se aquilo não passava de um simples sonho. E observo maravilhada os salpicos de neve pontilharem o chão. Fico eufórica ao ver a carruagem parar na frente da porta de entrada, o cocheiro puxou as rédeas, obrigando-o animal a parar. Caminho apressadamente até as pesadas portas de madeira rústica. O mordomo Hall um senhor magro com enormes costeletas no rosto, estava lá estoico, portas devidamente escancaradas esperando receber o dono da propriedade. Como sempre Hall estava na sua postura ereta e impecável.

Posiciono-me ao seu lado. E vejo ávida papai descer meio cambaleante o degrau da carruagem e carregava algo pesado nos braços. Sinto meu coração bater descompassado ao imaginar o tamanho que seria aquela boneca. Mas, o sorriso morre nos meus lábios, quando percebo que aquilo não se tratava de um presente. E sim de uma pessoa coberta apenas por um cobertor velho e surrado.

- Papai! – o saudei quando ele passou bem próximo de mim. Mais ele continuou seu percurso e ignorou-me por completo. Dando pouco caso a minha euforia estridente.

- Agora não querida – disse ele impaciente. Enquanto tentava equilibrar o peso em seus braços. Seu rosto lívido de apreensão. Um gemido baixinho e-colidiu de baixo do cobertor gasto. E pernas magras escaparam por de baixo da manta, mostrando uma pele fina e esquelética. E aquilo foi o suficiente para fazer papai apertar os passos.

Senti uma pontada esquisita no peito. Percebi que estava chateada com a indiferença de meu pai. Ele parecia estar tão preocupado e transtornado que por um momento me repreendi por ser tão egoísta. Segui seus passos e chegamos na sala de estar, papai se encaminhou para a poltrona, e depositou o pacote misterioso nela. E um som de exclamação surpresa escapou acidentalmente pelo meus lábios. Ao ver um menino pálido e magricela sentado sobre ela.

Papai, instruiu os serviçais a prepararem um quarto para o menino adoentado e ordenou que mantivessem o cômodo bem aquecido. Argumentou que Deus havia colocado o garoto no seu caminho para salvá-lo da morte que lhe aguardava. Todos os empregados olhavam céticos para o menino e se perguntavam se ele iria mesmo sobreviver. Afinal, ele estava tão magro que os ossos já marcavam sua pele, e seus cabelos loiros estavam esbranquiçados pela falta de vitamina no seu corpo. Eu apenas olhava perplexa para ele e percebi que havia algo muito estranho nele. O menino tremia violentamente e o som de seus dentes se batendo me deixava, transtornada. Mas, o que me deixou ainda mais aturdida foi ver seu olhar se fixar em apenas num ponto, como se não pudesse enxergar nenhum de nós a sua frente.

Uma Luz Na EscuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora