Herdeiros do Olimpo

Uma gata preta cruza meu caminho

Espero que seja desnecessário dizer que, depois que o belo pássaro foi embora, o jantar seguiu perfeitamente normal, à exceção do desconforto de Dionísio a meu lado e do aparente esforço de minha bruxinha para se concentrar na comida, combinando com a testa franzida de Gael, que parecia pensar sobre o motivo de o pássaro ter pousado tão perto... Um questionamento que eu também me fazia!

Se fiquei feliz quando a refeição acabou e fiquei livre para procurar por minhas respostas? Quem não ficaria se estivesse na mesma situação? O problema seria apenas encontrá-la... Especialmente sem acabar tendo que contar toda a verdade a alguém que me flagrasse procurando... Nem eu sabia exatamente o que procurava! Aparentemente qualquer animal ou campista de olhos dourados poderia ser quem eu buscava. Nos acampamentos lidávamos com algumas loucuras, é verdade! Mas nada desse tipo. E, pela postura dos diretores nos últimos tempos, já tínhamos problemas demais para nos preocupar no momento, o que me levava a: será que havia transformado Vanessa no mais novo peão dos deuses? Ouvira histórias sobre, e até mesmo vira, alguns semideuses sendo testados pelos deuses, constantemente em busca de novos heróis para batalhar em seu nome quando necessário... Geralmente isso não acabava bem! E sequer fazia sentido. Ela era uma novata, sem treinamento ou sequer controle de seus poderes.

-No que está pensando, Dylan? - me virei na direção da voz, tentando conter o espanto ao me deparar com a gata preta... Com olhos normais, infelizmente. O que piorava a situação, embora eu talvez já estivesse acostumado o bastante com loucuras para me manter calmo. Ou talvez eu estivesse enlouquecendo completamente, o que parecia bem provável.

- Como sabe meu nome?

-Nenhuma curiosidade sobre a bela gata preta falante além desse mísero detalhe? Vanessa estava certa, então, você aceita as loucuras dela com uma facilidade ímpar... Gosto disso! - Até então pensava que a entendia simplesmente por ser um sátiro, mas o fato de a gata realmente ser capaz de falar confirmava minha teoria sobre a loucura.

-Vanessa? Como a conhece?

-Ela me criou, oras! Espero que saiba o que é um nebuliforme. Porque não estou com a mínima vontade de desperdiçar nosso tempo explicando minha criação. - resmungou, se espreguiçando com as patas cruzadas a sua frente.

-Está bem, esquentadinha! Mas o que no Hades está fazendo me seguindo? Foi uma ordem dela?

-Vanessa não manda em mim! Mas temos algo como um acordo de cuidado mútuo, por isso vim atrás de você! Minha raposinha disse que encontraram uma lenda viva em seu caminho para cá... E supus que o pássaro no jantar era ela! - nebuliformes não deveriam ser submissos a seus criadores e... Não pensar por conta própria? Ela parecia cada vez mais incomum. Mas o que de normal havia acontecido desde que fui designado para ir atrás da garota?

-E o que planejava descobrir vindo comigo?

-Talvez o porquê de uma entidade mágica não greco-romana estar intervindo no caminho de vocês! Talvez algo sobre meu próprio passado ou talvez quem é o tal "Gardien" que foi citado tantas vezes enquanto minha menina me atualizava!

-São muitas opções... - comecei, sendo interrompido pela reconhecível e agradável voz, embora não identificasse sua fonte

_E ao menos uma delas consigo responder! Se puderem me seguir, é claro! - Antes que pudesse pensar na impossibilidade de seguí-la por não saber onde ela estava a gata já saíra correndo atrás de uma borboleta dourada, me fazendo rir com a situação e ir atrás das duas, que se embrenharam pela floresta.

Isso era potencialmente perigoso? Com certeza! Mas eu me sentia seguro e confortável perto da guardiã... Ela transmitia uma aura de tranquilidade impossível de ignorar, então continuei andando até as duas pararem e a borboleta se transformar naquela mesma garota da parada na estrada.

-Essa não é uma situação normal e quero que saibam disso! Não deveria intervir tanto ou tão diretamente em seu caminho! Mas sinto que merece receber alguma luz, Dylan! Quanto a seu passado, Milly, não se apegue tanto a isso! Suas memórias continuarão surgindo nesse mesmo ritmo. Mas se pergunte se realmente precisa delas.

-Eu mereço saber quem eu sou! - protestou a gata, irritada e um tanto... Vulnerável? Mas devo dar créditos a ela! Afinal, não se lembrar de seu passado deve ser uma experiência horrível!

-Quer saber quem é ou quem ERA? E sabe que eu não poderia lhe dizer! Contando tanto sobre mim para nossa pequena borboleta deve conhecer minhas limitações neste trabalho! Há regras que PRECISO seguir para manter a ordem!

-Suas regras são injustas! E você já as está quebrando ao se revelar e contar as coisas a ele! E de que me adianta todo esse conhecimento sem um motivo? Por que sei disso? Como aprendi?

-Nem eu tenho conhecimento de todos os motivos que movem o Destino, minha cara! E não pense que contarei tudo. Assim como gênios podem conceder até três desejos dentro de determinadas condições, dentro de suas limitações - ela se virou para mim, me obrigando a encarar seus olhos - eu lhe concederei uma pergunta, meu querido! - minha mente trabalhava em velocidade máxima para decidir a melhor pergunta a fazer. Apesar disso me sentia tranquilo... Talvez não precisasse pensar para descobrir o certo a se fazer! - Mas não responderei se isso significar uma interferência direta em seu caminho! Essa escolha deve ser apenas sua e interferir em suas escolhas é o exato oposto de meu trabalho!

-Pense bem no que vai perguntar, sátiro! Eu não gostaria de concluir que minha garota o acha tão inteligente por estar apaixonada!

-Por que a urgência em trazer e treinar mi... - Me interrompi. Milly passou a me encarar e eu poderia jurar que, se fosse capaz, a gata estaria erguendo uma soobrancelha. - A semideusa? - A pergunta não era a mais lógica a ser feita, mas era a que eu sentia ser a certa. E para mim o contido sorriso de satisfação da garota servia como confirmação.

-A paz não é eterna e seus deuses sabem disso! E também sabem que precisam de semideuses que lutem a seu lado quando ela for rompida. Por isso estão buscando novos "campeões" desde as mortes daqueles que os ajudaram contra gaia e os gigantes da última vez! Testaram diversos heróis, filhos dos doze olimpianos, de Hades, Íris, Nike e tantos outros deuses... Chegou a vez de Hécate ofecerer sua prole para a liderança dessa geração e uma possível citação honrosa em livros. O grande problema é que a paz não durará muito mais. Não posso dizer muito além disso!

-Você surge quando a balança pende para o caos, então não está dizendo nada que não poderíamos deduzir sozinhos! - Eu definitivamente ainda não estava acostumado com a gata falante!

-Eu precisava da confirmação, Milly! Mas tenho outra pergunta: qual seu nome? Não vou chama-la de guardiã!

-Pode me chamar de Cibelle! - Ela parou por um instante, levando o dedo médio ao queixo e batendo levemente no lábio com o indicador, pensativa - Cibelle Elora Amairani!

-Vai mesmo inventar um nome assim escancaradamente? E um péssimo nome, se a intenção é proteger sua identidade, diga-se de passagem! Todos aqui identificarão o significado de um sobrenome grego e "paz eterna" não é lá um exemplo de discrição, considerando quem diz ser!

-Diga-me, Dylan: você teria percebido se não soubesse quem sou? Não perceberão se não estiverem procurando por mim e aqueles que provavelmente estão atrás de mim me reconheceriam independente de meu nome ou da forma que assumir... O que tem suas vantagens, já que quero deixar bem claro a eles que esta dimensão está sob minha proteção neste momento!

-Ela tem um ponto, sátiro! E quase ninguém por aqui a conhece, de qualquer forma!

-Não precisa se preocupar comigo, meu querido! Enquanto houver luz eu estarei bem. Mas agora vocês precisam ir antes que alguém venha procura-los! Nos veremos novamente em breve, mas vocês deverão manter segredo quanto a essa conversa.

Mal tive tempo para dizer que minhas preocupações eram outras antes de vê-la cair para trás e sumir, como se tivesse se mesclado à brisa fresca que soprava. Eu e Milly nos entreolhamos por um único instante ante de concluir que era melhor corrermos para fora da floresta.

Eu estava correndo muito ultimamente.

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