۪۫❁ཻུ۪۪⸙͎ Capítulo 3 - Tempo

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DE ONDE NASCEM
OS TRAUMAS

Os anos em que passei com aquela família, vivendo perto de tudo o que meus pais me mostraram, tornava a perda um pouco mais aceitável

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Os anos em que passei com aquela família, vivendo perto de tudo o que meus pais me mostraram, tornava a perda um pouco mais aceitável. Onde estou, não é nada se comparado aos lugares em que eu já estive, agora com treze anos, mas aos oito anos eu fui feliz, pelo menos em sua maior parte.

Voltando um pouco no tempo, quando eu fiz oito anos... Eu já estava sem meus pais e morava com o casal de velhinhos aos quais eu chamava de vô e vó. Eu nunca tive avós, todos morreram quase na mesma época em que meus pais me tiveram, e meus tios moravam lá para os lados do Norte, que eu ainda podia me lembrar, era algo como Rondônia ou Mato Grosso do Sul. Eles nunca me deram chaveiros com o nome, talvez o medo que eu os procurasse para reclamar meus bens atualmente fosse a causa disso na época em que fiquei órfã. De qualquer forma, mesmo que eu passasse fome, nada do que eles tinham me interessavam na época e muito menos agora. Pior agora na verdade.

Mas enfim, meus avós cuidavam de mim como podiam. Me alimentavam, limpavam, davam livros de sebos ou que os vizinhos nos doavam pois, sabiam que eles sempre aceitariam. Era incrível como todos ainda se importavam comigo naquela época. Apesar de eu ser sempre a vítima, e o motivo de pena da cidadezinha, eu não tinha consciência disso na época, então estava feliz por ser bem tratada. Hoje eu sei como a pena das pessoas escondiam realmente o caráter ruim delas. Pena era algo que elas sentiam quando queriam menosprezar alguém que julgavam inferiores. Meus avós viviam de pena, e eu queria muito conseguir tornar-los pessoas à quem outros sentissem inveja, mesmo sabendo que inveja também não era algo bom, mas que era melhor do que ser alvo de pena.

Agora com treze, me julgo mulher. Não que minha idade seja digna de uma mulher de verdade. Mas me julgo mulher pois, tudo o que eu vivi me tornaram uma. Seja físico ou psicologicamente. Eu era capaz de ser assim, adulta apesar das circunstâncias. Você deve estar se perguntando o porquê de eu me julgar uma mulher sendo que a minha idade jovem era digna de admiração, e que "as melhores fases da vida" são a adolescência. Outros vão acreditar que é o famoso drama de maturidade, que nós crianças começamos a enfrentar. Muitos vão apontar o famoso drama na verdade, mas isso é até saberem o motivo de eu já ser uma mulher aos treze anos.

Voltando até lá, o meu passado. Digno de admiração, ou simplesmente digno de um bom filme de terror dirigido por King. Eu tinha apenas oito anos. Brincava quase que o dia inteiro e fugia todas as noites para alimentar uma coruja ingrata que tinha dois filhotes bravos. E eu podia afirmar porque ambos já haviam tentado arrancar um de meus dedos, um tanto quanto pequenos na época. Eu não sabia, mas naquela época a coruja era minha melhor amiga. Eu estava feliz por ter com quem compartilhar as dores e saudades dos meus pais. Meus avós ficavam tristes quando eu comentava, e sentiam que eu estava sendo ingrata, pois agora eu era feliz com eles. E realmente eu não podia agir daquela maneira. Ferir os sentimentos daqueles que cuidaram de mim todo esse tempo. Bom, era nisso que eu acreditava. Anos depois antes de muitas coisas serem esclarecidas eu ainda acreditava naquele amor, então estava lutando para mante-lo. Limpando a casa, aprendendo a cozinhar e cuidando da coruja.

Um dia bem especial para mim, foi passar meu aniversário na floresta. Visitei as lápides de meus pais, e também os lugares onde suas almas visitavam. A coruja desde então, me acompanhava em alguns momentos do dia. Era engraçado ter ela cuidando de mim o tempo todo. Meus avós não sabiam que era meu aniversário até porque, em outro momento de minha vida, eles não foram presentes. Minha mãe na verdade nunca teve simpatia por aqueles senhores, ela sempre deixou subentendido que só aparentavam ser assim, legais. Meus dias vivendo com eles naquela casa pequena foram ótimos, então deixei que as palavras dela se perdessem com a ventania. Foi a primeira vez que desobedeci alguma coisa que ela me disse.

Neste dia fatídico, coloquei a melhor roupa que eu ainda tinha, e brinquei toda a tarde com as corujas. O problema mesmo foi chegar em casa tão imunda, eu tive medo que eles ficassem chateados com os meus maus modos. Mas me surpreendi com o quão engraçado vovó achou ao me ver tão suja. Ela riu por alguns minutos e depois me pediu para tomar banho e colocar a roupa de molho no balde. Foi engraçado de ver e aquilo aqueceu meu coração. Eu amava esses pequenos momentos.

Eu adorava lembrar de coisas assim, fofas, de quando minha avó adotiva me dava atenção, e meu avô explicava coisas simples sobre a vida no campo, e na fazenda. Ele também falava de futebol, ele era um santista e tanto. Eu adorava ouvir ele falando com tanto orgulho de suas crenças, ele também era deveras patriota, me ensinou a cantar o hino nacional e tudo. Sempre desenhava a bandeira para que eu pudesse pintar. Era incrível, eu o admirava muito. Ele também tocava músicas na viola, Deus como eu amava aquele som das cordas.
Ele amava sertanejo raíz, aqueles de boiadeiro.

Um dia, pouco tempo após meu aniversário, ele me fez uma grande casa na árvore, com madeirite e telhas velhas da antiga cabana de guardar ferramentas. E eu lembro da passar muito tempo ali, mobiliando aos poucos com as coisas que vovó não queria mais na casa, como banquinhos e um rádio velho. Lá era meu refúgio, e também, onde abriguei as corujas em tempos chuvosos. Vovô disse que a casa era um presente pois foi o dia em que eles me acolheram, então aquela seria minha nova data de aniversário. Eu não gostei muito da ideia, mas para torna-los felizes, eu o fiz. Mas quando vovó pediu para que eu esquece minha verdadeira data de nascimento, eu apenas dei de ombros. O motivo para a data que eles escolheram não ser boa, é que foi o mesmo dia em que minha mãe morreu, e não era uma data com a qual eu queria viver em comemoração.

Até então, nada foi um problema, nós vivíamos em sintonia. Porém, pouco tempo depois, vi que ela se arrumava e havia feito um jantar esplendoroso. Perguntei a ela o motivo de tanta preparação e ela disse que seu único filho, viria após tanto tempo para nos visitar.

Eu estava feliz, iria conhecer a única pessoa com a qual vovó se importava além do vovô e eu, e vê-la tão animada, também me animou.
Coloquei meu vestido favorito e me sentia à mesa aguardando ansiosa a chegada de Tobias, o nome do meu novo tio. Meu sorriso era energético e assim que ouvi uma voz na sala e risos dos meus avós, quase corri até lá. Eu sabia que o momento não era tão bom, eu deveria respeitar já que não era parte da família original.
Ouvi eles se aproximarem e me virei animadíssima, estendo a pequena mão na altura dos ombros, até ver o rosto tão medonho e familiar.

Não podia ser aquele homem. O mesmo homem que atirou minha mãe e a machucou de maneira tão baixa.
Assim que nossos olhos se encontraram, puxei minha mão antes que ele a tocasse, e meu sorriso se fechou completamente. Ele me olhava com carisma e sorria confuso com a minha reação, e naquele momento eu só queria cuspir em seu rosto e sair correndo.

⇁Olá menininha, como é seu nome ? ⇁ Sua voz nojenta, me lembrou da noite em que a ouvi pela primeira vez. Dizendo coisas horríveis enquanto estuprava minha mãe.

Me virei para vovó como se não o tivesse visto e a encarei.

⇁Vou dormir mais cedo vô e vó. Com licença. ⇁ Eu corri até meu pequeno quartinho e me cobri por inteira. Prendi o choro e fiquei quieta, até ouvir alguém entrar e fechar a porta...

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