VIII - Bastardo Rebelde

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Ergueu o punho com receio, engolindo em seco e bateu na porta de madeira com os nós dos dedos. Ouviu a voz do rei soar lá dentro, fazendo seus músculos se tencionarem conforme levava uma mão ate a maçaneta e a girava lentamente, abrindo a porta com um rangido baixo das dobradiças.

Seu pai estava debruçado sobre uma pilha de pergaminhos e mapas velhos. Os olhos negros estavam fixos nas linhas elegantes da carta de algum nobre estrangeiro, os cabelos escuros contendo poucos fios brancos caindo ao redor de seus ombros em mechas lisas e sedosas. Ricardo Halist era um homem rígido e frio como uma pedra de onix polido, não conhecia a sensação de inferioridade ou desprezo.

—Pai…

Os olhos escuros do rei se ergueram para Ekene, que, por um segundo parou de respirar. Sempre paralisava ao ver a cicatriz que percorria toda a extensão do pescoço de seu pai. Porque aquela cicatriz, de uma forma assustadora que fazia seu sangue congelar, era culpa sua. O rei a ganhara no dia que a Rainha Poliana descobriu sobre o filho bastardo do marido. A Rainha não havia lidado bem com a notícia e quase assassinou o marido com uma adaga de aço negro enquanto ele dormia. Por sorte ou azar do destino ela não havia tido sucesso. Desde então o casamento de ambos era mera aparência, apenas um contrato para gerar herdeiros. Segundo os boatos fora naquela mesma noite que o príncipe Lohan fora gerado. As Damas sussurravam que os guardas ouviram os gritos agonizantes da Rainha logo depois de sua tentativa falha de matar o rei, que a raiva o possuiu e ela não ousou recusa-lo.

Aquela cicatriz lhe deixava apreensivo, era um lembrete do que a mulher que mais lhe odiava era capaz de fazer quando provocada.

—Ah sim, eu mandei chama-lo. —Declarou, voltando a encarar os papéis. Então agarrou uma das cartas e a estendeu para o garoto. —Leia isso.

Franziu as sobrancelhas e pegou a carta.

Lentamente, correu os olhos azuis pelas linhas cheias de palavras estranhas em Daariano. Seu rosto empalideceu quando chegou ao final da carta, ao ler as últimas palavras estampadas no papel amarelado.

Ficaríamos honrados em aceita-lo em nossa corte.

Engoliu em seco, erguendo os olhos para o pai, o rosto claramente surpreso.

Um sorriso suave cortou os lábios do rei.

—A Princesa de Dara está a procura de um consorte. —Disse, satisfeito. —E ela não vê problema nenhum em se casar com um bastardo.

Suas entranhas se reviraram conforme as imagens dele em um navio atravessando o oceano para chegar em Daara disparavam em sua mente como granizo. Uma enorme vontade de vomitar tudo o que havia comido no almoço lhe dominou. Deixar Doralin, colocar os pés para fora do seu reino, era algo que nunca faria.

—Em Daara não existem bastardos, a única coisa que importa é o sangue que corre nas suas veias, filho. —Prosseguiu, agarrando-o pelos ombros. —Você seria tratado como um príncipe, iria estar a frente de um reino inteiro.

Se desvencilhou das mãos do pai e lhe deu as costas, afundando os dedos nos cabelos escuros. Era inacreditável que depois de assinar o destino de Lohan com um contrato de casamento o rei quisesse fazer a mesma coisa com ele apenas porque supunha que sabia o que era certo para o filho.

—Eu não vou para Daara. —Disse, a voz um tornado rouco. —Não vou me casar com princesa nenhuma.

Não precisou virar e ver o rosto do rei para saber que decepção o estampava. Podia ouvir no tom de voz dele o quanto estava decepcionado.

—Ekene.

Virou-se para encarar o pai, os punhos cerrados com tanta força que podia sentir os ossos gemendo contra sua pele.

—Eu não vou entrar nos seus joguinhos, eu não sou o Lohan. —Rebateu, semicerrando os olhos. —Ele pode ter aceitado se casar com uma estranha por política, mas eu não aceito. Eu não tenho esse dever.

Uma das poucas vantagens que possuía era sua liberdade como filho ilegítimo e agora seu pai queria lhe tirar isso também. Não, não iria acontecer.

—Não estou fazendo isso por política. —O Rei disse, tão firme que Ekene trincou o maxilar, o olhar desviando do dele por um momento. —Estou fazendo isso por você. Em Daara você poderia ser aceito de uma forma que nunca seria aqui.

Ekene teve que morder a língua para evitar que a avalanche de palavras escapasse pela sua boca. Apenas respirou fundo e fechou os olhos. Manter a calma, tinha de manter a calma.

—Eu não vou me casar com essa princesa. —Disse, devagar, tão suave como uma brisa de primavera. —Não vou me casar com alguém por sua causa, porque eu não sou nada além de um bastardo.

Viu um vulto de culpa nos olhos do rei, apenas por poucos segundos.

—Eu não devo nada a esse reino, então não vou vender o resto da minha vida por ele. —Disse por fim, deixando que os músculos de seus ombros relaxassem um pouco. —Pode dar a ordem que quiser, não vou obedecer.

Ficou observando conforme as sobrancelhas de Ricardo se erguiam e um enorme suspiro cansado irrompia de seus lábios. Antes que Ekene pudesse dizer alguma coisa seu pai pegou a carta e a rasgou ao meio, caminhou até a lareira e a jogou ao fogo.

O rei inclinou-se sobre a cadeira de encosto alto ao lado de sua mesa e fechou os olhos com força, evitando olhar para o rosto do filho mais velho.

—Pode sair.

Saiu sem dizer mais nada. Afinal, tinha suas vantagens. Talvez fosse mesmo ser aceito na corte de Daara, mas nunca seria feliz em um reino que não lhe pertencia. Doralin estava em sua carne, em seu sangue, não podia deixar seu lar por algo tão fútil.

Não agora que as coisas na corte de Doralin começavam a ficar tão interessantes.

Halist - A Canção das RosasOnde histórias criam vida. Descubra agora