XIV - Aura Letal

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O palácio estava frio quando Ekene adentrou os corredores rapidamente, saído dos jardins. A Raiva ainda borbulhava em suas veias, os ferimentos ainda latejando, sangue seco manchando os nós dos dedos.
Parou na curva de um dos corredores e colou a testa em uma das mais paredes de pedra. Respirou fundo e tentou afastar dos pensamentos negativos que envolviam o irmão.
Não funcionou.
Lohan havia cometido um erro terrível. Um erro que ele provavelmente não perdoaria se tivesse vindo de outra pessoa. No entanto... Ele ainda era seu irmão, ainda haviam crescido juntos e as histórias que guardavam na mente nunca poderiam ser apagadas.
Apertou os dedos em punhos e tentou organizar os pensamentos. Faria o príncipe herdeiro concertar a bagunça que ele havia feito. Conseguiria um casamento digno para Estela e então as coisas poderiam voltar a ser como antes. Ou ao menos, o mais próximo disso que Ekene conseguiria.
Ergueu o queixo e mordeu a língua.
Isso, era isso que iria fazer. Afinal, senão ele, quem mais lidaria com a corte no lugar de Lohan? Ninguém, com certeza ninguém que tivesse boas intenções.
Recuou um passo e endireitou a coluna.
Então, um grito estridente reverberou pelos corredores silenciosos.
Passos apressados se aproximavam até que uma criada surgiu na curva do corredor a esquerda. O corredor que levava até o salão da coroa.
Ela correu até ele e se agarrou nas mangas de seu casaco de veludo vermelho. Suas mãos tremiam e seus olhos estavam cobertos de medo e terror.
—No salão da coroa... Ela... Muito sangue... —Choramingou, tentando formular as palavras entre as lágrimas que rolavam pelo rosto.
Ekene apertou as mãos dela contra as dele, olhando fundo em seus olhos. Ela engoliu em seco, o peito subindo e descendo em um ritmo acelerado.
—Procure o capitão da guarda e o traga até mim. —Ordenou, a voz firme, não deixando espaço para protestos. —Vou estar no salão da coroa. Rápido.
Rapidamente ela assentiu e saiu disparando pelos corredores.
Sem pensar, correu até o salão da coroa, tentando não imaginar o que infernos tinha acontecido naquele lugar e que cena terrível fora capaz de despertar o terror daquela criada.
Parou em frente à porta do salão e entrou um pouco hesitante.
A cena que surgiu a sua frente era ainda pior do que havia imaginado.
Um cadáver tinha sido posicionado no trono, uma coroa de espinhos cravada na cabeça, sangue escorrendo da testa. Era um criada, um moça usando roupas da nobreza. Seus olhos vazios encaravam o vazio, os lábios ligeiramente abertos e arroxeados.
Um pentagrama fora pintado com sangue ao redor do trono, pequenas velas acesas em cada ponta da estrela.
Os ossos do bastardo estremeceram conforme ele se aproximou do corpo. A garganta fora cortada de fora a fora, costurada logo em seguida com um fio grosso e escuro, manchado demais com o sangue para que fosse possível dizer a cor.
Engoliu em seco, contendo a imensa vontade de vomitar que fazia seu estômago gemer.
Deu mais um passo a frente e inclinou-se mais para perto. O cheiro de enxofre era forte no ar e invadiu suas narinas na mesma hora, fazendo-as arder.
Franziu a testa.
As unhas dela estavam rachadas, quebradas rente a carne, cobertas de poeira e carvão. A pele pálida demais, quase transparente como papel. As veias roxas e azuis se destacavam feito cicatrizes por todo o seu corpo.
Ouviu o ranger das portas duplas de madeira na entrada do salão. No entanto, não se virou para ver. Estava hipnotizado demais pela aura letal e sombria que envolvia aquele corpo.
—Pela morte, o que aconteceu aqui?
O capitão da guarda, Brenan Nimbus, irmãos mais novo do atual lorde de Forte Sombrio.  
Ekene não precisou virar para saber que o rosto do Capitão Nimbus estava pálido feito um fantasma. Aquele tipo de coisa não era comum ali e nenhum deles esperava algo tão grotesco no palácio.
—Isso é um ritual antigo, meus caros lordes.
A voz da rainha se elevou no salão, reverberando pelas paredes largas. O bastardo virou-se rapidamente, observando-a caminhar lentamente até o trono, as saias do vestido púrpura arrastando-se pelo chão impecavelmente limpo. Os cantos de seus lábios vermelhos se erguiam em um sorriso terrivelmente afiado.
—Magia negra, sem dúvidas. —Declarou, correndo os olhos pelas veias escuras ramificando-se sob a pele fina. —Diria para fugirmos para o norte.
Com um gesto da mão ela dispensou o cadáver e girou sobre os saltos altos que trazia nos pés. Caminhou até o meio do salão e parou, erguendo o os olhos de ouro velho para o teto abobadado.
Seu sorriso se alargou ainda mais.
Uma sensação ruim tomou conta dele. Lentamente, deu um passo na direção dela e se aproximou com um pouco de hesitação. Quando ergueu o olhar para cima, quase engasgou.
O sangue da criada não havia sido usado apenas para traçar o pentagrama ao redor do trono. O centro do teto do salão tinha sido coberto com o desenho de uma rosa, o símbolo dos Halist, e, logo abaixo, em letras grandes e garrafais, estava escrito:

O Império das Rosas chegara ao fim.

—Mas creio que já é tarde demais. —Disse a Rainha, soltando uma risada aguda.
Ela então agarrou as saias volumosas e caminhou até o Capitão Nimbus, que parecia prestes a vomitar sobre as próprias botas de couro.
—Cave uma cova de no mínimo 3 metros. —Ordenou, firme como uma rocha de obsidiana. —Jogue o corpo, encharque com óleo e coloque fogo. O feitiço será quebrado após limparem o sangue do chão e se livrarem do corpo.
A boca de Ekene estava seca, mas isso não o impediu de falar.
—O rei precisa saber.
Outra risada irrompeu dos lábios de Anastácia Halist.
—O rei não saberá o que fazer. Façam o que eu mando, e talvez consigamos adiar a tormenta por tempo suficiente. —Disse, parando a porta do salão, permanecendo de costas para os dois homens. Os cristais em seu cabelo castanho reluziam quando ela virou a cabeça ligeiramente na direção do bastardo. —Quanto a você, não faça nenhuma besteira.

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⏰ Última atualização: Aug 10, 2019 ⏰

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Halist - A Canção das RosasOnde histórias criam vida. Descubra agora