Os dias naquela época eram assim: pessoas passavam fome, ficavam dias com sede e milhares delas morriam. Não só pessoas, os animais "normais" e todas a demais criaturas que habitavam aquele mundo. As fadas que, em uma época nem tão distante, voavam pelas enormes florestas, agora raramente eram encontradas, e quando achadas, usadas como amuleto para espantar os espíritos. A floresta que era verde e cheia de vida agora estava vazia, exceto pelos cadáveres de duendes, lobos, fadas e todas as outras criaturas. Ou seja: um mundo vazio e sem vida, exceto pelos poucos sobreviventes da Grande Catástrofe.
Meglium não entendia muito bem como seu lindo mundo, cheio de vida e cheiros, havia se transformado em um pesadelo. Seu pai havia sido convocado há um ano e meio, pelo rei, para lutar na guerra e desde então não voltara. Quando ele se foi, o menino se mudara para a casa de seus tios. Meglium não conheceu sua mãe, pois ela morrera em seu parto. Seu pai era sua única família. Ele não podia reclamar de seus tios. Sua tia Ângela era como uma mãe e tio Felipe era como um irmão. Ambos haviam se mudado de sua casa em uma pequena vila para a nova capital, pois a antiga havia sido completamente destruída.
Meglium tinha 15 anos e há alguns meses os primeiros fios de barba ruiva começaram a crescer em seu rosto. Ele se lembrara da promessa que seu pai havia feito, de que a primeira vez que ele fosse tirar a barba seu pai a faria, porém as esperanças do garoto eram poucas que isso fosse acontecer. O menino lembrava como se fosse ontem, seu pai chamou-o para conversar, para dizer que ele deveria ser forte e que logo voltaria:
"Você vai ficar com seus tios, não se preocupe, seis meses passam rápido. "
Seis meses era o prazo. Porém mesmo passando mais que seis meses, Meglium ainda acreditava que seu pai iria entrar pela porta sorrindo, com o mesmo brilho no olhar e dizendo que estava na hora de voltar para casa.
Aquele dia era como qualquer outro, não havia mais escola, parques ou qualquer lugar que Meglium pudesse esquecer da Grande Catástrofe. Meglium tinha como único hobby ajudar seu tio em seu trabalho, ele era um dos poucos comerciantes que estavam vivos. Felipe sempre o deixava andar pela cidade - apesar dele ser um ótimo ajudante para seu tio - ou como dizia: "hoje o movimento está fraco, então, vá dar uma volta por ai e quem sabe arrumar algum amigo." Ele sabia que isso era quase impossível, mas ia passear mesmo assim. Andava pelos becos, olhava para as casas sem vida, o chão desnivelado, todos os dias o mesmo caminho até chegar a um lugar, um lugar que em meio a tanta tristeza o trazia felicidade, mas não era a casa de dois andares, com móveis velhos e empoeirados que o deixava feliz, e sim quem o esperava todos os dias lá.
— Está atrasado senhor Meglium Dragon.
Uma menina estava sentada encima de uma mesa no centro do quarto, quando Meglium entrou no cômodo.
— Ó perdoe-me senhorita pelo meu atraso.
A menina saltou da mesa, foi até seu encontro e com um beijo o recebeu.
— Está perdoado. Mas qual foi o motivo do atraso?
—Namorada ciumenta?
Os dois se sentaram em um sofá que ficava embaixo de um quadro desalinhado.
— Há, há, há, engraçadinho, só estava puxando assunto.
— Eu sei Iris, só estava brincando.
Meglium se lembrava com exatidão o dia em que conhecera Iris. Era o seu segundo dia na nova capital e ele estava andando pelas ruas quando ouviu gritos de uma menina. Então resolveu ver o que estava acontecendo, ele se deparou com uma garota negra, de cabelos cacheados e volumosos, relativamente baixa em comparação a ele. Ela estava em frente a um ser que, de longe, não conseguia distinguir o que era, dois meninos estavam em frente à garota, a empurrava para o lado e diziam coisas que ele não conseguia compreender. Meglium a ouviu falar algo sobre deixar o animal em paz, foi só aí que ele percebeu que se tratava de um filhote de unicórnio. Um dos meninos a segurou pelo braço com tanta força que ele sentiu a pressão em seu próprio membro, porém a garota o olhou desprezo para seu opressor e antes que Meglium pudesse entender o que havia acontecido o menino estava caído, o outro garoto, apavorado, rapidamente ajuntou seu colega do chão e saíram o mais rápido dali. Ele estava extremamente admirado que acabou fazendo esbarrando em algo que nem ele mesmo sabia oque era, rapidamente a menina o olhou, seus olhos negros transbordavam raiva.

VOCÊ ESTÁ LENDO
A Primeira Chave
FantasyNaquele instante ele percebera que toda sua vida havia sido pautada em mentiras. A vila nos arredores de Vitae havia escondido os escravos e o terror da guerra. O amor de seu pai havia abafado a dor que ele sentia por sua mãe ter deixado o mundo qua...