Eu estive aqui! {Taoris}

A viagem.

Já escrevi uns dez elogios fúnebres para Lu, imaginando todas as coisas que poderia dizer a respeito dele. Como quando nos conhecemos na primeira semana do jardim de infância eu e ele e fez um desenho de nós dois, com nossos nomes e mais algumas palavras que eu não entendi, pois, ao contrário dele, ainda não sabia ler nem escrever. "Está escrito 'melhores amigos'", explicou ele. E, como todas as coisas que Lu queria ou previa, isso se tornou realidade. Poderia dizer que ainda tenho esse desenho. Que o guardo em uma caixinha de metal que contém todas as minhas coisas mais importantes e que ele está vincado por conta da idade e de tanto ser visto. Ou poderia falar que Lu sabia coisas sobre as pessoas que elas próprias talvez não soubessem. Como, por exemplo, a quantidade exata de espirros que você dá de uma só vez; parece que existe um padrão para cada um. O meu era três. Yixing, quatro. Junmyeon, dois. O de Lu era cinco. Ele também se lembrava do que você estava vestindo em cada ocasião especial, em cada Halloween. Era tipo o arquivo da minha história. E a criador dele também, já que passei quase todos os meus dias de Halloween com ele, geralmente vestindo alguma fantasia que ele havia criado.

Ou talvez pudesse falar da obsessão de Xiao por canções sobre vaga-lumes. Começou no nono ano, quando ele comprou um single em vinil de uma banda chamada Heavens to Betsy. Ele me arrastou para o seu quarto e me colocou para ouvir o disco riscado naquela vitrola antiga que comprara por 1 dólar em um bazar de igreja e consertara sozinho, com a ajuda de alguns vídeos instrutivos do YouTube. And you will never know how it feels to light up the sky. You will never know how it feels to be a firefly. Nós nunca saberemos qual é a sensação de iluminar o céu como um vaga-lume... A voz de Corin Tucker era ao mesmo tempo forte e vulnerável, de um jeito que parecia quase sobre-humano.

Depois de descobrir a Heavens to Betsy, Meg tomou para si a missão de encontrar todas as canções boas sobre vaga-lumes. No melhor estilo Lu, em poucas semanas ele já havia reunido uma lista gigantesca. "Você por acaso já viu um vaga-lume?", perguntei. Eu sabia que não. Como eu, Xiao nunca tinha ido para nenhum lugar a leste das Montanhas Rochosas. "Ainda tenho tempo", afirmou ele, abrindo os braços, como se quisesse demonstrar quanta vida havia lá fora, à sua espera.

Yixing, e Junmyeon pediram que eu falasse na primeira cerimônia, a maior de todas, que deveria ter sido realizada na igreja católica que os Xiao frequentavam havia anos. Porém, o padre Siwon, embora fosse amigo da família, era um homem que seguia as regras. Ele disse aos pais de Lu que seu filho havia cometido um pecado mortal, portanto sua alma não seria aceita no céu e que seu corpo teria que ir para um cemitério que não fosse católico.

A última parte era ainda um pouco mais complicada. A polícia demorou um bom tempo para liberar o corpo. Aparentemente, o veneno que ele havia usado era raro. Ninguém que conhecesse Lu se surpreendeu com esse dado. Ele nunca usava roupas de marca, sempre escutava bandas das quais ninguém tinha ouvido falar. É claro que encontrara algum veneno obscuro para ingerir.

O caixão sobre o qual todos choraram naquela primeira cerimônia estava vazio e não houve enterro. Entreouvi Leeteuk, o tio de Lu, dizer à namorada que talvez fosse melhor que nunca houvesse. Ninguém sabia o que escrever na lápide. "Tudo acaba parecendo uma censura", ponderou ele.

Tentei escrever um elogio fúnebre para aquela missa. Juro. Cheguei a pegar o CD de canções sobre vaga-lumes que Lu gravara para me inspirar. A terceira era "Fireflies", dos Bishop Allen. Acho que nunca tinha prestado atenção na letra, porque, quando a ouvi de verdade, foi como se tivesse recebido um tapa do além: It says you can still forgive her. And she will forgive you back.

Mas não sei se ainda posso perdoá-la.

E não sei se ela me perdoou também.

Falei para Yixing e Junmyeon que sentia muito, mas que não podia fazer um elogio fúnebre, pois não conseguia pensar em nada para dizer. Foi a primeira vez que menti para eles.