Emails de um garoto morto.

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Esta noite, durmo no sofá de veludilho sem ao menos trocar de roupa. Acordo na manhã de domingo com Grapette e Repete dormindo no meu peito e na minha cara. Ou eu tomei o lugar deles no sofá ou eles decidiram que eu sou o lugar deles. Sento-me a tempo de ver o último colega de república de Lu, que tinha passado o fim de semana inteiro desaparecido, largar uma tigela de cereal na pia e sumir pela porta dos fundos.

– Tchau, Jongin – despede-se o Byun.

Então esse é Jongin. Segundo Lu, ele ficava a maior parte do tempo no próprio quarto com o nojento do Kyungsoo, com seus vários computadores e potes de kimchi.

Baekhyun vai à cozinha e volta com uma xícara de café para mim. Ele anuncia que é orgânico, respeita as regras do comércio justo e é cultivado à sombra no Malaui. Eu assinto, como se meu café precisasse ser algo mais do que quente e cafeinado.

Fico sentado no sofá, observando os gatos baterem de brincadeira um na cara do outro. Uma das orelhas de Repete fica presa virada pelo avesso. Eu a endireito e ele solta um miado. É o som mais desamparado do mundo e, sinto muito, mas não há a menor possibilidade de eu deixar esses dois bichinhos em um abrigo, mesmo que não seja do tipo que mata os animais.

Quando termino o café, saio com o meu telefone para a varanda, onde alguém organizou um monte de garrafas de cerveja vazias na posição de pinos de boliche. Ligo para Chaerin. São

só dez e meia, mas, por algum milagre, ela atende.

– Como está a cidade grande?

– Grande – respondo. – Olha, o que você acha de eu levar para casa dois gatinhos?

– O que você acha de arranjar outro lugar para morar?

– Seria temporário. Até eu encontrar um lar para eles.

– Nem pensar, Zitao. Já criei você por dezoito anos. Não vou acolher mais nenhuma criatura desamparada.

Tenho vários motivos para me sentir ofendido; um dos principais é a sugestão de que sou uma criatura indefesa paparicado por anos e anos. Eu poderia dizer que me criei sozinho, mas estaria sendo injusto com os Xiaos. Quando tive uma infecção na garganta, foi Junmyeon quem notou o pus nas minhas amígdalas e me levou ao pediatra para tomar antibiótico. Quanto às cinquenta horas de aulas práticas que eu precisava para tirar a carteira de motorista, Chaerin se ocupou de três delas. Yixing cuidou das 47 restantes, passando inúmeras tardes de domingo no carro comigo e com Lu.

– Devo ter que ficar aqui mais alguns dias. Pode me cobrir na Srta. Mason segunda-feira?

É uma chance de ganhar 40 dólares.

– Claro.

Chaerin não pensa duas vezes ao ouvir falar em dinheiro. Não me pergunta por que vou demorar mais nem quando voltarei para casa.

Em seguida, telefono para os Xiaos. Aí é um pouco mais delicado, pois, se eu mencionar os gatinhos, eles se oferecerão para adotá-los, por mais que vá ser um desastre, a julgar pela maneira como Vivi se comporta com os gatos. Digo a Junmyeon que vou precisar de mais uns dois dias para acertar algumas pendências que Lu deixou. Ele parece aliviada e não faz mais perguntas. Apenas me fala para levar o tempo que achar necessário. Quando estou prestes a desligar, ele continua:

– E, Zitao...

Eu odeio esses E, Zitao. São como uma pistola sendo engatilhada. Como se eles estivessem prestes a dizer que sabem de tudo.

– Sim?

Longo silêncio do outro lado da linha. Meu coração começa a disparar.

– Obrigada.

Eu estive aqui!  {Taoris}Where stories live. Discover now