O DIABO

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Densas nuvens negras se espalhavam por todo o céu indicando que o inverno estava próximo. Ventos fortes assolavam o bosque fazendo árvores majestosas se envergarem até quase tocarem o chão. Pássaros, indo de um lado para o outro fugindo dos poderosos raios que cortavam o firmamento. Ao longe, se podia ouvir os sons dos trovões anunciando as primeiras chuvas da estação. As ruas estavam quase desertas com exceção de cachorros e sem tetos que procuravam abrigo, se esgueirando nas frestas das moradias. Os únicos lugares movimentados eram as tabernas, onde todos os miseráveis e desocupados iam a fim de fugir dos problemas ou dos fantasmas existenciais que assombravam suas vidas medíocres. Homens trajando ternos sujos e surrados sentados a beira da lareira, berrando impacientemente por mais bebida, até ficarem bêbados o suficiente para subirem ao segundo andar, onde as garotas proporcionavam outro tipo de diversão. Ao canto esquerdo do bar, o pianista toca uma trilha sonora que ecoa de uma esquina a outra levando através do vento melodias opacas e melancólicas acompanhadas de trovões e gotas fortes de chuva. O frio se intensifica, fazendo com que os que ali estão se acheguem mais para perto do fogo de modo que fiquem a contemplar as vividas chamas que aquecem todo o lugar. Ouve-se então um estrondo! A música é interrompida!

- Meu Deus! Mas que diabos é isso?!

- São pernas humanas?!

O fogo é agitado e o susto faz com que um desavisado tombe a cadeira para trás. Todos correm para ver do que se trata. Quase que imediatamente um cheiro de carne queimada impregna o ar.

- Isso é uma pessoa!

- Tire-o dai! Agora!

- Ficou louco? Vou me queimar todo.

- Use o angus, idiota.

Num impulso para socorrer a vítima, um dos bêbados munido de dois angus de lareira puxa pelos tornozelos o que parece ser um homem nu. Com a ajuda de dois ou três, o corpo é recolhido e mantido longe do calor.

Sua aparência era incrivelmente perturbadora. Os olhos foram removidos, em vez disso em cada globo ocular havia uma pequena flor branca, a boca e a garganta estavam tomadas por raízes. A palidez era espantosa, como se tivesse sido drenado todo o sangue antes da morte. No peito, na linha do meio, um símbolo talhado. Mãos e pés cerrados. Sem dúvida, uma cena que resultaria em noites de pesadelos a qualquer um dos que ali estavam. Sem dúvida marcas de desumana crueldade.

- Pelos deuses. Quem fez isso? Perguntou um dos bêbados.

- Foi o Darach.

- Mas ele não estava?(pausa retórica).

- Sim.

- Então quem fez isso?

O SR. ELLIOTT SMITH

Senhor Smith!

- Senhor Smith. Telegrama para o senhor - Dizia a voz vinda do lado oposto à porta de entrada.

Elliott desperta um tanto atordoado, olha de um lado para o outro como se tentasse reconhecer onde estava. Seus olhos estão pesados e sente uma enorme dificuldade em mantê-los abertos. Após tirar ambos os braços de si, se levanta da cama com o máximo de cuidado para não despertar as garotas ainda adormecidas. A passos lentos caminha em direção ao guarda-roupa enquanto seus pés empurram as várias garrafas vazias de uísque, espalhadas pelo assoalho. Esfregando os olhos numa tentativa de desembaçar a visão, alcança seu roupão posto no último cabide do lado direito. Veste-o e segue em direção a porta de onde vinham os barulhos que o havia despertado do agradável sonho que estava tendo. Após inúmeras investidas sem resposta, o emissário joga o bilhete contendo o telegrama por debaixo da porta. Já vestido, Smith avança para seu bilhete, mas outra necessidade o faz mudar a rota, seguindo o mais depressa possível em direção ao banheiro onde acompanhado de tosse e alguns urros de vômito, despeja repetidas vezes no vazo, tudo o que havia ingerido na noite anterior.

Após lavar os olhos e a boca, estando um tanto mais consciente vai até a entrada, apanha o envelope, e caminha até sua poltrona de escarpam, posicionada bem perto da lareira, posta no centro do cômodo. Gravado abaixo da aba selado com o logo da Scotland Yard estava escrito: Ao ilustre Sr. Elliott Smith.

O termo "ilustre" arranca de seus lábios um risinho de deboche.

O bilhete dizia:

Prezado senhor Smith,

É de seu conhecimento que a pouco mais de quatorze meses, o assassino em série conhecido como Darach foi capturado e levado a julgamento culminando na forca graças a sua perspicácia e sagacidade. Devo informar-lhe, entretanto, que ontem por volta das dez e meia da noite um corpo foi despejado pela chaminé de um bar para espanto dos que ali estavam. Eu mesmo averiguei o corpo, o padrão de assassinato é extremamente parecido com as das últimas vitimas deixadas pelo nosso homem.

No local não encontramos nenhuma pista. Tanto o telhado da taberna quanto das outras casas foram meticulosamente revistados, mas não encontramos nada além de algumas telhas quebradas e uma escada por onde deva ter subido.
O modo como se encontrava o corpo sugerem fortes indícios de que tenha sido feito pelo Darach . Sei que é um homem ocupado meu bom amigo, mas preciso de você com urgência. Se lhe parecer bem em me prestar mais este serviço.

Cordialmente, seu amigo

Steve Jones.

Jones era sem dúvida um dos mais competentes chefes de policia com quem Elliott já havia se associado. Ambos haviam trabalhado juntos por vários meses no caso do famoso assassino em série conhecido como O Darach de Damn Place.

- Minha nossa! - Disse Elliott em tom de perplexidade.

Mal acreditava no que acabara de ler. Esfrega os olhos mais uma vez e torna a ler as terríveis noticias descritas no bilhete. Seus pensamentos se tornam cada vez mais acelerados, e a única pergunta era:

Como o Darach tinha retornado depois de quase um ano morto?

A CAMINHO

Ainda sentado em sua poltrona, num silêncio absoluto, Smith pensa sobre o que acabara de ler. Inúmeras perguntas surgem em sua mente. Todas sem resposta. O peso de ter levado à forca alguém inocente; todas as provas indicando que era ele; tratava-se de um imitador? Ou realmente Travel havia retornado dos mortos?

Ainda perdido em seus pensamentos, vai até o segundo cômodo, debaixo da cama, de onde tira uma maleta de couro vermelha. Leva à cozinha e espalha todos os papéis por cima da mesa. Ali estavam todas as provas do caso. Elliott então as examina minuciosamente mais uma vez. Sem que ele perceba, os ponteiros do relógio avançam rapidamente. Sua aparência muda da água pro vinho, seus olhos antes opacos e sonhadores agora estão vívidos e alerta, movendo-se rapidamente enquanto observa todos os posts dos jornais a respeito do caso. Leva a mão à valise, retira um livro de capa preta, abre-o em determinada página, seus olhos correm de um lado para o outro passando de uma a outra linha. Todos os detalhes estavam ali. Nada faltava. Sua excitação é tamanha que não consegue nem sentar; então ali mesmo em pé, absorve o máximo possível de detalhes a fim de se reiterar para poder ver novamente através dos olhos de Darach.

- Preciso ver o corpo. Sussurra para si mesmo.

Acometido por este pensamento, rapidamente recolhe todos os papéis. Vai ao guada-roupa, de onde tira sua mala de viajem. Joga algumas peças de roupas incluindo sapatos e sua arma, um revolver calibre quarenta e cinco, bem lustrado, cor prata.

- Meninas, me deem licença, por favor.

- O que foi El ? Disse uma das prostitutas ainda com voz de sono.

- Saiam! Diz de forma áspera.

Alguns instantes mais tarde...

- Seu cabriolé chegou senhor - disse o carregador do hotel.

- Ótimo. Leve meus pertences e peça ao cavalheiro que me dê só mais alguns segundos.

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