TRÉGUA

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                                                                                                                                                                        5

Elliott: Como pude ser tão estúpido? O conducente. Elliott seu idiota - pensa.

A sala estava em perfeita ordem. Não fosse o corpo ao meio, tudo estaria impecável. Cárter nu agachado próximo a lareira. Suas mãos espalmadas, sustentadas por um cipó, amarrado à linda do peito. Em cada um dos polegares um corte na vertical. Os auriculares haviam sido retirados, postos no assoalho, um em cima do outro, próximo aos pés do morto formando um símbolo.

Sem pálpebras, Cárter encarava fixamente Teresa num quadro de centro, posto na parte superior da lareira. O queixo deslocado, repousava sobre seu pescoço. A abertura da boca era de quase 180° graus. Sangue reunido numa poça à esquerda do cômodo, onde a elevação era mais baixa. Ele estava sem os pés.

Oficias de polícia subindo e descendo as escadas, a procura de qualquer pista, ou deslize deixados por Darach. Alguns, da equipe de Leitura de Ambientes, procuravam, junto a porta de entrada, qualquer sinal de pegada, ou rastro de poeira.

Smith, parado em frente a Cárter observava cada detalhe. O quadro pintado pelo artista tremendamente macabro lhe dava calafrios. Conhecera Cárter, que tinha sido tão gentil algumas vezes em não lhe cobrar várias passagens pelsas corridas em seu cabriolé.

Steve, conhecendo bem o amigo, aproximou-se, tocou em seu ombro e disse quase sussurrando: Você não tem culpa disso.

Elliott olha-o com os olhos  cheios d'água. Diante do corpo de Cárter, eles juram por tudo que é mais sagrado capturar Darach.

NO ESCRITÓRIO

Terminada a perícia, Steve e Elliott retornam à delegacia e se dedicam a revisar os arquivos, afim de encontrar algum detalhe que tenha passado desapercebido.

Steve:  Não faz sentido ele ter vindo atrás de Cárter.

Elliott: Aparentemente não.

O escritório de Jones estava terrivelmente desorganizado. Em cima da mesa, vários papéis relacionados ao Darach. Ao lado, quase na quina da mesa, um monte empilhado, papelada burocrática do governo. O bom detetive, andava tendo alguns problemas no casamento. Isso lhe fazia, algumas vezes, passar a noite no escritório, o que explicaria a desordem total.

Uma cadeira preta, bem acolchoada, de escarpam, posicionada atrás da mesa, acomodava Elliott, que folheava seu diário passando várias páginas com os desenhos dos outros assassinatos do Darach. Steve, mexia nos arquivos do móvel de aço, posto a uma distância de um metro e meio da mesa. Absortos em suas atividades, os cavalheiros passaram horas a fio sem dizer uma palavra. Por fim, Smith se surpreende ao perceber que já era quase noite.

Elliott: Steve, que horas nós chegamos aqui?

Steve:  Por volta das quatorze horas, eu imagino.

Elliott: Agora são seis e quatorze. Diz, enquanto consulta seu relógio de bolso.

Steve:  Não percebi o tempo passar. Bem, por hoje chega!

Steve, assim como Elliott, estava frustrado pela falta de sucesso em sua caçada. Por mais que estivessem dando tudo de si, sua busca parecia não ter êxito.

Elliott:  Não temos outra opção a não ser esperar meu amigo. Por falar nisso, estaria interessado em jantar comigo?

Steve quase recusa o convite, mas acaba cedendo por não ter nada o que fazer sobre o caso.

Steve: Vamos então. O que tem em mente?

Elliott: Uma torta acompanhada de burbom, vinho francês e alguns charutos.

Acenando com a cabeça, e com um riso de alivio pela momentânea folga do trabalho, Jones pega seu sobretudo no cabide atrás da porta enquanto Elliott põe de volta em sua valise, os papéis que havia espalhado pela mesa.

Steve: Nada de falar de trabalho por enquanto?

Elliott: Nada de falar de trabalho por enquanto – Afirma.

Os cavalheiros avançam para a porta de saída. A rua estava movimentada, carros iam e vinham. No céu, as andorinhas voavam, galgando pelo horizonte avermelhado, com estrelas espalhadas por toda parte, e um sol quase no ocaso.

Elliott acena, e um cabriolé encosta para atendê-los. - Hotel King Heralds – Anuncia ao cocheiro.

Já nos assentos, de frente um para o outro, os cavalheiros olham pela janela o belíssimo quadro, pintado pela natureza. Um ótimo paliativo, depois de um dia cheio de cenas de crime e corpos mutilados. Não demora muito, e já estão no endereço requerido. Descem, e logo após pagar pela corrida, marcham para as escadas passando pelo corredor da recepção.

MEMÓRIAS

Elliott: Bem meu amigo, nem preciso dizer pra se sentir em casa.

A mais de um ano não tinham um momento juntos, a não ser os que discutiam coisas do trabalho. Sentam-se. Steve no sofá, apoiando os pés na mesa de centro, enquanto Elliott vai ao estoque de bebidas. Traz uma garrafa de vinho francês Vin de la Force, uma safra bem antiga. Ates de se jogar no sofá, acende a lareira, dissipando o frio e tornando o ambiente quente e aconchegante.

Com o dourado das chamas refletidas no rosto, Jones comenta em tom de nostalgia:

- Como no natal de 1848.

Elliott:  Ainda lembra disso? ri.

Steve:  Não tínhamos dinheiro pra passar as férias em casa aquele ano.

Elliott: Eu lembro. Ótimo natal por sinal. De frente pra lareira, com os pés esticados, como agora.

Steve:  A ceia de natal era uma bandeja de asas de frango que você tinha roubado da cantina.

Os amigos riem bastante nesse momento.

Elliott: Bons tempos de faculdade. As garotas gamando em você, enquanto eu não levava sorte. (risos)

Steve: Jennifer Austin gostava de você. O único problema, eram os dentes tortos e cheios de alface. (risada alta)

Elliott:  Nossa, nem me fale. Ela ainda me deu um fora no segundo ano – Diz, abaixando a cabeça com vergonha.

Steve: Bons tempos. Sinto falta daquele alojamento minúsculo com livros espalhados por todos os lados.

Depois de algumas risadas, os rapazes pegam no sono.

As chamas continuam a iluminar toda a sala. A luz do luar entra pela janela refletindo seu brilho no chão do assoalho. Algumas gotas de chuva caem por sob o telhado. Relâmpagos cortam o céu. Ao longe, se podia ouvir o bater do relógio. Exatamente meia noite.

Elliott Smith abre os olhos, vê o amigo ressonando, flexiona os lábios num sorriso e adormece novamente.  

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