Capítulo 13 - A Batalha Decisiva (Parte 2)

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Quem som foi esse?
Os olhos de Eugeo se arregalaram com o rugido surgindo ao seu lado.
Todos os movimentos secretos produziam algum tipo de barulho e uma determinada luz, porém, o
ruído de agora era diferente de qualquer outro que já vira e ouvira até hoje. Era profundo,
contundente e agudo, como se a própria arma estivesse gritando de ira.
A fonte dessa comoção era justamente a espada negra na mão direita de Kirito. Sua lâmina, com o
resplendor negro cristalino, estava com o fio tremeluzindo violentamente enquanto produzia
aquele som ensurdecedor.
E não apena o som aumentava, como também seu brilho vermelho envolvendo toda sua extensão.
“Com certeza é um movimento secreto, entretanto, é um que nunca tinha visto.”
Eugeo pensou isso enquanto se surpreendia mais com o que acontecia na sequência.
A luz da espada se espalhou também para o corpo de seu companheiro, envolvendo-o
completamente e o transformando em algo... inusitadamente diferente.
Kirito estava usando camisa e calças que havia pego no depósito de armas da torre, como era sua
predileção normal de cor desde que o conheço, ambas na cor preta. Porém, conforme a onda de
luz se movia pelo corpo, um sobretudo de couro também negro, com gola alta e mangas longas
surgiu instantaneamente, cobrindo-o totalmente até a altura de suas calças, que agora além de
negras, também havia se convertido em grosso couro tão escuro como a noite.
O processo todo durou menos de um piscar de olhos, porém, o fenômeno não parou aí. Sensíveis
alterações também ocorreram no próprio corpo de Kirito, mesmo que fosse em menor escala do
que suas roupas.
Primeiro, seu cabelo cresceu ligeiramente, ocultando parte de seu rosto.
Depois, os olhos negros, afiados como lâminas, desprenderam uma luz que jamais vi. Algo mais
intenso do que aquela vez em que lutou contra o grupo de goblins na caverna do norte, também
quanto arrancou os braços de Raios Antinous ou ainda, quando cruzou espadas com Deusobert,
Fanatio e todo o resto.
A primeira coisa que me veio à mente foi que Kirito parecia ter se tornado um só com sua espada,
se convertendo uma enorme lâmina.
Acompanhando o ruído de sua amiga negra, gritou selvagemente.
“Uooooooooooohhh...!!!”
O estrondo metálico e a luz rubra da espada aumentaram instantaneamente de intensidade no
momento em que o braço direito de Kirito disparou rapidamente como um borrão para frente e...
simplesmente desapareceu.
Seu sobretudo parecia asas de um demônio.
Com toda certeza era um movimento secreto do Estilo Aincrad, sim... definitivamente.
Uma absurdamente poderosa técnica de perfuração, uma habilidade de apenas um golpe,
diferente de todas que Kirito havia lhe ensinado, um pouco semelhante ao Estilo de Norlangarth,
se fosse procurar algo parecido. Entretanto, estava totalmente despojado de postura e beleza de tal estilo. Aquilo era sem dúvida uma técnica assassina, uma estocada para perfurar e matar
instantaneamente o inimigo.
“...!”
Segurando sua respiração, Eugeo de alguma forma, conseguiu seguir o rastro do brilho vermelho
com seus olhos
O objetivo de Kirito era, obviamente, Chudelkin, quem controlava o gigantesco palhaço
pirotécnico. Porém, estava há quinze metros de distância dele. Nenhum movimento secreto que
sabia podia alcançar um range daqueles, ainda mais em se tratando de uma espada.
O pequeno palhaço não estava olhando a movimentação de Kirito no momento em que ele
disparava seu golpe. Seus olhos estavam apontados para o fundo da sala, para onde a flecha de
gelo lançada por Eugeo havia passado instantes antes.
Havia colocado todo seu conhecimento e força de vontade nessa arte, infelizmente, não havia
acarretado dano algum na Administrator, como já imaginava.
Seu tiro foi desintegrado muito antes de chegar a encostar no alvo. Porém, Chudelkin acabou
virando-se instintivamente para avisar sua amada mestra com aquela voz irritantemente
estridente, no lugar de ignorar ou pensar que um ataque simples como aquele, não faria mal
algum à governante máxima da Igreja Axiom, tal como Eugeo previra. Seu ataque foi única e
exclusivamente para esse fim, cumprir a promessa silenciosa que havia feito com Kirito de
conseguir um instante de distração.
Depois de ver que a flecha foi impedida sem nenhuma dificuldade, Chudelkin girou novamente sua
cara redonda para frente, ainda sustentando seu obeso e mal inflado corpo.
Seus estreitos olhos quase saltaram das pequenas órbitas, como se não acreditasse no que estava
vendo. Sentimentos atrapalhados encheram sua face.
O primeiro deles foi a comoção, devido ao flash rubro e o enorme estampido que explodia da
espada de Kirito e que já se aproximava incrivelmente rápido de si.
O seguinte foi alívio, por ver que era uma simples técnica de perfuração feita por uma espada,
desse modo, não podendo alcançá-lo.
E o último... medo.
Pois a espada, que parecia um sabre de luz vermelho brilhante, continuava sua trajetória sem dar
nenhum sinal de parar, aumentando em brilho, intensidade e diminuindo vertiginosamente a
distância.
Vendo isso, esqueceu-se até de respirar, o mesmo acontecendo com Eugeo. Que viram a luz
passando como um raio pela esquerda de Alice, que estava se defendendo do grande palhaço de
fogo, seguida de um borrão negro, provando que a distância de quinze metros não era de fato, um
empecilho para aquela técnica.
Enfim, o golpe atingiu em cheio o seu alvo. Perfurando facilmente o torso de Chudelkin como se
fosse um balão semi-inflado.
A brilhante luz vermelha atravessou pelo menos por mais dois mels antes de explodir em
incontáveis fagulhas, desintegrando-se no ar.
Um abundante fluxo de sangue verdadeiro veio imediatamente. A fonte era a enorme ferida no
meio do peito de Chudelkin, suficientemente grande para praticamente parti-lo em dois.
“O..hoooooohhh...hh...!!”
A desafinada voz, desprovida de força, continuou durante um tempo.
O corpo que estava sobre sua cabeça, perdeu o equilíbrio e caiu sobre a piscina de sangue fresco
que ele mesmo havia criado.
Enquanto mais e mais líquido vermelho saia, parecendo uma quantidade incompatível com sua
constituição, Chudelkin tentava levantar seu braço direito de maneira trêmula, estendendo-o até a
Administrator, que estava flutuando graciosamente no ar, em seu sofá invisível.
“....Aah... mi... mi... Emi... nên... ciaa...!!”
A expressão do homem, conforme se esforçava para que sua voz saísse, estava fora de vista de
Eugeo. Então, seu braço caiu sobre o tapete com um som úmido e o Chefe Elder Chudelkin não
mais se moveu.
Com isso, o incandescente palhaço que estava pisoteando o tornado dourado criado por Alice,
começou a se desfazer no ar, até sobrar apenas fumaça que pareceu surgir no local de sua grande
barriga em forma de um sorriso, ficando no ar por alguns instantes até também sumir sem deixar
rastros.
As pequenas pétalas douradas manipuladas por Alice também diminuíram de rotação e ficaram ali
flutuando como se tivessem perdido seu propósito de existência após a aniquilação do inimigo.
As orelhas de Eugeo pareciam adormecidas devido ao repentino silêncio instaurado no local
enquanto virava lentamente a cabeça para a direita.
Kirito havia cessado todos seus movimentos e mantinha seu corpo em um ângulo extremamente
baixo, com seu braço direito estendido ao máximo.
A luz sobre a superfície da espada sumiu rapidamente assim como o grande sobretudo, que piscou
antes de também desaparecer. Eugeo manteve seus olhos atentos ao que acontecia com seu
companheiro, com o contorno de seu corpo se tornando borrado, se modificando até retornar ao
que era antes.
Mesmo após se transformar em sua habitual aparência, com as rasgadas e gastas camisa e calças
pretas, Kirito ainda se manteve na mesma posição.
Após mais alguns instantes, eventualmente seu braço baixou até a ponta de sua espada tocar
gentilmente o tapete.
Eugeo ficou receoso de chamar seu amigo, que ainda mantinha sua cabeça baixa.
Kirito, que havia ajudado a segunda em comando, Fanatio, provavelmente não estava feliz em
privar o Chefe Elder Chudelkin de sua Vida, mesmo que ele fosse um inimigo.
Seu semblante, agora novamente exposto, sem os cabelos compridos para cobrir, não mostrava
absolutamente nenhum traço daquele frio autocontrole que mostrou durante o ataque... sim, ele
estava sofrendo.
Quem quebrou o silêncio foi Alice, quando chamou seu enxame dourado para retornar a sua
forma original de lâmina, fazendo um grande som metálico.
Sentindo a tensão no ar vindo da mulher cavaleiro ao seu lado, Eugeo olhou mais adiante, para o
fundo da sala mais uma vez.
Flutuando, a Administrator apontou seu fino braço esquerdo até o corpo prostrado no chão de
Chudelkin.
O pequeno palhaço estava obviamente em seus instantes finais, mas será que ela estaria tentando
aplicar alguma arte curativa? Será que a Alto Ministro traria seu subordinado de volta à vida?
Aconteceu enquanto Eugeo suspirava.
Sem mostrar qualquer sinal de emoção, a voz da Administrator fluiu lentamente.
“Podia pelo menos não sangrar tanto no meu tapete. É tão nojento.”
Com um simples movimento de sua mão esquerda, fez voar o corpo de Chudelkin como se ele
fosse um boneco de pano e o jogou na outra extremidade da sala, em direção a última janela,
fazendo um grande barulho quando o corpo se chocou contra o inquebrável vitral e depois
desabou no chão, mergulhando em total escuridão.
“...Mas o que...!?”
Alice murmurou ao ver a ação da Alto Ministro.
A personalidade da garota podia ter sido modificada ao se transformar em uma implacável
Integrity Knight, mas ainda restava o seu lado que não se continha ao ver uma cena como essa.
Embora não tivesse nenhum apreço por Chudelkin, ele havia perdido uma batalha justa enquanto
lutava com todas as suas forças em prol de sua mestra, merecia no mínimo um enterro decente.
Porém, a Administrator nem sequer lhe dedicou outra olhada no corpo abandonado do seu súdito,
possivelmente, mais fiel, muito pelo contrário, parecia que havia desprezado completamente toda
a existência de Chudelkin, retirado completamente de sua memória enquanto mostrava um
sorriso misterioso pouco antes de dizer:
“Bem, posso considerar que esse foi um show bem chato, mas pelo menos consegui recolher
várias informations úteis.”
A Alto Ministro começou seu monólogo estranho mais uma vez, misturando a língua normal com a
língua sagrada que soava de forma sedutora com sua maravilhosa voz. Ainda sentada no ar,
deslizou cinco mels até chegar no meio da sala redonda.
Acariciando uma mecha de seu cabelo prateado, apertou suavemente seus olhos, os quais
começaram a refletir uma luz vacilante. Depois olhou para Eugeo e de maneira quase sádica,
perfurou sua olhada até Kirito, no outro lado, que ainda mantinha sua cabeça abaixada.
“Garoto irregular. Não posso access your properties em todos os detalhes, mas sempre achei que
era por você ser uma unit não registrada, nascida de um casamento irregular através de algum
bug, porém... isso mostrou-se ser incorreto. Você é ‘daquele lugar’, não é? Um humano do ‘outro
lado’... correto?”
Eugeo que apenas podia compreender alguma daquelas palavras, sussurrou:
“...’Daquele lugar’?...’Outro lado’?...!”
Kirito, seu amigo de cabelos negros, que havia aparecido na floresta perto de Rulid dois anos e
meio atrás, sem suas memórias como um ‘garoto perdido de Vector’...
Os anciões da vila haviam dito para Eugeo que esse fenômeno, de humanos aparecendo de vez em
quando nessas situações, eram atos cometidos por Vector, o deus da escuridão, que com seu
braço longo, pregava peças além da cadeia de montanhas. Fazendo com que as pessoas
perdessem suas memórias por pura diversão.
Pelo menos era isso que Eugeo acreditava ser a pura verdade...
Haviam ocasiões, quando as pessoas enfrentavam situações muito dolorosas e tristes, que por
pura força de vontade, acabavam selando suas memórias por elas mesmo. E também, muitas
vezes, por não aguentarem determinada carga de sofrimento, não só retiravam suas memórias,
como também a própria vida.
Quem havia lhe contado isso tinha sido o velho Garitta, o lenhador da geração anterior. Que
tempos atrás perdera sua esposa em um acidente que o deixou tão desesperado, afogado em
lamentações, que acabou esquecendo de boa parte de sua memória em relação a ela. Sempre que
falava isso, ele ria, dizendo que o que fez tinha sido tanto um ato de bondade como um castigo,
talvez perpetrado pela própria deusa da vida, Stacia, como forma de punição por acessar o terreno
dos deuses sem permissão.
Devido a isso, Eugeo supôs que Kirito estava em uma situação similar. Na verdade, ele ainda acha
que esse seja o caso. Talvez ele tenha passado ou visto algo extremamente angustiante e doloroso
em sua terra natal, que ele imaginava ficar na região sul a julgar por seus cabelos e olhos negros e
de alguma forma chegou até a floresta de Rulid depois de vagar sem rumo e sem memórias.
Essa era uma das razões pela qual nunca tinha perguntado nada sobre o passado de seu amigo,
nem mesmo na longa viagem que fizeram até a capital ou o tempo que passaram na academia. É
claro, não podia negar que tinha medo que voltasse para sua terra natal depois de lembrar-se
quem era e dessa forma o deixasse sozinho.
Entretanto, a Alto Ministro, quem possuía a capacidade de observar todo o Mundo Humano, havia
se referido como o lugar de nascimento de Kirito usando palavras muito estranhas.
Talvez ela se referisse como o outro lado sendo... além das montanhas? O Dark Territory e todos
os seres da escuridão que lá vivem? Mas será que a única prova que ela tinha do nascimento de
Kirito estava baseada no Estilo Aincrad? Será que essas técnicas nasceram lá?
Não, não creio ser isso.
A Administrator com toda a certeza devia possuir muitas informações acerca do Dark Territory. Ela
não usaria essas palavras enigmáticas se fosse algo assim.
Os Integrity Knight sob seu comando atravessavam as montanhas livremente e estavam em
constante embate contra os Dark Knight. Ela sabe exatamente tudo que ocorre por lá, seus
governantes, a vastidão do território e como estavam divididos, cidades e todas as criaturas que lá
vivem.
Com certeza não precisaria se expressar de maneira tão vaga se soubesse que Kirito tinha
realmente vindo do Dark Territory. Tem que ser outra coisa.
Pensando assim...
Ela se referia a algo que existe fora daqui, fora do Mundo Humano, um lugar onde mesmo seus
olhos não podiam chegar...
Existe algo assim...? Um lugar além até de que a terra da escuridão... um outro mundo exterior?
Esse tipo de conjecturas estavam muito abstratas para Eugeo e ele não podia sequer encontrar
palavras corretas para expressar seus próprios pensamentos. Entretanto, sua intuição lhe dizia que
estava a ponto de descobrir algo tremendamente importante, algo que poderia considerar como
sendo o segredo por trás de tudo desse mundo.
Atormentado por esse desejo de saber mais e mais, Eugeo olhou para o céu noturno que se
estendia para além das janelas gigantescas. O mar de estrelas se derramava por entre as nuvens
negras.
“Além desse céu... Kirito nasceu lá? Que tipo de lugar deve ser? Será que Kirito recuperou suas
memórias de sua terra natal?”
Quem rompeu o silêncio dessa vez foi seu próprio amigo de cabelos negros, que ao se levantar
lentamente, falou:
“Isso mesmo.”
Kirito respondeu afirmativamente a pergunta da Alto Ministro em uma curta e contundente frase.
Praticamente afogado em suas emoções, Eugeo olhou para o rosto de seu companheiro. Kirito
enfim tinha recuperado suas memórias.
Não... possivelmente ele já tinha recordado antes...
Será...!?
Os olhos de Kirito deram uma rápida encarada em Eugeo. A mais forte entre as variadas emoções
visíveis naqueles profundos olhos escuros, pareceu para Eugeo a súplica por confiança.
Após esse curto olhar, ele se voltou novamente para a Administrator que estava parada de pé
diante dele. Com sua expressão carregada, Kirito deu de ombros com um sorriso um tanto amargo
e continuou enquanto cravava sua espada no chão.
“Dito isso, o nível de autoridade concedido para mim equivale aos das pessoas normais desse
mundo, muito difícil de rivalizar com o seu status atual, Administrator... ou melhor dizendo,
Quinella.”
No momento em que falou esse nome, o lindo sorriso que estava mostrando desde o início,
simplesmente sumiu do rosto da Alto Ministro.
Entretanto, isso durou apenas uma fração de segundos, pois logo sorriu mais amplamente do que
antes. Fazendo seus brilhantes lábios se sobressaírem lindamente.
“Mas não é que essa minha irmã, aquela ratinha de biblioteca, tem dito coisas bem interessantes
ao meu respeito...? Fico intrigada por saber que tipo de histórias ela contou...
Mas acima de tudo, gostaria de saber por que veio cair em meu mundo, garoto? Ainda mais sem
nenhuma autoridade de supervisor.”
“Não seria inteligente menosprezar a minha falta de autoridade. Tenho conhecimentos bem
interessantes, mesmo não sem perfil de supervisor.”
“Oh! É mesmo? O que por exemplo? Por favor, não me venha com esses insignificantes relatos do
passado.”
“Então, o que diria se eu falar de relatos... sobre o futuro?”
Kirito encarou a Alto Ministro com suas duas mãos postas sobre a empunhadura de sua espada
cravada no chão. A expressão dura, tensionando suas sobrancelhas, enquanto a luz noturna
filtrada pelas janelas refletiam-se em seus olhos negros.
“Quinella, você destruirá seu próprio mundo em um futuro não muito distante.”
O sorriso nos lábios da Administrator se intensificou ainda mais ao ouvir aquelas palavras.
“Eu destruirei? Por acaso não é você que vem trazendo dor e sofrimento aos meus adoráveis
bonecos, garotinho? Até onde sei, você é a causa de qualquer coisa ruim.”
“De fato. Entretanto, o erro já estava estabelecido quando você formou a ordem dos Integrity
Knight e os colocou a cargo de toda intrusão das criaturas do Dark Territory...
Visto que somente duas pessoas lhe deixaram em péssima situação. Isso por si só já é a causa de
todo o mal.”
“Fufu.... Ufufufu!”
Provavelmente tendo seus erros jogados em sua cara pela primeira vez desde que se tornou a
governante, a Administrator tocou os lábios com seu dedo indicador enquanto seus ombros
sacudiam acompanhando sua gargalhada.
“Fufufu.
Isso certamente soa como algo que minha irmãzinha diria. Parece que essa menina andou
aprendendo uns truques novos, conseguindo inclusive levar para seu lado um rapaz tão singular
como você.
Porém, devo dizer que vocês dois são patéticos... fizeram tanto esforço e seu companheiro ali se
deixou ser capturado tão facilmente.”
A gargalhada da Administrator continuou por mais um tempo.
A boca de Kirito se abriu para seguir falando, porém, foi interrompido por uma austera voz aguda.
“Se eu puder intervir, Estimada Alto Ministro.”
Quem deu um passo à frente, fazendo ruído com sua pesada armadura, foi a Integrity Knight Alice,
quem havia permanecido em silêncio até agora. Seu longo cabelo dourado refletia lindamente a
luz da lua, como se estivesse se opondo ao brilho prateado dos cabelos da Administrator.
“No tocante sobre a total incapacidade atual da Ordem dos Integrity Knight para repelir
completamente a invasão combinada das forças da escuridão, é algo já esperado e alertado pelo
Knight Commander Bercouli e a Deputy Commander Fanatio e creio ser de seu conhecimento, sua
Excelência... e eu... também estou de acordo com essa previsão.
Naturalmente, assim como nós, os outros cavaleiros da ordem também estão preparados para
lutar até as últimas forças, entretanto, Estimada Alto Ministro, gostaria de saber se você tem os
meios para proteger todas as pessoas inocentes depois de nossa derrota? Pois não acredito que você mesma possa ser capaz de exterminar os exaustivos e sucessivos ataques vindo daquela terra
sozinha!”
A convincente e maravilhosa voz da Integrity Knight Alice reverberou por todo o salão como uma
refrescante brisa, movimentando levemente os cabelos da Administrator.
Com seu sorriso desvanecendo, a Alto Ministro olhou fixamente para a mulher cavaleiro com uma
expressão levemente surpresa.
Nesse meio tempo, as palavras de Alice chocaram Eugeo de uma maneira diferente.
Integrity Knight Alice Synthesis Thirty. Uma personalidade provisória residindo no corpo de sua
preciosa amiga de infância, Alice Schuberg.
A garota implacável que seguia cega e friamente as leis, como no instante em que a viu na
academia, quando acertou um doloroso golpe no seu rosto dias atrás. A pessoa que não
demonstrava nenhuma emoção que um dia teve: gentileza, inocência e além de tudo, afeto.
Entretanto, as palavras agora ditas por ela, pareciam exatamente as que sua personalidade
original diria se tivesse permanecido intacta sem lavagem cerebral e se convertesse em um
Integrity Knight da maneira correta.
Não mostrando nenhum sinal de notar o olhar de Eugeo, a Integrity Knight cravou a Fragrant Olive
Sword violentamente no solo, causando um grande e estridente som metálico, e seguiu falando.
“Estimada Alto Ministro, soube que sua obsessão pelo poder é a causa da criação da Ordem dos
Integrity Knight e que exatamente isso, será a causadora da ruína de nosso mundo. Em sua grande
obsessão, roubou todas as armas e poderes que inicialmente deveriam ser de todos os habitantes
do Mundo Humano, os enfraquecendo e tornando-os incapazes de se defenderem.
Visando somente seu lado, roubou e enganou a todos. E quando digo enganou, me refiro ao
terrível método usado para nos criar, os Integrity Knight, nos separando de nossos pais... esposas
e maridos, irmãos, selando e implantando recordações e nos fazendo crer que éramos criaturas de
um mundo imaginário chamado de Mundo Celestial...!”
Alice pareceu por alguns instantes ter deixado sua cabeça cair em desalento, porém, na verdade
foi ao contrário, pois instantes depois de dizer isso, levantou o rosto de falou com a voz ainda mais
resoluta.
“Não a culparia de forma alguma se essa fosse a única forma de proteção desse mundo e seus
habitantes. Entretanto, porque nos usou dessa forma? Porque duvidou de nossa lealdade e
respeito pela entidade da Igreja Axiom e para com você, Estimada Alto Ministro? Porque nos
obrigou a passar por essa corrupta e maléfica cerimônia, danificando nossas almas para nos forçar
a nos entregarmos de corpo e alma para você se quando na verdade, faríamos isso sem qualquer
método nocivo? Deveríamos ser a unidade de proteção do mundo e faríamos isso de todo o
coração.”
Eugeo olhava pequenas gotas que rolavam fluídas pelo rosto de Alice, como se vertessem de seu
próprio coração.
Lágrimas.
A Integrity Knight que havia praticamente perdido todas as emoções, estava chorando.
Eugeo suspirou fundo pela incrível cena em sua frente, a mulher cavaleiro valentemente olhando a
governante diretamente nos olhos de peito e coração aberto.
Recebendo essas palavras mais afiadas do que o fio de uma espada, a Administrator mostrou um
leve sorriso frio como se não tivesse sentido nada, os olhando de cima como se fossem mais
desprezíveis do que lixo.
“Certo, certo, Alice. Parece que tem acolhido umas ideias bem diferentes em sua mente. São
quantos?... Cinco?... Seis anos? Acho que foi isso que se passou... desde que você foi criada.”
A voz carecia de solenidade, como uma máquina, sem nenhuma emoção. Entretanto, soava polida,
como prata pura. Nem o menor calor era sentido em suas palavras.
“Você disse que não tenho confiança em vocês, integrator units? Isso é um pouco desconcertante.
Eu coloquei sim muita confiança em todos... meus adoráveis soldadinhos de brinquedo. Regulando
para funcionarem perfeitamente como relógios.
Vejamos se você entende dessa forma...
Você costuma polir sua amada espada todos os dias, correto? O faz meticulosamente para que ela
sempre funcione como você espera que funcione, não é mesmo? Devota tempo e dedicação.
Entendeu? É a mesma coisa, cuido de todos vocês. O ‘presente’ que lhes dou é justamente esse
Piety Module, ele serve como a prova incondicional de meu amor. Por causa dele, vocês, meu
bonequinhos, permanecem lindos e maravilhosos por toda a eternidade.
Eu os livro de todas essas preocupações mundanas, triviais e dos sofrimentos aos quais as massas
são propensas.”
A Administrator levantou sua mão esquerda e fez girar o prisma triangular com a ponta de seus
dedos. Era o Piety Module melhorado extraído da testa de Eugeo.
Baixando o olhar para Alice, a vendo através do prisma, gentilmente sussurrou:
“Você é patética, Alice! Seu lindo rosto está horrível. Está se sentindo triste? Irritada?... Se tivesse
permanecido como meu obediente brinquedinho, não teria que passar por tudo isso.”
As lágrimas rolando pelo suave rosto de Alice, caiam e escorriam pela a armadura dourada,
fazendo um pequeno som agudo, quase um tilintar.
A Fragrant Olive Sword cravada no chão, aos pés de Alice, que tinha atravessado o tapete, agora
também trespassava o piso de mármore.
Enquanto colocava força na empunhadura, danificando o incrivelmente resistente material com
que fora construído a catedral, Alice falou em um tom poderoso.
“...Sua excelência, o Knight Commander Bercouli, nunca se preocupou ou reclamou por ter
passado incontáveis dias nesses últimos trezentos anos em que viveu como um Integrity Knight,
sabia disso, Estimada Alto Ministro? Ele provavelmente sabia de tudo e mesmo assim permaneceu
leal.
Está afirmando que não é consciente da dor dele? Duvida de sua lealdade incondicional?”
O som da espada cravando-se mais profundamente no chão foi ouvido novamente.
“Sua excelência, Bercouli, sempre colocou sua missão, sua lealdade sobre tudo, protegendo as
pessoas desse mundo e honrando a Igreja Axiom! Deve saber também que ele fora incontáveis
vezes até as câmara dos anciões pedindo que as forças imperiais fossem reforçada nos quatro
impérios, para que houvesse melhor preparo para o povo! Sua Excelência... esse homem era
consciente do selo gravado em nossos olhos direitos. Ele sempre soube de tudo e permaneceu
leal, em outras palavras, ele foi o que mais sofreu e você sabe disso! E mesmo assim insiste em
dizer essas coisas?”
As perguntas regadas com lágrimas eram feitas com muita dor...
Entretanto, a Administrator respondeu novamente com um sorriso frio.
“Que infortúnio. Pensar que meu amor pode ser confundido com algo tão superficial. Sim, eu sabia
de tudo isso aí que me falou, naturalmente.”
Um quê de crueldade se somou ao seu adorável sorriso.
“Escute bem o que direi, minha pobre Alice. Não é a primeira vez de o número um... Bercouli, vem
se importando com coisas inúteis como essa. Na verdade, esse garotinho disse essas mesmas
coisas uns cem anos atrás. Para resolver, eu o consertei.”
Uma risadinha saiu daqueles perigosos lábios.
“Já olhei as recordações de Bercouli e apaguei tooooooodas as preocupações que o estavam
incomodando tanto. E não somente ele... fiz o mesmo com todos esses cavaleiros que já passaram
dos cem anos. Permiti que eles esquecessem dessas dolorosas lembranças.
Não se preocupe, Alice. Não me irritarei dessa insignificante travessura sua. Me assegurarei de
apagar tudo isso que lhe aflige e que está causando danos nesse rostinho tão adorável. Vou te
deixar como nova, uma bonequinha linda que não tem a necessidade de pensar.... Venha até aqui!
Fufufu.”
A risada da Administrator ressoou por todo o salão, fria e pesada.
Aquilo não era humano.
O calafrio tomou novamente o corpo de Eugeo.
A habilidade de apagar e sobrescrever as memórias de um ser humano como bem desejar. Ele
sabia o quão terrível isso era, pois havia sentido na própria pele. A Administrator tinha selado suas
recordações e o convertido em um Integrity Knight que acabou voltando sua espada para Kirito e
Alice após recitar aquela incrível arte de apenas três palavras.
Se a Alto Ministro tivesse feito o Synthesis Ritual com o procedimento adequado, ele
provavelmente jamais teria sido capaz de recuperar sua consciência. Só conseguiu tal feito pois
tinha usado um espaço vazio entre suas memórias. Ainda que não tenha certeza do porquê havia
algo assim alá, na melhor das hipóteses, isso foi sua salvação.
Entretanto, ainda não havia se redimido de todos seus pecados. Pois não pode fazer nada mais do
que distrair Chudelkin com uma arte de ataque durante essa batalha. Ele não podia se perdoar
simplesmente com um ato desses. Sentia que era indigno de estar lado a lado com Kirito nesse
combate...
Apertou a empunhadura da Blue Rose Sword em sua mão direita tão logo sentiu o olhar de Kirito
sobre si. Porém, antes de perguntar o que significava aquilo, a voz de Alice surgiu entre os dois.
“Certamente, sinto um tormento e uma angústia suficientemente forte para despedaçar meu
coração nesse momento. Tão abrasador que mal consigo manter-me em pé.”
Sua voz tremeu por alguns instantes e depois recobrou a potência.
“Entretanto, não desejo que essa dor... essa emoção que sinto agora pela primeira vez nessa
minha nova versão, seja apagada. Depois de tudo, essa dor me mostrou que não sou meramente
uma marionete, um brinquedo como você diz. Sou um ser humano de corpo, coração e alma.
Estimada Alto Ministro, não desejo seu amor, não tenho necessidade de seus cuidados.”
“Um boneco que deseja deixar de ser um boneco...?”
A Administrator seguiu falando após as palavras de Alice.
“Não entenda isso como sinal de ser humana, minha garotinha patética. Você não passa de um
brinquedo com defeito que precisa de reparos. É meu dever como mestra te livrar desses
pensamentos irrelevantes. E sempre que eu a sintetizar, apagarei todas suas emoções, porém,
com o tempo, você pode acabar ficando vazia... seria um desperdício jogar uma bonequinha tão
lindinha fora. ”
Enquanto dizia essas terríveis palavras, a Administrator sorria gentilmente.
“Exatamente como fez com você mesma... não é, Quinella?”
Kirito, que esteve quieto até o momento, disparou, chamando a Administrator por seu antigo
nome.
Como antes, o sorriso da mulher atenuou-se.
“Então, garoto, não disse antes para não ficar desenterrando essas velhas histórias?”
“Por acaso estou dizendo alguma mentira? Creio que mesmo você não pode modificar o passado.
Nunca poderá mudar o fato de que também nasceu como uma criança nesse mundo, uma simples
existência humana... não é?”
Eugeo compreendeu o que Kirito estava fazendo ao citar as antigas histórias que ouviu de Cardinal
em relação ao verdadeiro nome da Administrator. Provavelmente, estava testando e analisando o
inimigo, coletando o máximo de informação possível.
“Humana... humana, você disse?”
O largo sorriso retornou aos lábios da Administrator enquanto falava baixinho em um tom cheio
de ceticismo.
“Algo assim sendo dito por você, um garoto do ‘outro lado’, soa bastante estranho, não acha?
Parece que está me dizendo que é superior. Que todos que vivem em Underworld são meramente
existências sem importância... é isso mesmo?”
“Não, na verdade não estava me referindo a isso.”
Kirito deu de ombros enquanto respondia imediatamente.
“Pois se for mesmo comparar, na verdade, são os humanos desse mundo que são muito
superiores em diversos aspectos aos do outro lado. E ambos são humanos iguais em sua síntese,
possuindo o mesmo tipo de alma e você não é exceção, Quinella. Não importa quantas centenas
de anos se passem, um humano nunca poderá se transformar em um deus e creio que você já se
deu conta disso, não é?”
“E se levar isso em consideração, o que você acha que eu deva fazer? Conformar-me e lhe
convidar para sentar para tomarmos um chá, como companheiros humanos?”
“Eu quis dizer que... você precisa se reconhecer como um ser humano, não uma existência
perfeita, essa é a realidade. Para começo de conversa, humanos cometem erros e os seus estão
tão grandes que não tem mais conserto. Com a ordem dos Integrity Knight parcialmente
destruída, o Mundo Humano será devastado com a invasão conjunta do Dark Territory que irá se
iniciar a qualquer momento.”
Kirito então deu uma olhada para Eugeo e continuou.
“Faz dois anos, Eugeo e eu lutamos com um grupo de goblins que se infiltraram para o lado
humano através de uma caverna nos limites das montanhas ao norte. O Integrity Knight daquela
região não foi capaz de detectá-los e provavelmente você tinha a ordem dos cavaleiros toda
completa. E tais incidentes, com toda a certeza, aumentaram muito a frequência desde então.
Eventualmente, essas incursões se tornarão em uma invasão de fato, acabando com este mundo
ao qual você, mesmo que da maneira errada, tentou preservar com todas suas forças... Seu
paraíso será exposto a uma violência sem precedentes, coisa que sei que não está em seus
planos.”
“Belas palavras vinda da pessoa que destruiu os Integrity Knight, poderia jurar que esse era o SEU
plano, fufufu!
Se você deseja sobreviver, garoto, é só deslogar... creio que é isso que esteja pensando.”
Kirito respondeu o mais ríspido que pode dando um passo a frente enquanto ignorava o último
comentário da Administrator.
“Para unir as massas do Dark Territory, organizando-as para se infiltrarem no Mundo Humano
depois de tantos anos dispersos, com certeza deve haver um novo comando por lá... com poder de
os prenderem com regras semelhantes como as leis aqui no Mundo Humano... uma Igreja da
Escuridão talvez? Mas acima disso, além de sua própria capacidade, há pessoas que tem
verdadeira autoridade absoluta sobre esse mundo e elas estão do ‘outro lado’.
E se pensarem que... seus experimentos fracassaram, sem nenhum remorso reiniciarão tudo. Com
somente um apertar de botão, esse mundo, essa realidade, com montanhas, rios, cidades... todos
os humanos e as criaturas das terras escuras..., tudo será eliminado em um instante.”
As palavras de Kirito já haviam excedido o entendimento de Eugeo.
O mesmo provavelmente acontecia com Alice, que olhava o espadachim negro com uma
expressão cheia de dúvidas.
Porém, parecia que somente a Alto Ministro havia realmente entendido o que o garoto havia dito.
O sorriso havia se desfeito de seus lábios e uma luz fria se fez notar naqueles olhos prateados.
Admito que isso seja algo realmente desagradável. Ainda mais quando alguém me diz isso tão
claramente... que esse mundo é apenas um jardim miniatura que pode ser manipulado por algum
ser desconhecido.”
Cruzou seus longos dedos das mãos, bloqueando parcialmente a visão de seu maravilhoso rosto. E
a voz pronunciada vinda daqueles lábios ocultos havia perdido praticamente toda sua graça
quando prosseguiu.
“Entretanto, diga-me! O que fariam vocês... do ‘outro lado’? Se estivessem consciente da
possibilidade de que seu próprio mundo fosse algo criado por um ser superior? Fariam algo para
agradar esse ser para que ele não acabasse com sua existência e de seus semelhantes?”
Essa era uma pergunta que ia além de todas as expectativas de Kirito.
Olhando um momento para baixo, o espadachim mordia seus lábios em silêncio, enquanto a
Administrator o observava de cima se levantando lentamente de sua poltrona invisível e
colocando suas mãos na cintura.
Esticou suas longas pernas, exibindo-as como se estivesse em um desfile de grife, caminhando em
sua passarela invisível. Seu corpo nu que se banhava com a luz da lua, emanava uma aura de puro
poder, de magnitude divina.
“Provavelmente vocês não fariam nada para salvarem outros que não as próprias peles, pois são
guiados por seus caprichos e ambições, tanto que criam mundos e vidas e as descartam assim que
perdem o interesse. E você, garoto desse outro mundo, tem realmente nenhum direito de vir aqui
e desafiar minha autoridade? Não tem negócio aqui para você, afinal, isso aqui não é um ‘mundo
insignificante’? Sua presença não é bem-vinda.”
A Alto Ministro elevou seus olhos para o teto... não, provavelmente para um lugar muito além do
céu noturno e declarou em alto e bom som.
“Eu realmente não acredito. Não creio que rezar e rogar para esses seres, esses players, que foram
falsamente tidos como deuses para preservarem toda a existência adiantará de alguma coisa.
Você e eles são todos desprezíveis, indignos de minha atenção. Não preciso de ajuda de ninguém e
nem conselhos.
Deveria esperar mesmo algo assim, já que você andou dando ouvidos para minha irmãzinha.
Garoto, escute bem! Minha única razão de existir é para governar. Apenas esse desejo que me
move e me mantém viva. Essas duas pernas são feitas para caminhar adiante e não me ajoelhar,
definitivamente! Conseguirei prevalecer sobre tudo e todos com minhas próprias forças, vivo para
dominar e o resto para me servir!”
O ar se agitou como um tornado com esse rugido da Administrator e o seu cabelo prateado se
elevou como uma explosão brilhante ao terminar sua frase.
Intimidado pela intensa presença, Eugeo inconscientemente retrocedeu seu pé direito. A
Administrator, mesmo tendo feito coisas terríveis como manipular as memórias de Alice, dele e
dos outros, a mesma que permitia a perversidade dos nobres com tantas leis injustas, ainda assim,
tinha que admitir que ela era a governante mais poderosa do mundo, o ser absoluto, uma deusa.
Com tanta autoridade que mesmo famílias nobres de altíssima classe poderiam levar gerações
sem ao menos ter um segundo de audiência com ela.
Seu companheiro de cabelos negros, que o guiou por todo esse caminho, também parecia estar
impressionado com seu poder, já que a parte superior de seu corpo estava um pouco trêmula.
Entretanto, ao invés de dar um passo atrás como ele fez, deu outro passo a frente, cravando sua
espada com força no solo, como se aquilo lhe desse força e coragem.
“Então!”
Sua voz era suficientemente alta para reverberar os vitrais da janela logo atrás.
“Você pretende ficar aí sentada em seu trono imaginário e olhar para o lado enquanto o Mundo
Humano é pisoteado? Como será a governante sem uma nação para cuidar? Ou quem sabe é
idiota o suficiente para não notar que isso será a sua própria ruína? Está cavando sua cova
solitária!”
Ao escutar essas palavras, toda a gentileza e sensualidade desapareceram de seu lindo rosto,
dando lugar para uma implacável fúria. Mas que durou pouco para voltar ao seu sorrisinho cínico
mais uma vez.
“Já que tocou no assunto da invasão conjunta, garoto, muito me magoada que pense que eu não
tenha nada planejado. Tenho tempo de sobra para pensar... sim, tempo é o que não me falta, é
meu aliado e minha maior arma, diferente das pessoas do outro lado.”
“Então, quer dizer que tem mesmo os meios de combater essa invasão?”
“Chame do que quiser, meios, objetivos, metas... Eu existo somente para governar... então, para
mim isso é somente mais um recurso. Não tenho limitações para minhas ações, não pondero, eu
executo.”
“A que... se refere?”
A Administrator não deu uma resposta imediata para a desconcertada pergunta de Kirito.
Ao invés, uma enigmática aura acompanhou seu sorriso que surgiu nos lábios enquanto ela batia
suavemente uma única palma, como se estivesse dando o assunto por encerrado.
“Deixarei que ouça o resto depois que eu o transforme em um de meus bonecos, garotinho. É
claro, não se preocupe, Alice e Eugeo estarão juntos de você.
E só para lhe informar mais uma coisa... não tenho intenção alguma de ficar quieta sobre o reset
de Underworld. Estou ciente do experimento de carga final há muito tempo. E preparei uma arte
muito especial para essa ocasião... então, anime-se, darei a vocês a oportunidade de ver algo
muito legal.”
“Uma arte...!?”
Kirito respondeu alarmado.
“Você está dependendo dos system commands que estão cheios de restrições? Está planejando
exterminar todas as forças da escuridão com um comando que só você pode usar? Se pode
mesmo fazer isso, como não usou algo parecido em nós três até agora?”
“Oh! Isso que está lhe incomodando?”
A Administrator se divertiu.
“Estou errado? Sua vitória não me parece nada certa. Não vejo como conseguirá cuidar de nós,
quanto mais de uma horda na casa dos milhares.
Alice pode deter todo tipo de arte sagrada de longo alcance em pouquíssimo tempo, enquanto
Eugeo e eu podemos lhe atingir violentamente a curta distância. Se está pensando em nos
paralisar com um desses comandos que não requer tocar o inimigo, lhe partirei ao meio antes que
termine, igual ao que fiz com Chudelkin.
Falando diretamente, sozinho um usuário de artes sagradas, mesmo muito experiente, leva uma
grande desvantagem contra múltiplos espadachins. Creio que isso é uma regra absoluta... mesmo
nesse mundo.”
“So... zinha?”
Administrator riu alto.
“É engraçado que diga isso. Sim, os números são realmente um problema de fato. Meu controle é
limitado quando existem muitos peões no meu tabuleiro. Ou pelo menos seria algo assim, no caso
do experimento de carga final. Já havia confirmado isso quando comecei a ordem dos Integrity
Knight e percebi esse balanceamento, mas...”
A governante mais poderosa que não deveria temer nada além de si mesma, que sequer sentiu a
perda de seu servo mais leal, Chudelkin, parecia que esquecera sua pose agora que estava frente
aos três rebeldes, falando quase em tom casual.
“Para começo de conversa, a ordem dos cavaleiros era apenas um meio para o fim. O poder militar
que realmente desejo não precisa sequer pensar, muito menos precisa de coisas como
recordações ou emoções. Tudo que ele necessita é ser uma existência dedicada a nada mais do
que massacrar o inimigo com a maior violência e impiedade possível, sem que se tenha que ficar
controlando... em outras palavras, o que eu quero não é um ser humano.”
“Mas então...?”
Ignorando Kirito, a Administrator levantou sua mão esquerda para o alto. E flutuando pouco acima
de seus dedos, estava o prisma triangular reluzindo com um brilho violeta, era o Piety Module
extraído de Eugeo.
“Ele foi um palhaço estúpido sim, mas até Chudelkin teve seu uso. Depois de tudo, acabou me
dando tempo suficiente para terminar até o último segmento do extenso comando. Bem, acho
que já é hora... vejam o despertar de meu leal servo! Vá! Executor sem alma!”
Eugeo entendeu logo após ouvir essas palavras.
Ela se referia a arte que ele tinha ouvido anteriormente, recitada de maneira quase hipnótica,
vindo do meio dos véus e cortinas da enorme cama, logo após recobrar os sentidos. Uma arte
sagrada absurdamente grande e complexa até mesmo para a gigantesca autoridade da
Administrator, que precisava se concentrar de corpo e alma para realizá-la. E o resultado desse
comando especial seria revelado agora.
O que a mulher de cabelos prateados entoou fortemente logo após dizer essas palavras foi um
comando demasiadamente curto, mas que possuía um efeito tão poderoso quanto.
“Release Recollection!!”
O ponto central do Armament Full Control Art. A arte sagrada destinada a libertar as memórias de
uma arma e aumentar violentamente seu poder, excedendo todas as artes sagradas existentes.
Entretanto, a desnuda Administrator não tinha absolutamente nada, nem sequer uma pequena
adaga com ela. Poderia ser o Piety Module que trazia consigo? Porém, esse prisma não deveria ter
recordações que pudessem ser liberadas.
Um tranquilo, porém, intermitente som chegou aos ouvidos de Eugeo enquanto levantava o olhar
para a Administrator.
Após vários tilintares cristalinos, uma onda de ruídos metálicos se seguiu... vindo de todas as
direções.
Eugeo rapidamente virou o rosto para visualizar onde o som era mais forte e contundente e foi
surpreendido com uma visão estarrecedora.
Haviam incontáveis pilares de sustentação naquela enorme sala. As exageradas espadas, que
serviam de adorno para cada uma dessas colunas, resplandeciam em dourado e tremulavam
levemente.
“Mas...isso...!”
A frase de Eugeo foi completada por Alice.
“...É impossível...!”
A mais longa das imitações de espada, com aproximadamente três mels, que até a Administrator
teria dificuldades de manejar facilmente, apresentava a maior vibração, acompanhada de todas as
outras por todo o salão, formando um arsenal de mais de trinta objetos reverberando ao mesmo
tempo.
O Release Recollection Art só podia ser usado quando existisse um elevado grau de familiaridade
entre a arma e o usuário, como se ambos fossem um só corpo. E só dessa maneira que era
possível acessar as memórias de sua querida arma.
Será que a Alto Ministro, a qual pensava em todos como meras ferramentas, podia formar esses
laços com todas essas mais de trinta espadas? Que tipo de memórias ela liberou daqueles
objetos?
Antes que o garoto pudesse completar seus pensamentos, a vibração se intensificou e as
gigantescas espadas deixaram os pilares e começaram a flutuar no ar.
Todas as armas vieram voando em direção às outras, com uma delas roçando o cabelo do
apavorado Eugeo. Por fim, ao se juntarem, começaram a girar em um enorme redemoinho logo
acima de onde estava a Administrator, no meio do salão.
Tão logo isso aconteceu e outro fenômeno mais impressionante se sucedeu.
As aproximadamente trinta espadas se juntaram compondo uma massa metálica cheia de pontas,
se conectando, se moldando e formando algo que Eugeo automaticamente achou familiar a uma
forma humanoide enorme.
Com uma grande coluna vertebral apunhalando o centro de outras espadas que estavam na
horizontal e que pareciam ser a estrutura de longos braços postos ao lado do que se poderia
chamar de corpo. As pernas se formaram na parte inferior: quatro delas, duas vezes mais do que
um ser humano normal.
Flutuando até o bizarro ser gigante, não, ao monstro grotesco, a Administrator ofereceu o Piety
Module em sua mão esquerda.
“Esse prisma triangular é a chave para o Release Recollection da Alto Ministro.”
E quando Eugeo pensou isso, Kirito gritou ao seu lado.
“Discharge!!”
Ao olhar para seu amigo, viu aves de rapinas feitas de chamas saindo da ponta de seus dedos
estendidos. Entre as muitas variantes de artes sagradas ofensivas utilizando elementos térmicos,
Kirito estava disparando a chamada bird shape, que tinha a propriedade de perseguir
automaticamente o seu alvo.
Além disso, os olhos da Alto Ministro estavam concentrados em seu gigante de espadas e nem
sequer notou seus movimentos. Acho que pode funcionar!
Eugeo estava confiante.
Como que estivesse sabendo de antemão dos planos de Kirito, o gigante estendeu suas pernas e
interceptou todas as aves flamejantes, que incapazes de desviar, explodiram uma após a outra nas
extremidades da criatura, dispersando-se em várias fagulhas vermelhas.
Após o ataque, as espadas que faziam às vezes das pernas, mal pareciam terem sido tocadas,
apenas apresentavam algumas marcas chamuscadas em sua superfície dourada.
E quanto a Administrator, ela havia ignorado completamente o ocorrido e simplesmente largou o
prisma em sua mão esquerda. Que ao invés de cair, flutuou como se atraído magneticamente para
o interior do ser metálico, onde ficavam três grandes espadas que constituíam suas costas.
O objeto de luz violeta foi lentamente subindo, parando onde normalmente ficaria o coração em
um humano, dando enfim vida a criatura, brilhando com mais intensidade ainda.
Esse resplendor se espalhou por todo seu corpo composto das espadas ornamentais, que agora,
apresentavam fios extremamente afiados em suas bordas. O som metálico se tornou mais forte e
nesse instante, Eugeo soube que a arte sagrada da Alto Ministro havia se completado.
A mulher sorriu.
O gigante de espadas estendeu suas quatro pernas e disparou ainda em pleno ar, se colocando
entre a Administrator e o trio, aterrissando no chão com um som absurdamente alto.
Eugeo olhou em silêncio a estranhíssima criatura com aproximadamente mais de cinco metros.
Sua estrutura corporal inteira era um combinado de espadas douradas afiadíssimas que imitavam
de modo medonho um esqueleto mortalmente perigoso. Um boneco gigante de muito mau
gosto... se não tivessem visto sua origem, era perfeitamente aceitável crer que aquele monstro
tivesse vindo do Dark Territory, uma criação digna dos mais terríveis pesadelos.
“Impossível...!”
Alice disse mais como um lamento do que como uma palavra.
“Usar o Full Control Art em múltipla escala dessa forma... em mais de trinta armas ao mesmo
tempo...
Isso perverte todas as regras tidas como certa, violando os princípios fundamentais de todas as
artes sagradas. Deveria ser impossível, mesmo para você, Estimada Alto Ministro...
O que de fato você fez...? ”
A voz de Alice provavelmente alcançou os ouvidos da Administrator, porém, a mulher que agora
estava flutuando atrás do gigante, ignorou a pergunta totalmente, apenas limitando-se a rir.
“Fufufu... fufu, fufufu. Esse é o verdadeiro poder ao qual buscava. Poder puro capaz de lutar por
toda a eternidade sem cansar. Um nome vocês perguntam?... Sim, suponho que posso chamá-lo
de Sword Golem, uma identificação apropriada, não acham?”
Mesmo em língua sagrada desconhecida para ele, Eugeo podia deduzir parcialmente o significado
daquele nome.
Ele sabia que sword era uma palavra reservada para se referir as espadas. Entretanto, golem,
nunca havia aparecido nos muitos livros que leu na academia. Inclusive Alice, quem deveria ser
muito mais proficiente na língua sagrada do que ele, parecia perdida também.
O curto silêncio foi interrompido por Kirito.
“Um autômato... de espadas.”
Essa tradução da língua sagrada para a língua comum pareceu agradar a Administrator que deu
um amplo sorriso em resposta enquanto juntava levemente suas mãos.
“Sabia que você acertaria o que nomeei na língua sagrad-... não, quero dizer, em inglês. Que tal
você, ao invés de virar um Integrity Knight, ser meu secretário? Mas para isso, você terá que baixar
essa espada e se desculpar por toda insolência cometida, jurando lealdade eterna para mim. O
que acha?”
“Infelizmente, duvido muito que vá acreditar em um juramento meu. Além do mais... ainda não
admiti minha derrota.”
“Não tenho nada contra esse seu espírito forte, porém, definitivamente não creio que ainda segue
falando essas bobagens. Por acaso acha que consegue derrotar meu Golem...? Derrotar essa
máquina feita de espadas com prioridades do nível dos instrumentos sagrados? O weaponry mais
poderoso que criei usando até a última porção de meu precioso espaço de memória para
completar...?”
Weaponry, já havia escutado esse termo antes.
A subcomandante Fanatio tinha dito isso quando falou que a Alto Ministro tentou criar um
dispositivo para focar toda a luz de Solus em um único ponto com milhares de espelhos com a
finalidade de criar um raio térmico poderoso sem o uso de artes sagradas. Nessa ocasião a Alto
Ministro tinha dito que aquilo era um Waeponry experiment...
Isso significava então que os weaponry eram ferramentas que tinham poderes que superavam as
artes sagradas? E esse tal Golem diante de seus olhos era a forma absoluta desse experimento...?
Ao ver as expressões do trio, a Administrator sorriu de maneira fria mais uma vez e sacudiu
lentamente sua mão direita.
“Certo. Hora de lutar, Golem. Acabe com meus inimigos!”
E como se tivesse esperando ansioso por essa ordem...
O coração do gigante feito de espadas brilhou intensamente com a luz violeta.
O monstro de quatro patas imediatamente desembestou a correr para frente em franca investida
para o trio, com um ensurdecedor ruído metálico.
O tamanho dessa criatura não chegava a ser tão grande quanto o palhaço de chamas de
Chudelkin, porém, era assustador a velocidade com que ele se movia e se aproximava com aquelas
junções e articulações rangendo e tilintando, enchendo o coração de Eugeo de pavor.
A primeira a reagir fazendo frente ao Golem , que tinha os braços feitos com três enormes espadas
girando no ar, fora Alice, quem estava observando tudo em silêncio até agora. E nesse curtíssimo
tempo, ela já tinha formado uma base e partido para o ataque frontal.
“Yaaaaaaaaaaaaaahhhh!!”
Com um grito tão poderoso que engoliu os ruídos do golem, Alice sacou a Fragrant Olive Sword e
se inclinou para frente, baixando muito seu centro de gravidade antes de girar em seu eixo.
Kirito, frações de segundos depois, também tinha começado a se mover. Saltando para longe, para
sua esquerda, flanqueando a lateral do monstro.
Apesar de estar paralisado de medo, Eugeo conseguiu adivinhar as intenções de Alice e Kirito.
Ambos haviam julgado que as articulações entre a coluna vertebral e as patas daquele bicho, bem
na parte onde seria a pélvis humana, podia ser o ponto mais vulnerável da criatura, isso se ele
tivesse realmente uma fraqueza. Entretanto, seria muito arriscado atacar esse local em um ataque
simples frontal.
Portanto, Alice seria encarregada de atrair a atenção do Golem, enquanto Kirito atacaria o ponto
vital do inimigo pela lateral. Essa estratégia era basicamente a mesma que havia sido utilizada
contra Chudelkin.
Eugeo só conseguia observar com assombro aqueles movimentos tão sincronizados serem
realizados sem nenhuma conversação prévia.
A espada de Alice acelerou em um arco, deixando para trás um rastro de luz dourada, como se o
próprio Solus tivesse passado por ali.
O braço direito do monstro também girou em um ataque estrondoso. Um enorme impacto
suficientemente forte para fazer a catedral inteira tremer, explodiu em uma onda de choque ao
lado de Eugeo no momento que as lâminas se encontraram.
Dois segundos haviam se passado desde o início do ataque da dupla. E então, tudo que poderia ser
considerado uma batalha, terminou após esse instante...
A Fragrant Olive Sword, o melhor entre os melhores instrumentos sagrados, possuindo a
propriedade da imortalidade eterna, foi facilmente repelida pelo braço direito do Golem.
Não sendo capaz de levantar a espada novamente, a mulher cavaleiro acabou sendo erguida
levemente do solo pelo impacto, perdendo seu equilíbrio.
Apontada para a garota que desesperadamente tentava se recobrar do choque, o braço esquerdo
do gigante projetou-se para frente com uma velocidade ainda mais rápida do que o primeiro golpe
e que o seu único olho não podia acompanhar.
Um som amortecido retumbou pelo local, demasiadamente baixo em relação ao choque anterior,
porém, ao mesmo tempo, o som de conclusão daquele embate.
A ponta da brutalmente gigantesca espada apareceu nas delicadas costas de Alice, jorrando
sangue escarlate por todos os lados.
Seu lindo e longo cabelo dourado suavemente foi tingido e empapado de sangue fresco.
O peitoral dourado imediatamente se partiu em dois, com ambas as partes perdendo a vida e se
desfazendo em poeira brilhante, um para cada lado, deixando a frente da garota desprotegida e
trespassada pela lâmina.
A Fragrant Olive Sword resvalou da mão de Alice e caiu no solo.
Finalmente, a espada do Golem saiu mecanicamente do corpo da guerreira, deixando-a cair sobre
o tapete.
“Uu... aaaaaaah!!!”
Um gemido que saiu como um grito agonizante.
Oriundo de Kirito. O espadachim que cabelos negros que estava girando na direita do gigante de
maneira selvagem, carregando consigo uma estranha luz nos olhos.
A espada negra desprendeu um brilho azul vivo. Era o movimento secreto, Vertical.
O Golem provavelmente seria parado caso o Piety Module fosse destruído, porém, as grossas
espadas que protegia o cristal como uma estrutura em forma de costela, impediam que qualquer
movimento o alcançasse.
Portanto, a intenção de Kirito era realmente a articulação entre a coluna e as pernas do autômato.
Definitivamente o gigante ficaria imóvel se essas partes fossem quebradas.
O Golem estava retornando seus braços à posição de guarda após seu feroz ataque. E no exato
momento em que a espada de Kirito começou a se mover, a metade superior do gigante
rotacionou violentamente a coluna. O braço esquerdo girou horizontalmente em um movimento
impossível para qualquer ser humano e atacou Kirito em sua lateral.
O barulho do choque explodiu mais uma vez no salão. O garoto desviou a trajetória de seu
movimento secreto com um reflexo sobre-humano e foi de encontro ao ataque do colosso de
espadas.
Entretanto, a cena que Eugeo acabara de ver se repetiu diante de seus olhos.
Incapaz de resistir ao impacto inicial, Kirito foi lançado para o ar, onde, sem nenhum atraso, a pata
traseira esquerda do Golem foi diretamente para o seu peito.
O ruído amortecido foi outra vez ouvido. E, voando de onde estava, o garoto de cabelos negros se
chocou contra o vidro da janela ao leste de onde estavam. Uma terrível quantidade de sangue
pintou o vitral de vermelho vivo antes de Kirito desabar no chão.
Incapaz de produzir um som sequer, Eugeo olhou fixamente a enorme poça de sangue que crescia
absurdamente rápido embaixo de seu companheiro que tinha caído de bruços.
Não conseguia sentir suas pernas e nem seus braços. Sentia como se todo seu corpo não mais lhe
pertencesse, não podia conter os tremores. Tudo que podia fazer era virar o rosto e olhar
novamente para o Golem vindo em sua direção há cinco ou seis mels.
O monstro também parecia encarar Eugeo. As empunhaduras das espadas sobre sua coluna
formavam uma espécie de rosto medonho. As joias colocadas em suas guardas estavam alinhadas
como olhos perversos.
Incapaz de qualquer outra ação física, Eugeo simplesmente repetiu em sua mente uma só frase...
“Só pode ser mentira... tem que ser... mentira...!”
Alice e Kirito deveriam ser os espadachins mais fortes do Mundo Humano no momento. Mesmo
contra um monstro estranho como esse tal weaponry, essa dupla não deveria perder dessa
maneira. Eles tinham posto um plano silencioso em prática, tinham a iniciativa... suas espadas
estavam prontas e...
“He he. He he he...”
Estranhas risadas se mesclavam com os intensos ruídos metálicos, impossível saber se vinha do
monstro ou de sua mestra que flutuava logo atrás, que permanecia olhando aquela chacina com
uma expressão alegre no rosto. Seus olhos espelhados agora refletiam o vermelho intenso do
sangue derramado de Kirito e Alice. Neles, não havia um pingo de compaixão.
O autômato seguiu sua marcha incessante para cumprir a ordem de sua criadora.
Levantando o pé dianteiro direito, deu um grande passo e se moveu pela sala com aquele barulho
horrível da juntas de metal rangendo, seguido de sua perna dianteira esquerda.
Gotas vermelhas escorriam de seu braço esquerdo, o mesmo membro que Eugeo achava que
estaria em pouco tempo tirando-lhe a vida. Entretanto, mesmo com esse pensamento, não havia
mais medo, não havia mais receio, nem mesmo havia o som da aproximação do gigante... o
mundo estava em... silêncio... um pesado e avassalador silêncio.
Enquanto esperava encontrar o nada, sem nenhum aviso prévio, uma voz surgiu em sua mente
como uma borbulha solitária em um lago, a qual demorou certo tempo para se dar conta tratar-se
de algo real.
“Use a adaga, Eugeo!”
Era uma voz feminina com uma encantadora reverberação. Totalmente desconhecida e concreta
demais para uma simples alucinação de quem estava a beira da morte.
Então, olhando para sua direita, ele viu...
No ombro direito do caído Kirito, do tamanho de grão de feijão, uma aranha negra.
Falar era impossível para um inseto tão pequeno, mas ainda assim, a voz que Eugeo ouviu era
incrível. Todas as dúvidas sobre o dono daquelas palavras tão melodiosas dissiparam a paralisia a
qual ele se encontrava. Aquela diminuta criatura o tirou de seu transe mortal e sem demora,
agitou sua patinha direita como se estivesse o repreendendo.
“Isso... não vai funcionar...”
Respondeu em voz baixa.
“Essa adaga jamais vai alcançar a Administrator.”
A aranha agitou violentamente várias patinhas no ar.
“Não! É para criar uma passagem! Crave-a no disco de elevação ali no solo!”
“Hein...!?”
Eugeo arregalou os olhos, atônito. A aranha negra focou seu olhos brilhantes em si e continuou:
“Lhe conseguirei algum tempo, vá! Apresse-se!”
A aranha, enquanto dizia essas palavras, deu uma olhada carinhosa para a bochecha pálida de
Kirito desacordado e suavemente a tocou com sua patinha direita, antes de saltar para o chão.
E no momento em que aterrissou silenciosamente sobre o tapete, a minúscula aranha...
Virou-se para o Golem feito de espadas e começou a aumentar dezenas de milhares de vezes o seu
tamanho atual enquanto corria furiosamente em direção ao gigante metálico.

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