A Existência - Ato 1

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O que é a criatura?

O que vejo no espelho não sou eu

A minha vida inteira

Um instante guiado pelos instintos do apogeu


Cabelo, ossos e unha

São nada

Eu

        Sou nada


Me desfaço

No espaço

Me quebro

Como que velho


O que sou eu?

Há alguma essência na existência?


O esquecimento de si

Perder-se

                    Em meio a céus e terra e nuvens e estrelas

                                                                                e gente

                                                                                            e vidas

e tempo que vai e pessoas que vão

                                                                   e

                                                                      eu

                                                                           que não


Eu sou meu centro

Meu próprio universo

Vagando em um vagante planetário

Num mar de vazios de existências

    Que clamam por um sentido na tragédia

grega

    Na queda romana

Na vida do século 20 e 1

        Na vida

                       de alguém

importante

E em algo além,

O fim da angústia

E do silêncio e do suor e da incerteza e da indecência

150 batimentos por minuto

    Em um jogo de palavras chamado falar

Em um jogo social

        Ais, uis, suspiros e bocejos matinais

E o frio de agosto

    E o calor de janeiro

        E os dias que vão

            E as palavras que não vêm

                E foi-se

                    Anos 2000, a modernidade, o passado, anos e anos, tecnologia, o PIB, a infraestrutura, a economia

    O mundo perfeito

   A existência perfeita

  A palavra certa

 Na vida perfeita, e todos viveram felizes para todo o nunca

    Os defeitos teus me dão ânsias e meus defeitos te enojam

E entre erros e vontades e dor e e ideias que só existem na cabeça somos feitos um para o outro

Um para o outro no olhar

E o corpo reage em milésimos longos o bastante para que haver felicidade e universos de possibilidades

    O teu corpo e o meu

    Não a essência

    Não há essência

    Não há vagas no coração


    A amargura fria e devaneios e o medo de não saber

é o medo do medo

É o medo de que não haja sentido

E não há

                 vida

Não há sentido em tentar ou não

Ainda assim

    Há ressentimento


Tudo está perfeito, para sempre

    Até acabar

  Acabou a hora

Não há tentativas a mais

    Tudo o que se foi é para sempre

E o resto é esquecido

As memórias que não aconteceram machucam mais

Saber que aquela voz, aquele cabelo, aquela combinação de ser humano não vai mais te ver (ou seria o contrário?) e que aquele momento que todas as possibilidades se fizeram reais se foram e o ideal te abandona

E se vê sozinho entre salas vazias com goteiras e abandonadas ao descaso como tu até o fim dos teus dias, todos reservados para sofrer com os sentimentos humanos mais vis e primitivos

Dos quais não há libertação, nem se quisesses

    Sentimentos louvados como a salvação e que são fardo que tu carrega e com o qual aprendeu a ser tu mesmo

    Com o qual te tornou amargurado com a vida e só vê solidão

em cada pôr-de-sol vermelho-sangue é o teu próprio sangue que escorre por Terra apunhalado pela morte

quem te consola?Onde histórias criam vida. Descubra agora