A carta anônima

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— E-eu preciso desligar. Depois nos falamos. — Disse Adrien, sem encarar a amiga na vídeo chamada.

— Claro, tchau. — A menina falou, terminando a ligação logo em seguida.

Gabriel encarava, atônito, o filho. Imaginou que entraria no quarto para escutar a melodia que ele tanto errava um pouco melhor do que antes. Mas, quando percebeu que a mansão estava bem silenciosa naquele horário que sempre se ouvia o som de uma música no piano, caminhou curioso até o quarto do modelo. Adrien já tinha fugido de casa algumas vezes, embora o designer de moda nunca soubesse como o garoto conseguia sair daquele local sem ser visto. E, após o sumiço do modelo em uma sessão de fotos no estúdio, Gabriel tinha voltado a pensar na possibilidade de seu filho ser Chat Noir, embora os dois tenham aparecido ao mesmo tempo quando Gorizilla atacou a cidade. Mas agora, encarando Adrien com uma expressão surpresa na sua frente, o designer de moda percebeu que o menino estava fugindo de seus compromissos com mais frequência do que ele imaginava e, dessa vez, o loiro nem precisou sair de casa.

Adrien olhava, em silêncio, para seu pai. Era difícil saber o que ele sentia quando passava a maior parte do tempo com o mesmo semblante. Era um misto de seriedade, exigência, distância e decepção. Parecia que nada estava bom o suficiente para Gabriel, nem mesmo o próprio filho. Imaginando que o pai falaria algo sobre ele estar conversando com alguém da escola no celular, o menino resolveu esclarecer as coisas.

— Eu… estava falando com a Marinette. — O homem permaneceu com a mesma expressão — Aquela menina da minha turma que ganhou o concurso de chapéus, lembra? — O designer de moda ficou em silêncio durante alguns segundos.

— Sim, ela é realmente muito talentosa. Tem um futuro brilhante pela frente. — Adrien sorriu aliviado. Por um momento, imaginou que iria escutar as mesmas palavras de quando ligou pedindo permissão para estudar na casa de Alya: que os amigos da escola eram uma péssima influência. Mas escutar um elogio vindo de Gabriel, mesmo que fosse para outra pessoa, fazia o garoto se sentir feliz. Porém, o semblante do pai mudou repentinamente, voltando a ser aquela expressão séria e distante que o modelo conhecia bem. — Por que não está tocando piano?

— Eu… acabei me distraindo e esqueci de tocar. Mas vou começar agora mesmo. — Disse um pouco cabisbaixo enquanto caminhava até o instrumento musical. "Esse é o Gabriel que conheço", pensou.

— Voltarei mais tarde para ver seu desempenho. Ou melhor, para ver se você está tocando. — Falou o homem antes de sair do local.

O que tinha surpreendido o designer de moda não era apenas o fato de que o filho tinha fugido mais uma vez de seus compromissos por conta dos amigos da escola, mas as palavras que tinha escutado quando entrou no quarto. "É, eu… gosto muito da Ladybug. Ela é uma das garotas mais incríveis que eu conheço", foi o que Adrien dissera. Ouvir o próprio filho declarando sua paixão por sua pior inimiga tinha deixado Gabriel atônito. "Então quer dizer que ele é apaixonado pela Ladybug? Com tantas garotas em Paris, tinha que ser justamente ela?", pensou, "E que história é essa de conhecê-la?". Lembrou-se novamente da possibilidade que tinha voltado a atormentá-lo nos últimos dias. Mas era realmente difícil de imaginar que o anel estava em sua própria casa esse tempo todo. E, depois daquela situação de quando Gorila foi akumatizado, em que Adrien e Chat Noir apareceram juntos, aquela possibilidade tornou-se impossível. Olhou para um quadro que tinha a foto do filho na parede e, logo em seguida, para o que tinha a foto de sua esposa, aquele quadro que dava acesso ao covil de Hawk Moth. "Quando ele souber o que está em jogo, com certeza vai esquecer esse amor que pensa sentir pela Ladybug e perceber que ela é a verdadeira vilã", pensou.

***

— Puxa! Isso é o que eu chamo de declaração de amor. — Disse Tikki — E olha que ele nem sabe que você é a Ladybug.

— É… foi realmente muito bonito o que ele disse. Pena que eu tive que desligar justo na hora em que falaria das cartas.

— Talvez isso sirva de lição para você. Ele fez uma linda declaração sem precisar de texto. — A kwami apontou para o papel na mesa da azulada.

— É porque ele não sabe quem eu sou. Se eu estivesse com a máscara, talvez ele não dissesse todas aquelas coisas.

— Eu duvido muito. — Falou, lembrando as inúmeras vezes em que Chat Noir tinha dito que amava a joaninha.

— Foi lindo o que ele disse e a conversa estava ótima, mas agora estou preocupada.

— Por quê?

— O pai dele. Ele é… sei lá. Parece meio exigente.

— Meio? Só pelas atividades que o garoto faz, o pai dele parece querer que o filho seja perfeito. O garoto praticamente nem sai de casa!

— E, pelo o que eu sei, a relação dos dois não é muito boa. Será que ele vai levar uma bronca por estar conversando comigo? O pai dele não parecia muito feliz quando entrou no quarto.

— Acho melhor nem ligar para ele de novo.

— Também acho, vou esperar para conversar com o Adrien amanhã na escola.

***

O modelo tocava o piano, já sentindo seus ouvidos cansados de escutar aquela melodia. Mas era justamente essa que seu pai queria ouvir quando voltasse ao quarto e, para a infelicidade do loiro, era a música que ele mais estava errando. Tentando fazer sua mente esquecer que escutaria aquilo por mais um longo tempo, começou a pensar no pai. A reação dele quando entrou no local e o viu falando com Marinette foi tão estranha.

Adrien imaginou que ouviria, mais uma vez, o discurso de Gabriel sobre compromisso com os horários e o quanto era importante não fugir das atividades que deveria fazer. Mas não foi exatamente o que escutou. De qualquer forma, a expressão séria de Gabriel parecia ter dito tudo aquilo. "Ah, qual é? É o meu pai! O que eu queria? Que ele chegasse aqui todo sorridente dizendo que eu não preciso fazer tudo o que ele manda?", pensou. "A reação dele pode ter sido esquisita, mas, se tratando do meu pai, foi até normal." Ele suspirou, percebendo que errou uma nota.

Cansado, levantou-se e caminhou pelo quarto durante alguns segundos. Foi quando percebeu que tinha deixado os poemas de Marinette sobre a mesa. "É melhor eu esconder isso", andou até o guarda-roupa, disposto a colocar os cartões de volta na caixa que os escondia. Mas, sem querer, acabou derrubando um deles e o papel rosa foi caindo lentamente até atingir o chão. Ao encarar a carta mais uma vez, percebeu que tinha a impressão de já ter vivido algo parecido com isso antes. Balançou a cabeça tentando afastar aquela ideia e estendeu a mão para pegar o poema. Subitamente, uma lembrança iluminou seus pensamentos: já tinha visto algo muito semelhante àquele papel rosa em formato de coração. Parecido não, idêntico! Pegou a carta no chão e correu até a caixa que continha incontáveis declarações de fãs.

— Parece que alguém finalmente resolveu ler as cartinhas das fãs. — Plagg afirmou enquanto comia um enorme pedaço de queijo, mas o modelo o ignorou. Precisa confirmar aquela suposição.

O loiro nem precisou de muita procura para encontrar o que precisava: o poema que tinha recebido no dia dos namorados. Lembrou que, assim que terminou a leitura naquela data, imaginou que tinha sido escrito por Ladybug, pois uma joaninha pousou no papel. Mas agora o loiro tinha suas dúvidas.

Pegou o cartão, percebendo que era realmente igual aos que Marinette tinha dado. Porém, o poema que recebeu no dia dos namorados não tinha assinatura. Ele sabia aqueles versos de cor, mas resolveu abrir o papel em formato de coração para ler mais uma vez e confirmar aquela possibilidade que o estava deixando tão curioso. Assim que seus olhos fitaram as palavras da carta não assinada, ele percebeu que conhecia muito bem aquela caligrafia. Para não ter mais dúvidas, pegou um dos poemas de Marinette e comparou com aquele que segurava. "É a mesma letra!", pensou enquanto seu olhar passava de uma carta para outra. Foi então que ele percebeu. Aquele poema que recebera no dia dos namorados e que, para ele, tinha sido a declaração de amor mais bonita que tinha ganhado, era exatamente da mesma garota que já tinha dito que o amava em outros dois poemas. A mesma garota que tinha dito para seu alter-ego, Chat Noir, que era apaixonada por ele, aquela que conhecia e amava seus dois lados: Marinette.

Depois Daquela CartaOnde histórias criam vida. Descubra agora