Capítulo 1

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Pode-se dizer que costumo exagerar um pouco nos meus barracos. Talvez porque seja intensa demais. No entanto também pode-se dizer que na grande maioria das vezes tenho razão para o tamanho de minha irritação com a humanidade. Afinal, parece que sempre há um idiota para furar a fila, ou esquecer do troco, ou tentar passar a perna em um desavisado. Parece até que as pessoas não percebem que não levo desaforo para casa.

Veja bem, não tenho sangue de barata; não devo deixar que alguém tente me enganar ou as pessoas com quem me importo. Não mesmo! Sempre faço tudo o que posso para ajudar quem precisa, em especial aqueles que merecem toda a minha atenção, sabe, aqueles que considero mais fracos.

Contudo, por mais esperta e ligada que possa parecer pela descrição recém feita, imagino que seria difícil acreditar que alguma pessoa nesse mundo conseguiria enganar essa pessoinha aqui. Mas sim, isso realmente aconteceu!

Posso mesmo ser uma pessoa de extremos. Transpareço toda minha determinação e inteligência, minha força e atitude de rainha, mas a verdade é que no fundo sou uma trouxa. É isso mesmo, trouxa. Burra. Ignorante.

Ignorante no sentido mais literal da palavra, já que ignorei por meses certas atitudes de uma pessoa em quem confiava plenamente: meu próprio namorado. A essa altura, poderia dizer meu ex-namorado, pois ele conseguiu quebrar todos as minhas barreiras e, com isso, toda minha confiança.

Bernardo foi o namorado mais romântico e atencioso que já tivera até então. Um cara que vivia me dando presentes sem motivo nenhum, que me levava para viagens a dois e a restaurantes maravilhosos, que me cobria de todo o carinho que alguém pode suportar quando estávamos sozinhos.

Qualquer um poderia ter se enganado como me enganei. Quem poderia imaginar uma coisa dessas? Nunca tinha sido traída, ao menos que soubesse, então não havia como perceber. Talvez por isso o choque tenha sido tão grande.

Tudo começou quando notei que ele estava recebendo uma quantidade incomum de mensagens no Whatsapp. Quer dizer, ele sempre recebia muitas mensagens de clientes. Éramos os dois advogados e a maior parte de nossos clientes estava preso, então não era surpresa que nossa comunicação fosse via internet. O problema é que, diferente do que era esperado, já que trabalhávamos juntos, Bernardo passou a se esgueirar uma vez ou outra para responder essas mensagens. Grande idiota! Se ele tivesse respondido perto de mim, como provavelmente fizera antes, eu continuaria sem perceber nada.

Acredito que depois de tantas vezes sem ser pego, achou que não precisava mais se esforçar muito.

Só que, como uma pessoa ciumenta e possessiva, comecei a desconfiar. É claro que não deixaria algo do tipo passar por mim despercebido.

Bernardo, todavia, não era totalmente um imbecil. Muito pelo contrário, pois foi justamente sua sagacidade e inteligência que me conquistaram. Talvez já imaginasse que eu poderia esbarrar em alguma coisa, e, por esse motivo, levava o celular onde quer que fosse, sem desgrudar nem um segundinho. Como o bom advogado que era, precisava ser esperto, é claro.

Só que não era páreo para a minha esperteza. Assim, esperei que caísse no sono e começasse a fazer os barulhos estranhos que fazia quando estava dormindo pesado e, silenciosamente, peguei seu smartphone.

Eu não sabia sua senha, é claro. Nunca achei necessário saber. Mas nunca subestime a capacidade de engenho de uma mulher traída. Eu sabia que nem se mexeria se encostasse nele, então consegui colocar seu indicador no reconhecedor de digital do Iphone e, vualá! Como num passe de mágica seu mundo todo se abriu para mim.

Ou assim eu pensava!

Não havia uma mensagem estranha, nem na caixa de entrada, nem no Whatsapp, nem no e-mail, nem em parte alguma. E isso que fiquei mais de meia hora procurando, já que não conseguia mais ter sono depois de começar com minhas paranoias.

Tudo A Seu Tempo (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora