Da água ao vinho!

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Uma janela metálica, vidros fechados e a luz alaranjada do sol presenteam os olhos. Faz poucos minutos que o sol surgira no horizonte, sua presença ainda que pouca, era suficiente para despertar.
Sobre uma cama de solteiro mal arrumada encontra-se um rapaz, cabelos castanhos escuros, barba escassa e nariz levemente pontiagudo; suas pálpebras oscilam com rapidez em protesto às tentativas dos olhos em se abrirem. Ele com dificuldade e hesitação senta-se sobre o colchão, terminando de tirar o lençol azul que pendia para o chão.
  — Mas ainda são seis horas!  — Exclama sonolento e muito aborrecido com o relógio em mãos. Ainda assim põe-se em pé sobre as pernas ainda vacilantes, cobertas com longas calças de moletom cinzentas, que acabam em pés largos e pálidos, inertes sobre o piso branco gélido. Anda lentamente pelo quarto até a porta de madeira entreaberta, abre-a com um puxão e passa por ela em direção ao corredor. Duas portas encontram-se á vista dele, a porta da saída ao fim do corredor, a porta do banheiro á sua imediata esquerda e também o batente da entrada da cozinha a frente e a direita. Seu lar era pequeno, mas era o que podia pagar.

  Se encaminha e adentra o banheiro, o velho espelho mostra-o, está com o cabelo quase liso desarrumado, olhos ainda inchados e uma feição de quem tivera sido obrigado à se levantar. Sua pele parda tem grandes manchas abaixo dos olhos, suas olheiras são enormes, tão grandes que ofuscam o brilho de seus olhos azuis como céu. Ele toma banho, escova os dentes, lava com cuidado seus preciosos cabelos que descem até a altura das sobrancelhas e depois perde vinte minutos  para cortar as unhas dos pés número 44.

  Já ajeitado, vestido e fora do banheiro ruma para a cozinha. Seu estômago ronca e sua mente lhe solicita um pouco do bom e velho café preto. Frita alguns ovos e bacon, enquanto a cafeteira faz sua função, e também aproveita o tempo para ler as principais notícias de hoje e ontem em seu pequeno e singelo smartphone. Depois de sentar-se á mesa e começar a devorar tudo que prepara, ouve um som de raspagem baixo, porém, inconfundível. Levanta-se e sem sair da cozinha inclina seus 1.86 de altura ao corredor e fica de frente á porta de entrada, que tinha em seu tapete uma pequena pilha de envelopes. Se apressou a pega-los, abri-los e lê-los. Contas de luz, água e aluguel não o animam nem um pouco, até identificar algo que o surpreendera e o fizera correr de volta á cozinha.  Apanha o celular e confirma:
  — DROGA HOJE JÁ É DIA 18!? Tenho... uma hora e meia para chegar lá! — Disse ele, alerta e frenético enquanto se punha a correr para o quarto, ainda com a caneca em mãos. Entrou no quarto, dirigiu-se ao guarda-roupas e tirou todas as suas melhores roupas com puxões bruscos e ansiosos. Vestiu-se tão depressa que colocara a calça jeans por sobre a moletom, mas estava com tamanha pressa que nem sequer parou para corrigir o erro. Terminou em grandes bocadas seu café. E m exatos 10 minutos estava terminando de descer as escadas do prédio em que mora, ofegante e ainda tentando ajeitar sem sucesso a gravata preta de bolhinhas vermelhas que escolhera colocar.

   Seus olhos moviam-se procurando providenciar com urgência um táxi para si. Camisa branco-azulado, gravata, calças social e sapatos de bicos finos brilhosos, somados à sua expressão de desespero o destacavam em meio á pedestres caminhantes e calmos da calçada. Cinco eternos minutos passaram-se até conseguir sinalizar a alguém que o atendesse. Sem rodeios saltou pra dentro do carro, disse com voz alta e inconstante o endereço em que precisava ir e que precisava ser rápido.
   O piloto muito calmamente exigiu que ele colocasse o sinto de segurança , e logo depois dele tê-lo feito, disparou com o carro em alta velocidade. Tentando não bater contra a janela, ainda pensava o que faria com o salário do novo emprego, já que ganhava muito pouco no trabalho que agora tinha. Na marca recorde de 38 minutos o motorista o deixou á porta do prédio que indicara, ainda pasmo, mas muito satisfeito rumou para as escadarias.

   Já sentado na sala de espera silenciosa, ansioso e ainda meio suado, tomou a pasta de debaixo do braço e abriu-a para conferir o que tinha ali. Olhou por menos de um minuto antes do coração palpitar de forma errante, ficar pálido feito uma folha e começar a soar frio. Ele acabara de notar que havia esquecido papéis importantes solicitados numa entrevista, papéis esses que faziam total diferença entre o sucesso e a falha, porém, já estivera sentado ali por 15 minutos, haviam outros ali que também se mostravam ansiosos, mas ele era quem tinha um problema.   
Levantou-se envergonhado e caminhou de forma cuidadosa até a recepcionista, pigarreou de maneira fraca e perguntou  — Eu notei agora ter esquecido alguns papéis, seria problema se aguardasse enquanto me retiro para buscá-los?
A moça sem lhe dar muita importância, olhando por cima dos óculos quadrados, como quem ja enjoara de ouvir tal pergunta, disse  — Bem senhor, o atendimento aqui é feito por ordem de chegada, então, se sair perderá seu lugar na fila — respondeu ela com um sorriso amarelo e irônico.
  O desespero tomava conta, ele achava que a situação não podia piorar. Retornou a se sentar na cadeira acolchoada, mas, antes de poder terminar seu pensamento de como pudera ter esquecido coisas tão importantes, ouviu lá de fora um alto estrondo. — Trovão? Mas ainda agora o sol brilhava, não? — Pensou ele ainda um pouco mais desesperado. Então pensou em ligar para alguém que o socorresse, bateu as mãos nos bolsos e sentiu o coração subir até a garganta. Na pressa deixara o celular em algum lugar, talvez tivera caído, talvez nem o tivesse pegado, e nem mesmo se deu conta. Agora torcia para que o entrevistador demorasse mais um pouco, já que era o próximo.
   Então um homem muito bem trajado abriu a porta, um outro rapaz também trajado saiu e o senhor diz sorridente, para que o próximo candidato entre. Neste momento suas pernas hesitam completamente, sua voz parecia acorrentada, não sabia se devia atender ao chamado, torcendo pra que não tivera perdido todas as chances ou se desistia e saia de lá. Demorou tanto a decidir que o senhor agora impaciente, dava seu lugar ao próximo. Relutou, pensando em para falar, mas a porta de suas chances já se haviam se fechado.
   Desolado e desiludido, inconsolável por tamanha derrota, pegou suas coisas e saiu do prédio. Lá fora via o sol dando lugar nuvens cinzas e carregadas. Em sua mente, agora se indagava como tudo tinha dado errado tão rapidamente, quando sentiu que algo gelado o acertara à nuca e escorrera camisa a dentro. A chuva se precipitou a cair, mas ele não se preocupou em sequer de sair do alto exposto das escadarias.
   Depois de minutos de pensamentos ainda incrédulos e de um banho de chuva gelada, ele finalmente se dispõe a sair à passos lentos, já que agora não tinha nada a perder. Seu precioso celular e sua rara oportunidade de um bom emprego tinham sido tirados dele de forma tão abrupta, e ele custava entender. 
   Seu apartamento era longe, não tinha celular para pedir ajuda, e o frio começara a incomodar.  A chuva também destruíra todos os documentos dentro de sua pasta. Estava tão descrente que nem se importava em se proteger da chuva, só queria voltar para casa logo. Por que tudo lhe foi tirado de forma tão cruel? Algo podia deixa-lo pior?

   Logo se obrigou de forma decidida a esquecer esses pensamentos, agora a passos longos e mais ligeiros, tomara para si que tinha de chegar em casa o mais rápido que pudesse. Tomou os caminhos mais rápidos que sabia, a chuva ja deixara de lhe incomodar, a caminhada esquentara seu sangue e o frio acabara. Tomou viela após viela, rua após rua, tinha um mapa em sua mente e o seguia como uma locomotiva nos trilhos.
    Vinte minutos se passaram, trinta minutos se passaram e estava cada vez mais próximo de seu lar, cortou uma avenida aos saltos apressados e adentrou uma viela de cabeça baixa, ainda andando rápido, porem seus passos ficaram abruptamente mais lentos quando ouviu um som de batida, uma batida forte, um estalo, um tapa ou coisa parecida.
    Olhou pra cima, em linha reta no beco, com seus olhos bem fechados para evitar que a chuva os atingisse. Distante estavam duas silhuetas próximas as paredes, uma delas dominantemente fazia gestos agressivos próximos ao rosto da outra, trêmula e presa ao canto. Pensou em recuar, evidentemente era uma discussão, uma briga, não tinha a menor intenção de se meter, cogitou que se passasse perto pudesse ser incomodo até demais.
    Virou os passos para se retirar do beco, estava prestes a perder contato com as figuras quando viu a figura opressora tirar algo da roupa, o formato não deixava dúvidas, era um revólver! Mas ficou realmente perplexo, quando viu o revólver ser erguido e batido contra a cabeça da pessoa encurralada, que desmoronava ao chão, e logo depois ser engatilhado. Com certeza a pessoa em pé não tinha a intenção de que a outra saísse dali viva. Era sem dúvidas um expectador de algo que logo viria a se tornar uma cena de crime, mais um entre as dezenas de outros.
   Com as pernas trêmulas, mãos geladas, olhos horrorizados e um nó na garganta. O quê devia fazer? Sair do beco e torcer pra que o pior provável não acontecesse ou tentar influenciar naquilo e arriscar se tornar o novo alvo pra os disparos?        Cada fibra do seu corpo lhe advertiam, que era seu dever moral impedir a morte. Sua mente já lhe previu que não lhe perdoaria se ele desse as costas à vitima.
   Sem ao menos notar, seu corpo já tomava rumo, correndo em direção a aquele canto, agora já não tinha mais volta, era tudo ou nada.

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