Passos fortes e determinados lhe impulsionavam através da viela, ele nunca correra tão obstinadamente quanto agora. A urgência dos passos negligenciava os desníveis do chão, as poças não tão rasas de água, e até o fato de que chutara tudo que havia no caminho. Cada segundo agora contava, e a chuva não era mais que um detalhe banal.
Só faltava um pouco, porém, vira que agora o assassino parava de falar, sinalizava a cruz com os dedos e empunhava o revólver com as duas mãos. Seus músculos ferviam, o suor mal tinha tempo de escorrer, os olhos pareciam de uma perigosa fera prestes atacar, contudo se os passos não se apressassem, tudo estaria perdido.
Agora faltavam alguns saltos, seus olhos podiam ver precisamente, os ouvidos dele podiam captar tudo. Escutou então do canto uma voz aguda, chorosa e aflita — Por favor, não faça isso, eu te imploro, lhe dou tudo que quiser — disse a voz ainda sem um rosto.
Se aproximava a pouco segundos de acertar o agressor, quando viu o dedo deslizar sobre o gatilho e sem avaliar as próprias ações, junta fôlego e solta um alto brado furioso — Ei você, seu desgraçado, não se atreva! — Disse ele um instante antes de acertar o homem, surpreso e desprevenido. Todavia quando acertou-o, ouviu o som alto sem eco da arma e quando derrubou-o já estava tomado por uma enorme colera.
Levou poucos segundos para dominar a situação completamente. Sentado sobre o peito do criminoso, segurando a mão esquerda contra o chão e pisando sobre a mão direita ainda armada, não aguardou que nenhuma palavra fosse dita, antes de desferir o primeiro soco. Os golpes eram desferidos contra o rosto do indivíduo dominado. Não tinha intenção de cessar as agressões, pensava que era pouco a sofrer comparado ao que estava prestes a fazer.
Passaram-se minutos antes da irritação começar a se esvair. Quando sua raiva passava a lhe deixar, cessou as batidas, tirou a arma da mão do homem agora quase desacordado e se levantou. Viu um sujeito de trinta anos, barba a ser feita, cabelos loiros até a altura dos ombros e olhos castanho-escuro inchados. Suas mãos estavam cobertas com sangue e a respiração parecia a de um touro.
Quando recobrou a noção da circunstância, pois-se a ir avaliar qual era a situação da vítima. Ele averiguou que se trava de uma jovem, parecia ter pouco mais de vinte anos, cabelos negros das raízes até a metade do comprimento e a outra metade roxa, olhos escuros inchados de chorar, pernas caídas de lado e segurando com a mão o braço, vestia uma roupa de garçonete ou coisa assim. Aproximou-se dando as costas ao homem e questionou — Você está bem? Está ferida? — disse ele preocupado sobre a condição dela, a moça sem palavras, por sua vez revelou sobre os dedos uma ferida sangrando, o disparo feito a tinha acertado de raspão. A raiva começava a voltar vendo isso, no entanto, tinha que socorrer a pobre e fraca garota.
Ajudou-a levantar com cuidado, colocou-a de forma que a apoiasse e começou a sair do beco junto dela. Toda adrenalina passara e começara a dor dos dedos, a chuva fraca continuava presente, estavam encharcados e os dois deixavam um ralo rastro de sangue por onde passavam.
Seu peito tinha agora um calor inexplicável, uma sensação boa e um lampejo de esperança. Tinha conseguido impedir um assassinato, o dever estava feito pelo menos até metade, já que agora rumavam para longe, ambos com ferimentos não fatais. A essa altura ele já podia ver as pessoas andando na rua, todas com guarda-chuvas e apressados, estavam todos alheios aos acontecimentos do beco, já que a chuva os incomodava e o ruído de seu cair impedia o som.
Quando já estava completamente aliviado, longe do agressor e na companhia de uma pessoa sortuda que acabara de passar próxima da morte e foi distanciada, um som lhe pôs em alerta total novamente. Atrás deles vinha ainda cambaleante o homem, mais um vez armado, que disparava sem a menor ponderação, tentando sem êxito acertar-los.
Completamente enraivecido, rangia os dentes com força, apertava os punhos como quem tentava espremer uma fruta, disposto a por um fim aquilo, ele solta a moça num lugar protegido dos disparos. Atrás do latão a moça ainda em choque e novamente em pânico, insiste para que saiam dali, porém, ele já não a ouvia, ergue-se e virou-se para o atacante, olhando a garota com o canto dos olhos
— Fique aí, eu volto logo. Mantenha-se protegida — pedindo que o espere. Ele agora furioso como nunca antes, caminha contra o algoz, enquanto arranca a gravata bruscamente do pescoço e dobra as mangas da camisa.
O sol agora aparece como pequenos raios através das nuvens, recaindo sobre ele, iluminando as costas encharcadas. Sua mente lhe intimavam a ser cauteloso, enquanto o corpo dele dizia que era matar ou morrer. Determinado ele novamente corre para cima do agressor.
Punhos serrados e um olhar matador, nada o pararia agora. Ao longe podia ouvir a moça desolada, pedindo para que ele retornasse, porém ele não queria e nem podia. O malfeitor se recuperava devagar, e começava a alinhar sua mira, por isso, tinha a urgência de chegar perto dele rapidamente para atingi-lo outra vez.
Achava ignorantemente que era capaz de desviar-se dos disparos, por isso, observava atentamente a direção das mãos do atirador enquanto se aproximava. Raciocínio por um momento e logo tinha noção do que queria fazer, por isso mirou logo as pernas do homicida, já bem próximo dele.
Por um instante ele parou de disparar e colocou a mão sobre os olhos por algum incômodo inexplicado. Ele não desperdiçou a oportunidade, contou então, um, dois e no três acertou com força um chute lateral no tornozelo do criminoso, que desta vez… estava mais preparado, e se apoiou, não despencando no chão como da última vez. Mesmo ajoelhado voltara a apontar a arma e atirar, agora as chances de acertar o rapaz eram grandes devido a curta distância entre eles. O rapaz por sua vez gingava frenéticamente a frente do atacante evitando ser acertado.
Mas claro, a arma uma hora teria de ser recarregada, e esta hora chegou ainda enquanto o rapaz gingava, o que lhe proporcionou uma brecha para atacar novamente, seu ataque veio como um soco transversal. Para seu enorme espanto, mesmo recarregando o revólver o rapaz munido se esquivou de seu punho inclinando-se para trás. Ao ver que o atirador novamente empunhara a arma em sua direção, seus instintos apenas lhe diziam — Será alvejado! — presumiu enquanto já se preparava.
Contou até cinco e nada aconteceu, foi o que ele pensou, entretanto no final da viela a moça gritava apavorada olhando para ele. Ele tinha sido atingido, porém, sua adrenalina o poupou da dor, mas não do sangramento, que aos poucos manchavam a camisa, a partir do seu ombro perfurado até ficar oculto á cor da calça.
Mesmo ferido aproveitou o intervalo entre o recuo do primeiro tiro e o segundo, e girou a perna com força, acertando o peito de seu inimigo lançando-o para longe. Sem dar espaço aproximou-se velozmente, pois-se a inspecionar as mãos do adversário afim de evitar outra lesão. Colando novamente, segurou com força os cotovelos do outro na direção de seu próprio corpo. Os dois estavam num embate de força, quem venceria? Quem segurava ou quem tentava se libertar?
A chuva já havia os deixado e o sol do meio-dia ardia sobre eles, por minutos a fio. O calor do sol não lhe incomodava no geral, porém, escaldava seu ferimento aberto, e isso começara a lhe causar uma dor escruciante, drenando-lhe força. Via o concorrente ganhar a disputa, e que ele conseguia direcionar os punho e a arma. Rapidamente tentou empurra-lo para longe de si e se afastar, mas reagiu tarde demais, o gatilho foi puxado, e um tiro lhe atravessou o peito.
A dor tomara todo seu raciocínio, não reagia, falava, nem enxergava, somente sentia a dor e a energia o deixar. — Tudo foi em vão, tentei salvar alguém e não salvei a mim mesmo. Eu vou morrer aqui!? Num beco sujo e úmido, serei morto por um cara que nunca vi, um completo desconhecido — Pensou ele cambaleando, fraquejando e se apoiando ao chão. Ele mal ouvia o longínquo grito enlutado da menina, abafado, quase inaudível para ele.
Enquanto seu olhar turvo acompanhava os passos de seu executor, que vinha em direção a ele com um ar vitorioso, desdenhoso, para talvez lhe dizer algo antes do fim. Todavia o que ocorreu foi de ele ser golpeado por um chute, mesmo depois de já estar completamente abatido, foi jogado de costas contra a parede. — Você não devia se meter onde não é chamado, seu miserável! — ele ouviu. O olhar de ódio do carrasco encontrava-se contra o seu, fraco e desiluso. A morte parecia lhe abraçar lentamente, confortando-o, livrando-lhe da dor incomensurável que sentia.
O fim de sua jornada seria ali, sua vida passava na mente, lembrava-se de tudo e conversava com a própria consciência. — Nunca pedi perdão ao Phillip, meu irmão, pelo que fiz a ele, nunca retornei a cidade em que Cecilia morava para dizer como a amava, nunca perdoei Hebert por esconder aqueles segredos de mim — os pensamentos vagavam livremente por toda sua vida. O revólver estava encostado sobre a cabeça, ele sabia o que estava por vir e agora já desistira de tentar lutar, mas, um lapso repentino lhe lembrara da moça, de porque estava ali, do que aconteceria se ele se entregasse agora.
Ele reuniu as últimas forças que tinha, sangrava muito e mal conseguia respirar. Moveu seu corpo debilitado e distanciou-se levemente da parede, e esperou, apurando os ouvido para o momento certo.
Ouviu o raspar da pele sobre o metal do gatilho e sabia que tinha que agir. Puxou as pernas estiradas contra as pernas do assassino e empurrou seus braços para o lado, derrubando. Tomou seu último fôlego e gritou como podia — Vá embora, fuja, salve sua vida! Agora, corra! — berrou ele saltando sobre o homem agora tombado ao chão.
Com seu corpo tornando-se dormente durante a queda, sabia que tinha feito o último e derradeiro esforço, agora, se entregava completamente á morte. Por alguns segundos, pode vê-la se erguer e correr para longe daquele latão em direção a rua.
O combate estava encerrado, tinha sofrido um completo nocaute, mas por uma causa nobre, uma vida. Esperava apenas que tudo acabasse, em silêncio, em paz.
A luz, ele sentia a luz sobre as pálpebras fechadas — Estou caminhando para a luz — pensou ele triunfante, então, se apressou a abrir os olhos, esperava ver o céu, como seria? Um jardim verde cheio de pessoas felizes? Ou nuvens onde pessoas com asas e auréolas flutuavam contentes?
Porém ficou completamente perplexo com o que vira. O beco. O lugar onde tudo aconteceu, iluminado pelo sol. — Como é que estou aqui? Estou morto, não? Estou tendo um vislumbre do futuro? — ele pensou, mas, no virar dos olhos curiosos, viu estirado ao chão, um corpo completamente inanimado, com o rosto desfigurado e coberto de sangue, vestia as mesmas roupas de seu agressor.
Seu assassino estava morto e ele aparentemente estava vivo. Como isso poderia ter acontecido? Ele não sentia nenhuma dor e estava com as energias restauradas. Quem poderia tê-lo salvo e matado aquele homem de forma tão cruel? Algo lhe dizia que não ia demorar a descobrir.
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O Hospedeiro
Mystery / ThrillerUm rapaz descobre que há em si muito mais do que achava.