Loucura? Insolação? Delírio? Nada disso podia explicar o que era aquilo. Uma projeção sua,numa vidraça que tem própria? É com certeza anormal. Então tudo que pude fazer foi observa-la da mesma forma que era analisado por esta. Sua boca não tinha saliva, parecia ter corrido toda uma maratona, as pernas estavam bambas e errantes, os olhos fixos e vidrados nem mesmo piscavam.
— O que esta havendo?- pensou ele. Mas estagnou de tal forma que todos que passavam, olhavam-no com ar intrigado para o rapaz. E ele levou certo tempo para notar. Estava muito ocupado, confuso e assustado, para pensar no que estavam achando dele.
Seu reflexo parecia lhe olhar, como se esperasse algo dele, uma ação, uma fala, um gesto qualquer. Contudo ele estava pasmo demais para agir, até que alguém passando na calçada atrás dele, empunhando algo sobre os ombros, girou o objeto em sua direção. Na mesma hora seu reflexo pareceu notar, e gesticular para ele, que por instinto se agachou e evitou ser atingido pela placa de gesso, que por não golpea-lo, acertou com força a vidraça em que Nathan se observava. Seu reflexo fora destruído junto ao vidro.Completamente estilhaçada, a vitrine se despedaçou e despencou sobre Nathan, que protegeu o rosto com os braços erguidos. Uma pequena baderna acompanhou o acontecimento, o senhor que carregava a placa, os donos da loja, agora sem vitrine e outras pessoas na calçada, faziam alvoroço. O rapaz por sua vez, limpou com as mãos os cacos que estavam em sua roupa e se retirou com passos ligeiros do local. — Fui alertado por meu reflexo?! Como isso é possível? Eu devo estar ficando louco, ou a o calor ta me fazendo mal — falava ele para si mesmo, como se advertisse-se de que estava enganado. Continuou seu caminho para o mercado, olhando para suas mãos, desde que vira a figura obscura, não perdeu nem sequer uma vitrine, analisava na esperança de que o fenômeno se repetira e com medo do mesmo.
Um super-mercado, faxada azul e vermelha, letras que giravam sobre um poste de uns oito metros e um estacionamento para mais de quinhentos carros. Ele atravessou o estacionamento, olhando os carros, pequenos, grandes, enormes, baratos, caros e até um monster truck, que realmente o deixou muito curioso, como alguém havia conseguido tal proeza, estaciona-lo ali entre todos os outros carros mais comuns. Deixou a mente pairar e fugir do ocorrido de minutos atrás, agora a ocupava com as formas mais improváveis e irreais da presença do "caminhão" ali. Até que passou pela porta e voltou sua atenção para a tarefa que viera cumprir. Com vinte minutos e uma cesta, ele comprou tudo que precisava, era solteiro, morava sozinho, tinha um emprego simples de montador de armários, mesas, escrivaninhas e o que mais o mandassem montar, que lhe rendia o suficiente para sobreviver e ter onde morar.
Saiu do mercado com os braços cheios de alças de sacolas, carregadas com carne, óleo, temperos e besteiras que jovens adoram. Quando retornava a atravessar o estacionamento, avistou o enorme veiculo em movimento, fixou e comprimiu os olhos para ver quem era seu dono, mas, as altas janelas cobertas com uma película negra, não o permitiram ver nada. Pegou um pacote de batatas chips , abriu e comeu enquanto voltava para casa, reparou com os cantos do olho, alguém que lhe parecia familiar. — Ei, Wendell! — gritou ele sem tirar os olhos do carro vermelho parado no semáforo. A janela do carro abaixa de um rapaz de mesma idade de Nathan o olha, parece tentar pensar em algo pra dizer, e então — Fala Caio, como você está parceiro? — agora tinha um sorriso genuíno e um olhar de quem estava a espera de tal ocasião.
— Estou de boa carinha, e você?
— Ah, estou bem, cansado e dolorido, mas bem.— afirmou Wendell rindo para o amigo.
— Ai sim, e como estão os negócios? E a Samantha? — Nathan questiona com um sorriso bobo no rosto.
— Os negócios vão bem, está rendendo bem — diz o rapaz enquanto exibe o carro — e com relação a Sam — Wendell ergue a mão e mostra uma aliança dourada a Nathan.
— Caraca, vocês já casaram, nem me convidaram!? Onde foi?
— Foi mal irmão, foi em... — antes que terminasse a frase, foi interrompido pelas buzina do motorista de trás, e sem ter muito tempo — Opa, preciso ir C, outra hora nós nos falamos melhor, tchau carinha, se cuida hein! — disse Wendell acelerando o carro, vendo Nathan acenar pra ele com as sacolas nos braços.
Nathan continua seu caminho para casa. Agora alegre, quase saltitante, comendo suas batatinhas, cumprimentando qualquer que passe por ele. Ele demorou a notar, que fez o caminho do mercado até o lugar do incidente com a vidraça, na metade do tempo que levou na ida. O tempo não pareceu ter mudado, o sol não pareceu ter mudado.
Retomando as vitrines, ele nem se da ao trabalho de olha-las, já que agora não tinha interesse na anomalia. Mas, se engasgou com uma batatinha, ao ver com o canto do olho. O fenômeno se repetiu. No vidro havia seu reflexo, parado de frente a ele, olhando-o andar, passando as vitrines. Uma após a outra ele aparecia, como uma figura estática, imóvel, estava de frente para a rua, enquanto Nath estava de lado, evitando olhar a imagem.
Entretanto os passos de Nath foram abruptamente interrompidos com — Não fuja de mim, estou onde você está, correr não vai ajudar — uma voz grave e abafada se direciona a ele. Parou e olhou para uma das últimas lojas, e lá estava, a figura olhando pra ele. Uma silhueta alta, obscura, a única coisa possível de se distinguir eram os olhos, grandes e alaranjados. Parecia não piscar, não mover, e ainda assim tinha voz.— A muito tempo estou com de você garoto! Vinte e cinco anos de espera, preso, hibernando— disse a voz grave.
—Quem é você? O que é você? — questiona Nathan quase em pânico
—Huum, sou a sua sombra, sou outro algo que vive em você — os olhos da figura, agora, pareciam sorrir.
—Como assim? Você é um parasita? Espera, vive em mim? Que diabos significa isso— o rapaz cospe enquanto gritava com a própria imagem.
—De certa forma sou, não sobrevivo se você morrer. Mas sabe? É interessante, como o ser humano é patético, e, ainda pode ser tão divertido, as vezes!— diz a voz em tom de desdém.
—Cala a boca e me responda, seu maldito!— Nathan se descontrola e avança contra o vidro, fecha o punho e dirige um golpe nele, mas seu punho não atinge nada, parece não haver nada ali. Ele olha a sua volta e vê todas pessoas, andando, conversando, dirigindo e ele mesmo parado olhando a vitrine, como se estivesse inconsciente.
—Você não interage com o mundo externo aqui, criança tola, aqui você só pode observar, como eu observei.
—Onde é aqui? Porque estou aqui, porque você esta aqui?— agora nauseado o rapaz fica estagnado num único lugar. Observando a si mesmo e a seu reflexo.
—Sua alma, seu intimo, seu inconsciente, chame do que quiser, aqui é dentro de você. Você nunca veio aqui, afinal eu vivia aqui, o ser humano não possui noção deste lugar, e minha existência te passou despercebida. Até... que você quase nos matou — a voz que até então, tinha um tom sarcástico e debochado, tornasse um tom sério e irritado — Para sua sorte eu estava aqui, pela primeira, pude tomar o controle, salvei a sua pele e você devia me agradecer!
—E-Então n-no b-beco... foi você! Você me trouxe de volta, você não deixou que eu morresse, você que... matou aquele homem!?— Nathan completamente assombrado, olha a figura com horror e admiração ao mesmo tempo.
—É claro, idiota, acha que eu o deixaria vivo depois de tentar me matar? Nos matar aliás.— diz a voz, indignada e enraivecida.
—Como você fez aquilo? As feridas, o sangue, como?— o rapaz agora mais curioso que nunca se aproxima da figura.
—Você está preso ao seu limite humano, mas eu, não estou preso a isso, eu sou mais, sou forte, mais rápido, resistente, eu... sou... MELHOR!— diz a com voz grave, gargalhante.
—O que diabos é você?— pergunta Nathan quase encostando na figura, entretanto, sua pergunta não foi respondida, uma senhora que passava na rua estranhou o comportamento estático do rapaz e o veio "acudir". O rapaz pisca os olhos continuamente para se focarem novamente, vira-se para a senhora de idade e acena com a cabeça e com as mãos que está bem. Ele volta a olha o vidro, que agora está vazio. Então ele pega as sacolas que estavam caídas e toma rumo para casa.
No caminho, vai mexendo em seu celular, lembrando da sorte que teve em não tê-lo perdido. E torcendo para conhecer a moça que salvara.
Ao abrir a porta e entrar em casa, ele sente o celular vibrar, na tela estava escrito - Chefe!- e isso significava, trabalho. Largou as compras na mesa e atendeu. Seu patrão lhe mandou pro outro lado da cidade e disse para que aguardasse na porta do prédio, seu colega de trabalho, Hebert, estava a caminho. Em quinze minutos, ele chegou e os dois foram trabalhar.
Nath tentou puxar conversa com o companheiro durante todo o trajeto, contudo, o rapaz não se mostrou muito receptivo, evitou responder, não olhou diretamente e ainda parecia irritado. Nathan ficou preocupado, mas seu colega não queria falar e ele não podia obriga-lo. Os dois montaram moveis por horas, noite a dentro, eles mantiveram um bom ritmo. Nath não poderia negar essa tarefa, já que, ganha por serviços prestados e esse era de longe o maior que até agora.
Já passava de dez horas quando finalmente saíram do condomínio, e Nath tentou novamente interagir com o colega. O colega se recusou novamente, disse que era desnecessário contar. Desde então dirigiu com velocidade e imprudência, até deixar Nathan no seu prédio e partir sem deixar um momento.
O rapaz adentrou o prédio e foi pelas escadas, fez o percurso com tamanha rapidez e facilidade que chegou a estranhar. Nunca foi de fazer um treino físico e agora também não estava fazendo, não havia razões para tal força repentina. A não ser, o outro.
Buscou formas de se conectar ao inconsciente, em livros, documentos compactos, vídeos e etc. Porém não ha porque continuar a procura, se quem procura, vem até você.
—Diga menino!? O que você quer?— diz a voz grave em sua retaguarda.
Nathan se vira e avista a figura, não num reflexo, não num canto escuro, e sim na parede, como se alguém estivesse parado em frente a ela.
—Q-Quero entender o que você fez comigo, porque não morri, por me sinto mais forte, porque estou tão estranho.
—Hahaha, Você é engraçado, muito divertido. Mas se você quer saber vou te explicar— disse a voz grave, enquanto a figura cruza os braços.
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O Hospedeiro
Mystery / ThrillerUm rapaz descobre que há em si muito mais do que achava.