Dois homens em um beco, um em pé com mãos ensanguentadas e um completamente derrotado e sem rosto, o que pensariam se o vissem ali? A conclusão simples seria - ele havia matado o outro cara. Ele alternava entre a vontade de ficar ali e descobrir o que acontecera, se realmente tivera matado o homem, e sair de lá para que ninguém o julga-se culpado.
Em passos desengonçados e desalinhados, caminhou até o cadáver, revistou os bolsos e apanhou um celular, ligou para emergência, segurando a voz e disse onde havia um corpo; - Ele não foi uma boa pessoa, mas merece um enterro ao menos - ele concluiu .
Depois ele rumou para fora do beco. A moça que tentara salvar já partira sem olhar para trás, o agressor estava totalmente destruído e ele estava bem, confuso, perplexo, mas bem. Poucos minutos depois ele chegava á rua e via dezenas de transeuntes, todos pareciam perfeitamente normais, ninguém parecia saber o que acabara de ocorrer e ele não tinha nenhum motivo para desejar que soubessem dos fatos.
Minutos, infindáveis passaram-se antes dele chegar em sua morada. Atônito, ele andara até ali sem qualquer noção dos próprios passos, o corpo parecia agir por instinto, levando-o para casa. Ele adentrou o prédio e atravessou o saguão depressa, parecia querer evitar algo ou alguém que pudesse estar lá. Alcançou as escadas e subiu em absoluto silêncio, era só ele e seus pensamentos. Até chegar no apartamento, quando recobrou um pouco de percepção.
Entrou no apartamento e bateu a porta, andou até o quarto, de cabeça baixa, apenas via os passos dele, um em frente ao outro, e se sentou à cama sem olhar para qualquer lado. Não soube quanto tempo esteve ali antes de ser tomado de curiosidade para avaliar-se. Levantou-se novamente e andou rapidamente até o espelho.
O reflexo lhe deu mais dúvidas que respostas, a camisa estava perfurada no ombro e no peito, ambos os locais em torno deles estavam amplamente besuntados, manchados de sangue, contudo, não havia qualquer indicio, cicatriz ou qualquer coisa que indicasse as lesões que já estiveram ali.
Ele revia repetidamente os acontecimentos, via quando avançara pela viela, quando dominava o assassino e quando estava dominado pelo mesmo. Tinha certeza de que não estivera sonhando, sua camisa, o sangue, toda vestimenta lhe reforçava que era real.
Sera que ainda sou humano? Será que alguma força maior me trouxe de volta?
A reflexão foi interrompida com o roncar do estômago, alto e bem claro. Ele estava faminto, já passaram-se horas, a reserva de sustendo tinha sido gasta e agora precisava de recarga. Então ele preparou um almoço rápido, ovos mexidos com calabresa e arroz. - Isso deve ser suficiente - ele pensou, mas não foi, ele fez a mesma quantidade que sempre costuma comer, porém, hoje essa porção não lhe satisfez, o que lhe rendeu ainda mais dúvidas.
Depois de concluir tudo que preparou a mais, entretanto, foi degustar á beira da janela do quarto, que dava direto para rua. Ele ficou ali, vagarosamente, sem preocupação, nem parecia ser a mesma pessoa do beco, não parecia ter milhares de perguntas ricochetando na mente.
Uma hora, foi o tempo que ficou ali, aéreo, parecia viajar em pensamentos diversos. Até se tocar de que não poderia passar o dia admirando a vida alheia, quando a sua estava dos avessos.Tinha uma serie de dúvidas e precisava sacia-las.
Como não havia quem o responde-se, decidiu recorrer a internet, o grande deposito das informações. Trocou de roupa, deixando camisa e calças sujas no fundo do cesto. Tomou um pouco de dinheiro e foi para uma biblioteca que disponibiliza computadores gratuitamente. Passou mais de três horas entre pequisas e livros, para encontrar algo que o respondesse. E descobriu algumas coisas como onde a moça trabalhava, casos de pessoas com ações sobre-humanas, pessoas que produzem pequenas descargas elétricas, pessoas que não sentem dor alguma, pessoas que controlam o próprio metabolismo e até outras funções do corpo, talvez este fosse o caso dele, porém, ele pensara ter feito tudo de forma involuntária.
Depois de horas de pesquisas exaustiva, tomou então o caminho de casa, já passava de 18 horas, e a noite começara a cair. Dirigiu-se pra casa assimilando tudo que aprendera, eram dados complementarmente novos que podiam lhe dar um caminho. Calmamente ele ia, sem pressa, sem hora pra chegar, a noite caiu e ele continuava a caminho. A mente pairava livremente, até que por um momento, pensou ter visto sua sombra se deformar à luz do poste, esticando-se para o lado oposto como se quisesse se afastar dela, mas logo perdeu interesse nisso.
Chegou em casa e tomou um banho, longo e revigorante. Enquanto se lavava, tateava os locais onde deveriam haver feridas, e eles nem sequer tinham cicatrizes.
Depois de terminar, o banheiro estava repleto de vapor, ele não sentia o frio da noite, o calor completava o lugar todo. Dirigiu-se ao espelho pra arrumar o cabelo, porém, quando chegou a frente dele, viu que atrás de si havia uma sombra, uma silhueta, maior que ele mesmo, parada ali atrás dele, imóvel. Virou-se num pulo, talvez alguém estava dentro do banheiro com ele, mas quando olhou a reta guarda, nada nem ninguém estava lá. Ele se voltou ao espelho e a silhueta sumira. Ele ficou bem curioso com tal fenômeno, já que este era o segundo desta noite, mas, logo parou de pensar nisso e pois-se a arrumar-se.
Depois de arrumado encaminhou-se para a cozinha, estava com fome, a noite já caíra a horas, então precisava ingerir algo. Nada melhor do que um grande balde de asas fritas, acompanhadas de refrigerante. Levou meia hora até acabar com o balde todo em frente a TV. As notícias não tinham nada de novo, apenas mortes, acidentes, desastres, e um beco com um homem morto e desfigurado.
Na notícia do beco, seu corpo congelou, a boca secou e os olhos esqueceram-se de piscar por vários minutos. O repórter disse que o morto era um criminoso, cometera homicídios, roubos, sequestros, era procurado, mas se escondia muito bem. A reportagem conversou com uma moça também, uma jovem de cabelos roxos que estava no local em choque quando todos chegaram. Ela falou de um jovem que a salvou, disse que ele havia sido gravemente ferido e que morreu em seu lugar, mas, quando questionada sobre onde estaria o tal corpo e quem era, ela não teve nada a dizer. Com a garganta mais seca que nunca, ele tornou e esvaziou a garrafa de refrigerante que havia pego.
Não foi um sonho, aquilo aconteceu, ela sobreviveu ele cumpriu o objetivo. Ele ergueu-se da poltrona eufórico, saltitante, dizendo — Eu consegui! Eu consegui! Eu a salvei! Eu a salvei! Eu sou um herói! Eu sou um ... — seus pensamentos voltaram a lembrar do assassino que fora assassinado. Ele estava morto e ele era o único presente naquele lugar, ninguém teria capacidade de fazer aquilo em tao pouco tempo, não ha medicina no mundo que restaure feridas como ocorrera com ele. Com uma voz mais baixa e constrangida, ele disse quase sussurrando — Acho que também sou um homicida! — agora que se sentia feliz e horrorizado ao mesmo tempo. Passou breves minutos meditando nisso, entretanto um "pensamento" lhe atingiu - Foi legitima defesa! Com certeza foi para me defender! Eu quase morri mesmo!- ele ouviu em sua mente, mas esses pensamentos não eram dele, ele não pensava assim, ele não agia assim, por isso, ficou perplexo consigo mesmo por pensar isso.
Então decidiu se deitar, trancou a casa, fechou todo e foi-se, devia estar cansado e delirante. Nem mesmo terminou de ajeitar nas cobertas antes de o sono lhe invadir e os olhos começarem a pesar. Parou olhando o teto esperando adormecer, uma sombra começou a adentrar o campo de visão, parecia consumir a luz que vinha de fora, parecia querer dominar completamente o ambiente, piscou freneticamente achando que os olhos estava cansados e nada mudara, a luz estava em uma pequena parte apenas, uma unica fagulha que lhe permitia enxergar algo, mas ela também foi consumida. Não via nada, não ouvia nada além da própria respiração e descompassada, até notar nas sombras algo que se movia, ia em sua direção como se caminha-se pelo quarto até a cama, assustado, ele apenas observava, se alguém estivesse ali no quarto, claramente não iria se aguardar se ele berrasse. Levou uma eternidade se passou até que esse alguém chegasse nele. Ela se aproximou e parou lhe observando, então se ajeitou e se sentou no chão ao lado da cama. Ele a vigiou por muito tempo, tanto tempo que seus olhos se fecharam sem que ele se desse conta, caiu no sono, acordou depois num tranco alerta e se sentou na cama. Tudo estava perfeitamente normal, sem sombra, sem ninguém, só ele deitado á cama. Ele retornou a se deitar e a dormir.
Na manhã seguinte acordou restaurado, sentia-se melhor do que nunca. Atento e disposto. Ele se levantou para fazer as atividades matinais, foi até o banheiro e puxou a maçaneta para abrir a porta, mas, ela se soltou em sua mão, para seu espanto, contudo não se deixou abalar, e continuou o dia. Ele tomou café, jogou, conversou com todos amigos e conhecidos, até o metade do dia, enfim algo saiu do comum e ele teve mais empolgação, acabara de encontrar o contato da moça do cabelo roxo, por intermédio de outros contatos, agora poderia conversar com ela e conhece-la. Esperou até estar disposto e calmo para manda-la uma mensagem através de um aplicativo. O aguardo lhe deixou muito ansioso, não sabia o que ela diria, gostaria de ser respondido rapidamente, queria conhece-la e saber mais dela.—Oi, quem ta falando? Eu te conheço? Como conseguiu meu número? — ela questionou, bem desconfiada dele.
—Ah olá, eu sou Nathan Caio, já nos vimos mas não chegamos a conversar — respondeu ele rapidamente ao notar a hesitação dela.
— Hm, Okay, mas, como conseguiu meu número e também eu nunca ouvi esse nome.
— É, realmente, desculpe se te assustei, só gostaria de conversar, e também, você apareceu na TV, meus conhecidos conseguiram achar seu número depois disso.
— Entendi, mas o que você quer comigo?
—Só conhecer, eu sou ...
— Você é ?
— ... O rapaz do beco — disse ele sem saber qual seria a reação dela.
—Não, não pode ser, ele morreu, eu o vi ser baleado e sangrar...
—E eu fui e sangrei mesmo, muito alias, mas não morri!
—Como não ? Como alguém poderia sobreviver a aquilo? Sabe, também está sem foto e você mesmo disse que me viu na TV e poderia ser qualquer maluco querendo se aproximar de mim ... então acho vou te bloquear. — ela mandou decidida, mas curiosa.
— Nem eu sei responder isso, desculpe, mas a dor no ombro e no peito realmente foram escruciantes. Eu não sei como ou porque, porem ainda estou aqui, e gostaria de saber se você estava bem, já que fiz o que fiz para que ele não te matasse.
—MEU DEUS! Como você sabe onde ele foi alvejado? Eu não falei isso para o reporter! CARACA! É você mesmo! Mas como? O que aconteceu? Eu sai de lá e vi você, com isso é possível?
Depois dela compreender as coisas, eles conversaram, por horas a fio, se conheceram melhor e até concordaram se encontrar um dia para conversar pessoalmente. Quando finalmente pararam de se falar, já passava na metade da tarde. E ele tinha coisas a fazer, comprar algumas coisas, arrumar e descartar outras, então se agasalhou, a tarde estava fria, ensolarada e sem nuvens, mas, um vento gélido fazia com que todos andassem bem cobertos.
Depois de arrumar trincos e pés de cadeiras, separou o que devia ir pro lixo e saiu do prédio. Depositou os sacos no lata e dirigiu-se para o mercado. Mas, algo não estava certo, o sol estava quente, nele o sol ardia como uma fornalha acesa, mesmo com vento, mesmo caminhando na sombra, o sol lhe afetava de forma anormal. Parou num sombra para tentar entender o que estava acontecendo ali, olhou o agasalho, calça, sapatos e nada parecia diferente. Entretanto quando retornou a caminhar, viu seu reflexo num vitrine de loja, mas ele estava desalumiado, dos pés a cabeça, não havia distinção de onde estavam as mão e onde começavam as pernas, estava assustado, isso não deveria acontecer.
Ficou avaliando o que seria aquilo, não sabia se era real, se estava vendo coisas ou estava sonhando, contudo, o coração saltou no peito, ao ver o reflexo se mover por conta própria, como se fosse outra pessoa. Continuou olhando o fenômeno exótico, no entanto, seu sangue congelou nas veias quando, o próprio reflexo obscuro lhe encarou de volta.
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O Hospedeiro
Mystery / ThrillerUm rapaz descobre que há em si muito mais do que achava.