Ray-1

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E se vocês ainda sangram, vocês são sortudos
Porque a maioria dos nossos sentimentos estão mortos e se foram
Youth- Daughter
  
    "Então pare de chorar e sorria..."
   Foi o que ele disse, segurei na sua mão e pulei, sem pensar duas vezes, lembro das lagrimas do medo, e me perguntei se era mesmo aquilo que eu queria.
    "Se sobreviver, você estará mortar, pois não viverá mais como você..."
    "Sim..." somente sim.

   -Que porcaria de semáforo!- ouvi a voz alterada do meu lado- Levante os vidros Ray. - quando ficavamos parados em um lugar por muito tempo era sempre assim . Gostavamos do frio, do vento, da noite, e minha maior fascinação ainda era a lua cheia. Azul, enorme, afastando todo e qualquer medo.  Mas Não podiamos arriscar -RAY! - Outro grito, me despertando de meus devaneios.
   -Ham? - percebi suas mãos se fecharem
em volta do volante, tensas.
   -Como assim "Ham"?Presta atençao pirralha! -silibou entre os dentes sem me olhar, a luz verde nos iluminou e ele acelerou tendo a resposta esganiçada do motor do  Camaro RS . -Você e seus pensamentos malucos da lua. As vezes parece...
   -"Que eu quero morar lá"-o cortei completando sua frase rotineira- eu sei, eu sei. Mas não consigo evitar, é quase como um...
   -"Porto seguro", ja me falou isso pirralha. -Zack tinha os olhos no asfalto a nossa frente- Deveria tentar esquecer do que aconteceu, já conversamos sobre isso. - o silêncio se instalou e em seguida ele pode ouvir um "Desculpa" era o sinal, o meu sinal, de que queria mudar de assunto ou simplesmente deixar pra lá . Vi suas mãos irem até o rádio, uma estação qualquer, em uma musica qualquer, não ligavamos, era somente para espantar o silêncio.
   Cinco anos e uma semana que nos conheciamos, cinco anos se passaram desde que saimos daquele prédio aos pedaços, quatro anos e seis meses que viviamos juntos, sem leis, sem regras. Os limites civis não existiam para nós, embora quiséssemos viver como cidadãos normais, eramos complexos demais para parâmetros normais.
    Na noite em que sumimos, depois de sairmos daquele hospital, Zack quebrou tres dos cincos dedos da mão direira e eu fraturei a perna da queda da janela, roubamos um carro, a adrenalina que corriam nas nossas veias era demais para que a dor encomodasse. A perseguição durou uns 15 minutos, até que em um movimento desesperado ele jogou o carro da ponte, a água do rio era azul, fria e nos escondeu enquanto nadava-mos para a terra. Foi quando entendi o que ele tinha me dito.
   A polícia não teve mais notícias, não acharam corpos, Zack não matava mais como antes então não havia homicídios a serem investigados, por hora estavamos seguros, anos depois o caso do Foster asassino foi arquivado. Já estavamos longe quando fomos esquecidos, em uma cidadezinha pacata e pequena, de pouca informação e com pessoas que Zack julgou verdadeiras. Tinhamos um passado obscuro, mais conseguíamos viver, sem levantar suspeitas.
    Passamos a morar em uma casa abandonada que existia em uma floresta próxima a cidade, quando chegamos era um mausoléu que aos poucos reformamos, claro, da forma que podiamos, estava ótimo para nos dois, não eramos encomodados embora quando iamos a cidade fazer compras ou vender lenha, que na época parecia uma saída, além claro, de manter Zack ocupado e gastando suas energias, ele era bom em cortes e destruição em massa. As pessoas olhavam um pouco e ficavam curiosos, afinal chegamos durante a noite molhados e machucados no unico hospital da cidade, noticias corriam rápido ali.
   Em pouco tempo nem reparavam mais, durante esse período, aprendi um pouco mais sobre ele, tratei de suas cicatrizes, que diminuiram consideravelmente, mais Zack ainda ultilizava bandagens. O ensinei a ler, com certa dificuldade por conta de sua teimosia, mas ele aprendia rápido e depois de descobrir o que podia fazer com a leitura não parou mais. Seu medo de fogo ainda existia, mas agora somente de grandes labaredas e incêndios, as vezes até arriscava cozinhar.
   Tive que aprender a cozinhar, não viveriamos muito apenas comendo biscoitos, sucrilhos ou salgadinhos com coca-cola. Tinhamos Televisão embora dificilmente usássemos, e um cachorro que viva paciando e quase nunca estava la. Zack o apelidou de esquisito. Preferiamos sair a noite para qualquer lugar, ou até mesmo, somente dirigir pelas ruas da cidade, as vezes indo para um cinema, escolhendo sempre filmes de herois ou comédias bobas.
    Esquecemos do sangue, de mortes e da violência, Mas não de nossa promessa, do meu pedido, que se tornou um juramento, Zack tomou sua parte, de me matar, como uma promessa de proteção, onde só quem podia me machucar ou matar, seria ele e mais ninguém, me protegeria até o fim, e eu, lhe seria útil, cuidaria dele de todas as formas que conseguisse.
   Para todos os efeitos eramos dois irmãos, Zack e Ray os órfão de lugar nenhum. Embora não fosse realmente a verdade, não precisamos mentir, até porque não seria o certo.  Tiraram suas conclusões e não desmentimos.
    Em certos momentos, chegava a pensar que realmente eramos irmãos, como o ocorrido a quatro anos atrás, ao completar quatorze anos, fiquei "mocinha" como a enfermeira do hospital tinha dito. Em um dia qualquer amanheci no sofa todo sujo de sangue. O medo me invadiu e só conseguia chorar e chamar por Zack. O desespero dele também foi enorme, pensou que alguém tivesse me machucado, ou que ele mesmo, inconscientemente tinha me ferido e tudo só piorou quando comecei a sentir dores internas, Zack não costumava sair, mas nesse dia me levou as pressas para o hospital, nunca esqueci do seu estado naquele dia, o horror o medo, me senti, pela primeira vez em anos, como se fizesse a diferença para alguém e com isso, meu desejo suicida diminuiu.
   Em outros momentos somos excelentes amigos, nossa parceria, as conversas livres e as perguntas que só consigo fazer a ele, todas as muralhas em volta de mim não existiam para Zack. A uns meses tentavamos juntar dinheiro, ele até trabalhou um pouco em um ferro velho, mas o dono passava por tempos finaceiros ruins e como pagamento a ele lhe ofereceu o carro que estamos hoje, Zack ficou muito feliz, seu primeiro carro, o Camaro RS cor verde da qual ele tinha tanto ciúme, Zack falou durante uma semana inteira dele e todas as vezes eu não deixava de ficar feliz por ele, nossa amizade era verdaira e única. E existe momentos, poucas vezes, que não sei como lidar, tem acontecido mais vezes de um ano para cá,  desde que passamos a morar aqui, eu dormia no sofá, que carregamos juntos para o quarto, Zack dormia na cama por ser maior e Mais velho. Me lembro da sua voz rouca entre o travesseiro "Deita aqui pirralha... esta frio" realmente estava, era dezembro e a floresta esfriava batante. Mas dormi ali o resto do ano inteiro, até hoje.
    -O que acha de um sorvete antes de irmos pra casa Ray? -ele falou depois de muito tempo.  Mandei meu sorriso rotineiro -Cinco anos... e você ainda não consegue sorrir Ray... -ele riu nasalado. -Melor irmos logo, irá chover logo.

 " E existe momentos, poucas vezes, que não sei como lidar..."
   
  

  
  

O que existe entre nós - Satsuriku No TenshiOnde histórias criam vida. Descubra agora