Capítulo 2 "Seu olhar. Eu sei que ele pode me matar"

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A chuva do lado de fora bate ferozmente contra a janela.

Sentada na beirada da cama, observo dolorosamente enquanto as gotas de água escorrem pelo vidro embaçado. Com um suspiro pesado dentro do peito, olho sorrateiramente para o relógio em cima da cômoda.

São quatro horas da manhã e nem mesmo o som barulhento dos raios conseguem abafar o que está acontecendo lá em baixo.

Em uma tentativa de me sentir um pouco mais segura, agarro as pontas das cobertas e as junto perto do peito.

Eu sei que ele está bêbado, eu já sabia disso no minuto em que ele estacionou o carro em frente ao nosso portão.

Além de ter demorado mais de meia hora para abrir o maldito cadeado, seus passos cambaleantes são inconfundíveis. Eu aprendi a decorá-los.

A confusão no cômodo de baixo começou a mais ou menos uma hora. É assustador. Pratos, mesa, copos. É possível ouvir tudo se quebrando, provavelmente sendo arremessados em todas as paredes da cozinha.

Não sei por que ele faz isso, não sei de quem ele está com raiva, mas de alguma maneira, sei que sou eu quem vai levar a culpa.

Limpo a lágrima quente que escorre pela bochecha e encaro minhas pernas nuas estiradas para fora da camisola larga e confortável. Morbidamente as minhas coxas, decoradas de roxos e arranhões, combinam perfeitamente com o tecido frágil, assim como uma pobre vítima de filme de terror.

Passo os dedos suados por cima da camisola, alisando-a. Por algum motivo ele sempre me obriga a vesti-la, talvez porque, antes de morrer, minha mãe não passava uma noite sem dormir com as suas famosas camisolas de seda.

Infelizmente, para estas circunstâncias, talvez me pareça demais com ela. Talvez isso o lembre. E ele gosta disso, eu sei que gosta.

Finco as unhas na pele exposta das minhas coxas e aperto os lábios um no outro com força, tentando abafar o soluço que escapa entre eles.

Que maldita ironia de merda. Quem poderia ter imaginado que a peça de roupa predileta da minha mãe, um dia seria meu castigo?

O diabo, provavelmente.

Sei que não há mais tempo para lamentos, pois nesse momento, escuto seus passos no corredor. A porta se abre lentamente e o ruído sútil da maçaneta ecoa por todas as paredes do quarto, tornando o som muito mais alto do que gostaria. Aperto os olhos com força, torcendo para que Eliza já esteja dormindo, quando os abro novamente, encontro através do reflexo do espelho a silhueta do seu corpo alto e robusto parado logo atrás de mim.

Um calafrio de puro pavor corre por toda a minha espinha, um lembrete claro e urgente do que estaria por vir.

Posso sentir o formigar em minha nuca quando o toque áspero de seus dedos calejados se espalha pelos meus ombros.

Não quero que ele me toque.

Não quero que ele me toque nunca mais.

''Não resista desta vez, está bem? Tive um dia bem estressante''. A sua voz sai enrolada, fedendo a uísque e cigarros. Um cheiro característico do próprio inferno.

Aperto as mãos junto ao corpo à medida que suas unhas encontram caminho até a alça fina da minha camisola, e nesse instante, eu sinto. A minha alma está sendo partida novamente.

Quero vomitar, correr ou gritar, talvez tudo de uma única vez. Mas não posso, estou presa a ele. Estou fodidamente presa a ele por conta da única coisa que considero importante em minha vida.

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