O dia já está nascendo quando entramos nos arredores da fazenda. Ao longe sinto o cheiro de leite, café e mel. A carruagem nos protege da grossa neblina do alvorecer que invade os campos, fazendo o ambiente ficar um pouco abafado por causa de nossa respiração. Garry observa o movimento pela janela, tão tranquilo e ao mesmo tempo tão nervoso por ter que lidar com tia Cornélia, que pode ser uma mulher bem temperamental às vezes.
Penso que eu poderia não ter dormido bem, pensando sobre isso, mas a verdade é que eu dormi muito, muito bem. Tão bem que acordei apenas quando Garry me chamou para fazer o desjejum. O cheiro de leite e mel se intensifica quando entramos no vale e passamos pela casa de Delila, nossa caseira, e me controlo para não pedir que parem para que eu posso tomar um pouco daquele leite com canela e mel que ela faz antes do alvorecer. Vejo que a postura de Garry está tensa, seus lábios estão contraídos e a testa retesada. Ele mal sabe que ela não irá falar nada com ele, e sim comigo. Pelo menos não vou deixar que Garry leve toda a culpa, que na verdade é toda minha. Eu que comecei tudo, e eu sei que no fundo eu queria ainda estar naqueles lençóis quentes e macios, aninhada em seu peito... como fiz a noite inteira.
Estou apenas fingindo.
A carruagem diminui o ritmo e faz uma parada, é quando o vejo apertar com força sua bengala e me lançar um olhar tão tenso que tive que colocar minha mão sobre a sua e assentir de forma confiante. Ele sai primeiro da carruagem, me estendendo a mão para descer. Reparo que ele está muito bem vestido, como se fosse assistir a algum concerto ou ópera, além de estar cheirando muito bem. Seu perfume me faz recordar de meu avô, que por acaso usava o mesmo. É uma antiga colônia de aroma muito agradável produzida na Polônia, que hoje em dia é bastante cara, pois foi um dos produtos que sobreviveram as guerras.
Ele me estende o braço para acompanha-lo, mas pondero se seria adequado. Tia Cornélia pode desconfiar de alguma coisa, eu não quero que ela saiba agora.
- Não Garry, todos sabem que eu não ando acompanhada dessa forma com cavalheiros.
Ele está tão tenso que apenas assente e então começamos a caminhar até minha casa. Enquanto caminhamos vejo que a chuva fez um estrago no vale, e que Delila e o velho Dorson vão ter bastante trabalho nesses dias. Penso em como deve ter ficado meu pomar e o jardim, e que eu vou ter bastante trabalho. Meu estômago se revira quando vejo tia Cornélia sentada na cadeira de balanço, com uma lamparina ao seu lado. Por quanto tempo ela ficou parada ali, apenas me esperando? Me sinto culpada e zangada. Ergo o queixo para não deixar que ela veja que estou me sentindo arrependida de alguma maneira. Quando finalmente nos avista em meio a neblina grossa, ela levanta da cadeira com um solavanco e coloca a mão trêmula na boca, sufocando um choro desesperado.
- Ah graças a Deus! – ela grita e desce a escada, me dando um abraço forte. – Larsa, por onde andou?
Dou um abraço reconfortante nela e percebo Callum parado logo ao lado da cadeira que balança sozinha. Ele esteve me esperando também? Se esteve, então deveria ter avisado a tia Cornélia que eu estava com Garry...
- Desculpe tia – murmuro, limpando suas lágrimas com seu lenço. – Eu estou bem.
- Mas por onde você andou querida? – ela aperta minhas mãos e me lança um olhar aflito. – Eu pensei que nunca mais a veria! O Sr. Callum retornou de seu passeio sozinho, disse que a perdeu de vista e achou que você tivesse retornado ao vale.
Abro a boca para me justificar, mas Garry coloca a mão em meu ombro e cumprimenta tia Cornélia, que logo abre um imenso sorriso ao vê-lo, parecendo esquecer que que tudo aquilo havia acontecido.
- Bom dia Sra. Phillips...
- Ah, por favor! Me chame apenas de Cornélia – reviro os olhos por dentro. – Fico tão feliz que minha querida sobrinha esteja acompanhada de um grande homem como você!
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O Vale das Mariposas
RomanceQuando perde a mãe e a irmã mais velha para a tuberculose, Larsa se vê totalmente perdida no mundo. Cansada dos abusos do padrasto, ela larga os estudos e decide refugiar-se no antigo chalé da família com sua tia, acreditando viver intensamente, is...