o1| Quando Callum esteve lá

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- As lagartas insistem em viver onde não são bem-vindas!

Lanço um olhar acusador para uma lagarta grande e gorda que caminha lentamente sobre o frágil tronco de minha macieira ainda jovem demais para suportar uma praga. Ela é verde vibrante e possui perninhas vermelhas impacientes. Ajeito as luvas em minhas mãos e suspiro com força, analisando os pequenos danos que ela já havia causado. Algumas folhas da macieira estavam comidas e muitas outras se encontravam amareladas. A pequena macieira está demorando mais que o normal para crescer, como se um solo fértil não fosse o suficiente. Pondero colocar um pouco mais de fertilizante, mas lembro que meu reservatório já está quase no fim, e não será nada fácil encontrar e tampouco tenho algum dinheiro sobrando. Está cada vez mais difícil viver em tempos de guerra, o racionamento é cruel e perverso.

- Por que você não pode comer só uma folha? Não é o suficiente? Vamos lá, é só uma lagarta gorda – como se ouvisse, ela ergue um pouco o corpo cilíndrico, exibindo os três primeiros pares de pernas, como se quisesse me dar um abraço. – Só não te mato porque você vai virar uma linda borboleta.

Coloco minha caixa de ferramentas de jardinagem no chão e procuro por alguma coisa que eu possa usar para tirar a inquilina indesejada dali.

- Nossa, como sou tonta! – meu chapéu acaba caindo quando me curvo para rir. – Acho que só basta usar um galho.

Olho para os lados e não encontro nada. A grama está perfeitamente intacta e então lembro que Delila mais uma vez andou por aqui, sempre limpando tudo que fica em desordem. Dou a volta pelo pomar, ainda irritada com a limpeza extrema que ela costuma fazer. Não importa quantas vezes eu diga, ela sempre acaba fazendo a mesma coisa. Sempre e sempre. De que adianta limpar um jardim? Simplesmente não faz sentido! Já sei, quando eu chegar vou dar uma bronca daquelas nela, não quero mais ninguém xeretando em meu pomar e muito menos em meu jardim! Não até a temporada de visitação começar, que é onde os estrangeiros começam a chegar para as festividades locais. Somente nesse período é que abro uma pequena exceção, e só abro mesmo porque enfim eu sempre acabo ganhando na feira de flores e irei precisar de dinheiro.

Observo a copa das árvores e vejo que estão cada vez mais fechadas, bloqueando a luz do dia. Penso que talvez precisem de uma podada e decido ir falar com o velho Dorson mais tarde. Um vento frio invade o pomar, agitando as árvores em um movimento serene. Ele traz consigo aquele cheiro suave de chuva, daquelas que descem das montanhas e invadem os vales nas manhãs.

- Acho que vai chover – a primeira gota cai. Olho para cima e então mais uma gota cai em minha testa. – E vai ser uma chuva daquelas bem frias... daquelas que trazem as mariposas consigo. As mariposas e os vaga-lumes.


O tempo fecha e o frio desce com o vento. Aperto o cardigã branco em volta do corpo e começo a caminhar de volta para a varanda, onde deixei a caixa de ferramentas. Os pingos de água logo se tornam chuviscos e um pequeno galho se desprende de alguma árvore lá em cima. Sorrio em forma de agradecimento e pego o galho, andando depressa até a pequena macieira. A lagarta não está mais no mesmo lugar, e para a minha frustração, não a vejo mais em nenhuma parte. A chuva se torna mais densa, mas percebo que já é tarde demais para mim quando olho para o vestido azul completamente encharcado, assim como o cardigã.

Ouço minha tia me chamando ao longe, mas a ignoro completamente quando sei exatamente do que se trata. Não tenho interesse em receber pessoas estranhas em nosso chalé, ainda mais sabendo que tipo de pessoas vão passar uma temporada por lá. Ela continua chamando, eu sei que vai ficar brava quando eu aparecer na porta da frente molhada e suja de lama. Eu sei que vai ficar brava quando eu não abrir um sorriso para os estrangeiros. Eu sei que ela já está brava por conta de minha ausência nesse exato momento, era para eu estar lá, recebendo aquelas pessoas que nunca vi em minha vida, acolhendo-as em meu chalé como se fossem bem-vindas. Não para mim. Preferi sair correndo de lá antes que a primeira luz do dia alcançasse o topo da colina. Eu não gosto de fingir sorriso para ninguém, então achei melhor me refugiar em meu pomar, onde ninguém mais que as lagartas possam me incomodar.

O Vale das MariposasOnde histórias criam vida. Descubra agora