Uma junta de crianças quase me acerta quando atravessam a rua completamente eufóricas para perseguir um carrinho de sorvetes. Olho para aqueles rostos felizes e corados e penso que talvez o mundo finalmente esteja se reerguendo. Um caça corta o céu acima de nossas cabeças, lançando uma rajada de vento para baixo. Seguro meu chapéu para não o perder, então observo Callum conversando alegremente com o grupo de crianças que está comprando sorvete. Sorrio comigo mesma ao notar que ele parece bem melhor essa manhã.
Termino de empilhar os inúmeros vasos de flores que trouxemos de meu jardim, na nas prateleiras largas da loja do velho Dorson. Pego o regador vermelho e molho as flores maiores que vejo que sofreram um pouco mais de desidratação, depois coloco um pouco mais de humo em alguns outros vasos. Retiro as luvas e as coloco na bancada, olhando satisfeita para o trabalho que fiz. Consegui coletar e cultivar flores diferentes esse ano, e ficaram todas muito boas.
- Ainda não sei como uma jovem consegue ser tão talentosa – Dolores aparece entre as cortinas com o avental sujo de terra. – A jardinagem é uma arte que nem todo mundo sabe dominar, ainda mais pessoas tão jovens.
- Bom dia Dolores – falo, reparando no punhado de bobes presos em seus cabelos loiros. – Não me diga que você ainda está tentando alguma coisa com aquele soldado refugiado?
Ela revira os olhos, retirando as luvas sujas e as colocando no balcão.
- Ele é alemão Dolores... e quem lhe garante que ele não é um criminoso de guerra?
- É claro que não é Larsa, ele estava ferido quando o encontrei na costa. Reiner é um homem bom, ele era da Resistência sabia? Sua família agora somos nós. E vê se para com essa aversão pelos alemães, não tem nenhum nazista aqui.
- Vou tentar – murmuro. – A verdade é que você está apaixonada por ele, e vão sair hoje, não é mesmo?
- Humm – ela estreita os olhos na direção de Callum. – Falando um pouco de você, não vai me dizer que aquele queixo quadradinho e perfeitinho não é de um homem alemão?
Solto uma risada.
- Que tipo de pergunta é essa? – pigarreio.
- Apenas responda – ela estala a língua.
- Ele é alemão sim – ela me lança um olhar irônico e levanto as mãos em sinal de rendição. – Certo, certo. Retiro o que eu disse.
- Você realmente está mais feliz desde a última vez que a vi – ela me encara de um modo estranho. – Bochechas mais coradas, sorriso fácil no rosto e está até mais simpática. Eu diria que a sua situação não está muito diferente da minha.
- Não viaja – retiro meu avental. – Ele é só meu amigo.
- Percebi – ela solta mais uma risada quando reviro os olhos. – Seu amigo por acaso está doente? Ele me parece meio apático, ainda mais usando aquela máscara.
- Está, mas vai ficar bom – repito. – Ele veio passar um tempo longe da cidade grande para melhorar, logo estará completamente saudável e poderá partir.
- E você vai deixar um homem desses fugir assim? Sem fazer nada?
- Pode ir parando, ele já é praticamente casado – observamos Callum agora cercado pelas crianças lambuzadas de sorvete, que faziam inúmeras perguntas sobre sua máscara. – Ele não iria querer nada com uma caipira como eu – falo isso mesmo lembrando do que ele me disse na última vez em que ficamos sozinhos.
- Deus do céu, olha só! Ela está até dispensando os mais belos pretendentes – Reiner nos surpreende quando aparece entre as cortinas carregando mais dois vasos grandes com girassóis. – Bom dia Larsa – seu sotaque carregado me lembra o de Callum. – Eu realmente não saberia reagir com dois homens interessados em mim – ele solta uma risada pomposa quando eu e Dolores lhe lançamos olhares confusos. – Calma, calma. É que o médico uma vez perguntou sobre você.
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O Vale das Mariposas
RomantizmQuando perde a mãe e a irmã mais velha para a tuberculose, Larsa se vê totalmente perdida no mundo. Cansada dos abusos do padrasto, ela larga os estudos e decide refugiar-se no antigo chalé da família com sua tia, acreditando viver intensamente, is...