| Melody |
Atlântida brilhava de noite. Aquele reino há muito perdido que é a nossa casa. Mitos passam por várias fontes chegando a nós, uma mentira cada vez maior que nos faz abanar a cabeça de tanta parvoíce que dizem. É simplesmente deslumbrante pois o luar - luz da lua - reflete nas ondas da água que por sua vez reenviam os feixes de luz para os picos mais altos do nosso palácio.
Fazemos questão de nomear este nome comum no lugar de castelo, visto que são designações completamente diferentes. Em tempos passados, rumores de que castelos eram enormes porções de pedras sobrepostas umas nas outras criando uma casa grande de quatro paredes só que com dimensões inesplicáveis. Já os palácios são típicos de zonas calmas com algma população, com vestuário apropriado para as celebrações. Aqui abordamos o segundo aspecto apesar de ter costumes diferentes.
Estava tudo muito sereno, o que não podia ser um bom sinal. Hoje era o dia em que eu ía abdicar da minha vida aqui no mar para a terra. O problema era a maneira como eu iria executar os planos, sem pedir autorização, como se fosse ilegal cá em baixo...
A minha barbatana agitava-se ao mesmo tempo que as ondas o permitiam. Nunca se deve nadar contrário à corrente, pois a problablidade de nos afogarmos é muito mais alta do que sobrevivermos, isto para quem não sabe nadar e, felizmente eu tenho a sorte de o ter aprendido.
Os meus olhos observavam tudo uma última vez, como a despedir-me mentalmente destas pequenas recordações. Seria muito difícil daqui em adiante viver e deixar tudo para trás. Nunca mais iria ver as algas a crescer lentamente servindo de alimento para alguns e também de refugio para peixes mais pequenos. Nunca mais iria assistir aos bailes organizados pelas minhas irmãs apesar de serem horríveis e aborrecidos, embora fora numa delas em que conhecera o meu melhor amigo. Nunca mais iria observar as brincadeiras que os meus entes queridos peparavam em segredo para mim. Nunca mais iria voltar ao mar.
Percorro os corredores do palácio tentando não ser vista pelos criados chegando até ao quarto onde dormiamos. Pensava que me encontrava sozinha até ouvir um murmúrio que me faz mudar de ideias. Giro o meu pequeno corpo de forma a que possa ter um ângulo melhor, dando de caras com a minha irmâ mais velha sentada a pentiar-se com um garfo que eu encontrara numa das minhas aventuras com Winter. Respira, disse a mim própria. Pego no meu saco vermelho que eu mesma fizera com uns trapos de tecido que encontrara na superfície, onde coloquei os meus pertences para a viagem longa que me esperava.
- Até breve, vou-me embora. - bato mentalmente a mim própria por ter pronunciado estas palavras. Porque não fiquei calada? Ninguém precisa de saber!
Pode ser que dêm pela tua falta, brinca o consciente comigo.
- Princesa Melody espere um momento. - a minha irmã e as suas lições fingidas de boa educação. Na sua voz parecia notar-se alguma preocupação, no entanto era tudo mentira. Conhecia-a demasiado bem para ter a certeza que por detrás daquela carinha laroca, era o "demónio" a tentar ultrapassar o anjinho. Nunca quiseram saber de mim. Ela era a preferia do pai e ainda por cima as minhas irmãs ficaram sempre do lado dela. A única coisa que vêm é o espelho à frente a refletir aquilo que elas são. Nada.
- Porquê?- questiono num tom de voz mais elevado. Neste momento não me interessam os modos nem a idade. Tenho tanto o direito de ser feliz como ela. Bem se ela é aqui, eu não e vou lutar para o ser.
- Porquê tanta pressa, não és feliz aqui Melody? O que se passa, não estás bem? - a sua voz fininha e irritante penetra o meu ouvindo deixando-me exausta desta conversa insignificante e sem rumo algum.
- Sabes que mais? Sim estou farta disto! Quero-me ir embora! Também quero ser feliz. Vocês não são as únicas que o merecem. Eu também mereço, não achas? Sempre tiveram tudo, nunca lutaram pelos vossos objetivos porque eram as queridas do pai. Se a mãe ainda estivesse aqui, aí veriam como seria a vida. Esquece o espelho, não é ele que te vai dizer os passos que tens de percorrer na vida. És uma sereia, o que muita gente dava por tal e ainda resmungas? Vestidos não te faltam, assim como alimento. Quem é que fez sempre tudo aqui? Porque reagem assim? Disseram que me devia ir embora não percebo...
- É verdade, mas hoje há uma tempestade na superfície. - claro que desculpa mais inúltil.
- Com licença, a viagem já está em marcha.
Sem dizer mais nada, saío daquele edifício sem olhar para trás. Ainda eu achava que iria ter saudades, será mesmo? Ri-o de mim própria pela criança que existe em mim, encondia pela sombra do coração. Depois de explodir, foi a deixa perfeita de começar a minha jornada.
Winter cravou o olhar em mim, deixando-me triste por o abandonar. Faço sinal para que venha ter comigo e abraço o meu golfinho uma última vez. As minhas unhas massagam lentamente a sua pele assegurando-o de que tudo irá ficar bem e assim que estiver em perigo posso sempre chamá-lo, deixando-o mais tranquilo.
- Tens a certeza que é isto que queres para ti?
Aceno que sim com a cabeça, pegando nas minhas "malas" nadando dali para fora, sem olhar para trás. Tento conter, fortemente as lágrimas, sendo surpreendida por o ter conseguido. Não podia deixar que isso me afectasse.
Há dias atrás tivera um sonho em que toda a população marinha queriam-me executar. Afinal, não foi completamente assim. Por um lado é bom visto que não tenho de viver com esse peso em cima mas por outro não porque nunca gostamos de ser excluídos pela nossa família. Acho que sou a primeira a realizar uma loucura destas, sem contar com a rapariga da lenda.
Pelo menos é melhor do que a Ariel. Também me contaram essa história. Há várias versões embora para mim a mais credível é a que mais se conta por aí. Retrata uma família que perdeu a mãe numa tempestade, ficando as sete filhas encarregues aos cuidados do Rei Tritão. Ariel era uma sereia aventureira que adorava subir à superfície sem autorização do pai, deixando-o furioso não só porque ele odeia os humanos como afirma que é perigoso. Outras das suas actividades era a música, cuja esta fora proibida no seu reino.
Contaram-me que a rapariga conseguira fugir de um tubarão. Nunca ninguém acreditou nisso. Pode ser que talvez eu conseguia provar o contrário. No meio desta história toda havia Úrsula, considerada a "má da fita". Esta fizera um acordo com Ariel: em troca da linda voz da princesa, ela conceder-lhe-ía três dias na superfície como humana, e esses mesmos teriam de ser suficientes para o príncepe que ela conhecera numa tempestade, se apaixonar por ela.
Sebastião, Linguado e Sabidão, os seus fiéis amigos fizeram de tudo para que resultasse. Só que num dia, a malvada utilizou a voz de Ariel para encantar o príncepe. Nesse pôr-do-sol iriam casar. A cerimónia fora interrompida por Tritão que devolvera a voz à sua bela filha mais nova.
O final desta historia não é dificil de adivinhar. Viveram felizes para sempre e tiveram uma filha que queria ser como a mãe.... mas essa fica para mais tarde...
Nadei até ao meu esconderijo secreto, donde saquei o livro de feitiços que continha o conteúdo que me faria mudar de aspecto. Uma mancha de tinta preta atingiu-me a cara, deixando-me tonta. Já me tivera esquecido que pedira ao polvo para guardar este "tesouro" tão importante para mim.
Fiz-lhe sinal de forma a agradecer por este favor e continuei a nadar pelo Oceano Atlântico. Houve vezes em que tive de parar, não só pra descansar e me alimentar como também para ter a certeza de que os ingredientes se encontravam na minha bolsa. Á medida que nadava, observei ações que me deixaram intacta. Aquela parte do oceno era mais suja, o que influênciava no refúgio dos cardumes que desapareciam.
Tinha de sair dali depressa.
Ao fundo avistei um tubarão e rezei para que este não me visse. Costuma-se dizer que se demonstrarmos o nosso medo, que eles o sentem, logo, tentei pensar em recordações de criança, de tempos em que era feliz, para que todo o receio de ser comida, desaparecesse.
Finalmente, cheguei ao destino, pelo menos era o que eu achava, a praia onde eu salvara o rapazito, à uns anos atrás. Escondi-me atrás de uma rocha, que era suficientemente grande para me camuflar e bebi o líquido de uma vez, sem pensar nas consequências que estariam para vir.
Tenho de admitir que o sabor não era nada agradável, mas assim que senti as modificações do meu corpo, não pensei em mais nada. Naquele momento, parecia que estava tudo num ponto de fusão, uma vez que um nevoeiro se encontrava à minha volta e certas bolhas da àgua borbulhavam, como uma panela a ferver. A água estava com o dobro da temperatura do normal e a minha cauda estava com uma tonalidade mais clara.
Comecei a sentir-me tonta até sentir uma última vez um impulso que me fez cair num sono profundo.
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Mermaid || h.s [parada]
Fiksi PenggemarSereia - ser mitológico, metade mulher e metade peixe, que através da sedução do seu canto, atraía os marinheiros, que se aproximavam para escutar o belíssimo som, acabando por naufragarem. As sereias representam a união da Deusa com a água. Esse e...