04 || Reunion

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| Melody |

Tentei que os cantos da boca se movessem de forma a que deslumbra-se um sorriso forçado mas nem isso eu fui capaz de fazer. Estava tão distraída com a sua frase simples que nem me apercebi da gravidade da situação. Havia algum mal, eu cantar melodiosamente? Bem, era de onde o meu nome vinha originado... Melody, de melodia...

Fiquei petrificada a olhar para a pequena menina que ainda me sorria e me apertava a mão como se eu fosse a sua mãe e ela a minha filha desaparecida. Parecia uma relação tão forte e no entanto eram só mãos entrelaçadas de duas desconhecidas. Uma criança e uma adolescente inexperiente no mundo humano. Ao menos eu tinha a sorte de o conhecer, porque sabia, e conhecia os costumes e tradições, o que deveria ou não fazer assim como a minha postura.

Há uns anos atrás, muitas sereias foram descobertas por não saberem como lidar com a situação, sendo descuidadas e descobertas por investigadores. Comparado comigo, eu tinha muita sorte e tudo graças aos livros que eu 'pedi-a emprestado" quando vinham dar à costa.

Houve uma vez que eu encontrei uma garrafa de vidro, de uma dimensão pequena que continha uma mensagem guardada lá dentro. Era um papel pequeno e velho, pois já estava rasgado e com presença da cor de ferrugem. A minha curiosidade venceu-me e sem pensar nas consequências retirei a rolha e li-o.

Nesse estava uma mensagem de amor que tinham escrito quando perderam alguém que amavam, pelo menos foi à conclusão que cheguei quando li a carta. Fez-me lembrar um livro que lera, em que o rapaz escrevia cartas e colocava-as tal e qual como as apanhei, só que ele fazia isso para a mulher que amava e tivera perdido num acidente de viação. Apesar de ele saber que nunca mais iria voltar a vê-la não desistiu da ideia de continuar a escrever, na esperança que um dia alguém encontrasse essas cartas e o compreendesse. Tenho de admitir que é muito romântico e que qualquer rapariga gostava de estar na pele daquela mulher.

Passaram-se minutos e eu já estava atrasada para fazer as minhas tarefas domésticas. Larguei a mão da pequena e depositei-lhe um beijo na sua bochecha corada do calor. Verdade, hoje estava um dia fantástico. Afastei-me dela, sem antes dar uma olhadela nela. Queria ter a certeza que ela seguia caminho e que não ficasse perdida no corredor, se não, teria de a levar comigo, e acho que naquele momento já tinha problemas suficientes com que me preocupar. Vi-a a correr de volta e a desaparecer num abrir de fechar de olhos.

Eu sabia que o mais acertado a fazer era 'fugir', porque, tecnicamente ela não me fez pergunta nenhuma, mas sim uma afirmação, logo não teria de dar explicações a ninguém, ainda mais a uma criança.

Se já é tão difícil explicar a um adulto que somos uma sereia, como o fazer com uma criança? Pois, boa pergunta. Não sei a resposta porque nunca passei por essa situação, e espero não passar.

Para começar, estendi a roupa molhada que estava na bacia e prendi-a cuidadosamente, cada uma com pelo menos duas molas. Com tanto sol que estava, no fim do dia, secalhar já dava para a apanhar. O som que o mar transmitia era tão calmo, que era quase como uma melodia para mim. Ainda não sentia a sensação de estar na água, mas em breve eu iria querer possuí-la.

Entretanto, mais tarefas foram distribuídas e consegui realizá-las correctamente.

Finalmente, só me faltavam duas e teria a noite livre. Aspirei a sala de convívio dos convidados e arrumei a roupa nos respectivos quartos, só que, houve um desastre e eu tropecei nas escadas. Poderia ter ido pelo elevador, mas, por coincidência estava sempre ocupado. Lá tropecei em alguma coisa e foi tudo parar ao chão. A minha sorte foi que ninguém estava lá para assistir a este filme.

Voltei ao meu quarto e decidi optar por tomar um duche. Entrei na casa de banho e liguei a água quente. Deixei-a escorrer e assim que entrei, passados dez segundos, a minha cauda apareceu, o que foi um pouco estranho. Fiz algumas bolas de sabão com o meu champô e deixei-me estar a relaxar, depois de um longo dia de trabalho.

Como eu não conhecia ninguém, não valia a pena ir sair, por isso fui-me deitar cedo, visto que, amanhã eu teria de me inscrever num colégio. Seria estranho ir frequentar aulas e conhecer alunos, quando eu nunca tivera feito isso, pelo menos aqui. No mundo dos mares, nós tínhamos aulas, mas nada que se comparasse com isto.

***

Mais um dia de verão. Hoje eu não teria nada para fazer, logo, ficar na cama seria uma boa solução, mas porque não ir ver a minha casa? Por mais que eu amasse isto, o mar não deixava de ser o meu lar.

Abri a grande janela que dava para uma vasta varanda e respirei o ar puro assim como as pequenas gotas que o mar salpicava. Agora sim sei porque este hotel é tão frequentado. Poderia ir à praia de manhã, sentir a areia e olhar para o mar. Abri o armário e retirei um biquíni, assim como algumas roupas. Definitivamente que teria de ir às compras. Pode ser que vá na altura em que arranjar uma amiga, isto se isso acontecer.

Desci as escadas a correr com uma vontade enorme de sair deste hotel e de explorar tudo. Eu parecia mais uma flecha a percorrer o seu trajecto até ao alvo do que uma rapariga com pressa para a escola.

A praia estava vazia o que não costuma ser normal, uma vez que está um dia muito bom de verão, o que as pessoas aproveitam para apanharem sol e descontraírem. Supostamente, as crianças deviam estar a fazer castelos de areia, a chatearem os pais para irem à água sem ainda terem feito a digestão enquanto os adultos passeiam à beira mar ou conversam uns com os outros ao mesmo tempo que vigiam os filhos

Ao fundo avistei um surfista. Ele estava tão concentrado no que estava a fazer que despertou o meu interesse. Estendi a toalha e fiquei a admirá-lo.

Passada meia hora, ele finalmente acaba o seu treino e assim que o vejo, o meu mundo pára. O adolescente era mesmo parecido com o meu menino perdido. Os seus caracóis estavam presos à testa devido à água. Estavam amarrados por um puxo o que lhe dava um ar mais sexy, juntamente com as suas esmeraldas grandes e brilhantes que me observavam. Nariz direito e uns lábios encarnados e perfeitos ainda a formarem quase um coração. Ele era um Deus grego. Eu ia jurar que era ele...

- A tua cara é me familiar. – corei a olhar para o rapaz atraente à minha frente. Confesso que ele de estatura até é alto.

- Então queres curtir? – quase que me engasgava com o ar que tivera engolido a mais. Olhei para ele de olhos arregalados e expressão séria de forma a que me tentasse impor mas foi impossível porque ele desmanchou-se a rir às gargalhadas. Bem, isto para ele tinha uma certa piada. – Calma boneca, se te agrado vem a esta praia assistir ao torneio de surf. Próximo domingo e poderás voltar a ver-me. – piscou o olho.

- Primeiro não sou nenhuma boneca e tenho nome. Segundo, tu não me agradas! – gritei-lhe a última parte na cara e saí dali a correr sem pensar duas vezes.

Rapaz irritante, não pode ser o meu menino perdido de olhos verdes...


Mermaid || h.s [parada]Onde histórias criam vida. Descubra agora