N O V E

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Eu vou renascer das cinzas quantas vezes for necessário, até ser eterna.

Luzia

Olhos fundos rodeados por olheiras roxas que lembravam dor. Me sentei na cama tentando não chorar novamente. Tinha sido uma longa e fria noite, não tive forças para trocar minha roupa molhada e eu podia sentir que tal ato me resultaria em um resfriado. Eu sempre fui fraca para isso.

Passei alguns segundos olhando por trás da janela quadriculada do cômodo que eu não reconhecia mais como meu quarto o belo e cinza céu que havia lá fora. Algo dentro de mim me fazia acreditar que o dia estava morto. Sempre fui apaixonada pelos dias nublados, na maioria das vezes era nesses exatos dias em que eu me tornava produtiva e escrevia meus poemas. Passado. Me levantei e entrei na porta ao lado do armário vazio, o outro cômodo pequeno e jeitoso era o meu antigo banheiro, o azulejo branco com flores finas e minimalistas sempre foi meu detalhe preferido em toda a casa.

Me olhei novamente no espelho com esperança das grandes olheiras terem desaparecido, não, elas ainda estavam no mesmo lugar. Tirei minha roupa que parecia pesar uma tonelada e entrei em baixo do chuveiro de alumínio. A água quente aqueceu meu corpo inteiro e eu sorri. Deixei que a água quente lavasse também meu cabelo que estava todo embaraçado e com cheiro de mofo. Aos poucos fui sentindo meu corpo relaxar e agradecer por aquele cuidado.

Sai do banheiro nua e molhei todo o chão até o tapete ao lado da minha cama. Eu estava exausta. Vesti a roupa mais quente que havia no baú nos pés da cama e fui até a varanda. Eu queria observar aquele céu puro e limpo uma última vez antes de voltar para casa.

Dizem que o horário mais frio de um dia é quando o sol começa a nascer. Pois bem, às seis da manhã de um domingo parecia realmente insuportavelmente fria em relação às horas anteriores em que eu estava acordada. Talvez fosse porque eu estava de fora da casa, sem nenhum aquecimento ou cobertores, mas eu preferia acreditar que era pelo nascer do sol. Claro que com todas aquelas nuvens eu não poderia ver o sol por trás das montanhas, mas minha imaginação cumpria bem o papel.

Fui até a cozinha pegar uma caneca de café para me aquecer e encontrei Kai com os cotovelos apoiados na mesa e o rosto entre as mãos. Eu deveria ignorar sua presença após nossa pequena discussão de ontem, mas envés disso me sentei ao seu lado. Pensei que ele brigaria comigo outra vez, mas envés disso ele disse baixo:

- Não sabia que você era capaz de acordar cedo.

- Como foi sua noite? - perguntei tentando esconder um sorriso.

- Provavelmente pior que a sua.

- Eu duvido muito que isso seja capaz.

- Eu acho que te devo desculpas.

- Fácil assim?

- Não entendi.

- Pensei que você demoraria semanas para falar comigo novamente.

- Você é quem deveria passar todo esse tempo sem falar comigo. Eu não tinha que gritar com você.

- E eu não tinha que te dar aquele tapa.

- Ah, sobre isso tudo bem. Eu sou um pouco masoquista.

- Você é estranho. - dei um soco de leve em seu braço e ele fez uma careta.

- Já está me agredindo outra vez.

- Melhor manter distância de mim.

- Não não, maninha, você não me intimida.

- Kai, eu...

- Já sei, você quer dizer algo mas não sabe o que dizer.

- Como você ainda consegue?

- É simples, você deixa tudo muito claro com esse olhar de cachorrinho sem dono.

- É tão difícil odiar você.

- Eu não posso dizer o mesmo sobre você, Luzia. Sinto muito.

Mesmo sorrindo eu podia facilmente perceber que ele estava incomodado com alguma coisa. Pensei em perguntar, mas ele nunca diria a verdade. Apesar de não sermos irmãos de verdade éramos o espelho um do outro. Eu poderia dar uma de vítima e ficar chorando pelos cantos depois de tudo que ouvi ontem, mas para falar a verdade ele nem disse muitas coisas ruins.

- Preparado para encarar de volta nossa realidade?

- Sinceramente? Nem um pouco.

- Eu sempre tenho paz quando estou aqui, mas esse final de semana em específico eu não tive esse prazer.

- Eu me lembro de como eu era popular.

- Não é como se você ainda não fosse.

- E eu não sou.

- Você tem uma legião de fãs, Kai.

- Elas nunca terão importância para mim. - ele pegou minha caneca e bebeu um gole do meu café. - E nem são tantas assim.

- Estamos bem agora?

- Eu acho que nunca estivemos "mal". Luzia, eu não queria ter te magoado.

- Você não me magoou.

- Jura?

- Tá bem, doeu um pouquinho. Ninguém nunca tem coragem de falar comigo daquele jeito.

- Como se alguém nesse mundo falasse com você além de mim e da Melanie. Ah, claro, já ia me esquecendo do nojento do Théo, mas ele é insuficiente.

- Olha que aquele seu amigo gosta bastante de falar comigo, e a Jéssica adora vir me perguntar sobre você na faculdade.

- Ambos falam com você para saber sobre mim.

- Que comentário idiota, Kai, eu brigaria com você se não fosse verdade.

Eu estava enganada. Kai ter me dito todas aquelas verdades não fez nossa amizade morrer, foi o contrário, nossa relação agora parecia mais forte, há muito tempo não tínhamos uma conversa tão leve, talvez a última vez tenha sido quando ainda morávamos naquela casa.

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Esse capítulo tava pronto e não aguentei deixar ele pra semana que vem, espero que gostem! Deixa uma estrelinha pra mim S2

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⏰ Última atualização: Apr 10, 2019 ⏰

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