Q U A T R O

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Luzia

Convidei Melanie para passar o final de semana estendido na fazenda e ela disse que iria, eu só não sabia que ela se atrasaria tanto para sair. Era meio dia e o sol estava me fazendo derreter. Estacionei o carro em frente a casa dela e estava ouvindo Kai cantarolar uma música qualquer no banco de trás. Estávamos indo no meu carro então exigi que Melanie viesse na frente comigo.

- Ah como eu amo feriados.

- Cala a boca Kai, tá poluindo o ar.

- Luz você é muito implicante!

- E você é muito falante, vão ser três horas de viagem, faça o favor de dormir.

- Mas é claro, que não. Troca a música por favor, essa é muito triste e não sei a letra.

- Eu gosto de músicas triste.

- Combina com sua personalidade sombria e suja.

- Mais uma e você fica.

Aumentei o volume do som e deixei ele falando sozinho. A intenção era ficar na fazenda três dias, mas como não saímos cedo seria somente dois dias e meio. Na minha mala tinha o básico para ficar no meio do mato por esses dias, mas Melanie com certeza achava que estava indo passar as férias lá.

Com dificuldade ela puxava uma mala enorme, tinha uma mochila nas costas e uma bolsa de mão. Peguei a mala que era quase do tamanho das minhas pernas e puxei com dificuldade até o porta malas do carro enquanto ela tentava se equilibrar com uma mochila que provavelmente pesava mais que ela. Abri o porta malas e guardei tudo.

Entrei no carro e encontrei Melanie tentando flertar com Kai , talvez ela não fosse o tipo dele, mas se bem que ela é tipo de todo mundo. Morena com belos e longos cabelos negros e um par de olhos cor de mel, era impossível não ficar hipnotizado por ela. Talvez ele esteja apaixonado por outra garota.

  Eu e Kai sempre fomos parecidos, apesar de não sermos irmãos de verdade acho que conviver tanto tempo fez isso com a gente. Tínhamos a mesma cor de cabelo, olho e pele, agora não mais pois ele adora ficar bronzeado, e eu morando na cidade e pegando menos sol fiquei mais amarela. Eu tenho um metro e sessenta e cinco, Kai deve ter mais de um e oitenta, ombros largos e alguns músculos mesmo não fazendo academia.

***
Eu não era só apaixonada pelo pôr do sol, eu tinha fixação. Era como hipótese. E assistir ao pôr do sol dali era mais lindo ainda, as cores se misturavam e se perdiam no verde das matas. O sol refletia na parede deixando tudo laranja e amarelo. O céu era uma mistura linda de azul, lilás e rosa. Tudo aquilo fazia com que eu não tirasse o sorriso do meu rosto. Eu estava sentada na varanda da minha casa e Melanie estava dormindo, disse que estava cansada da viagem. Kai tinha ido na cidade comprar algumas coisas que minha mãe pediu e meu padrasto estava ordenhando algumas vacas. Não fazia mais de seis meses que eu havia vindo aqui, mas de alguma forma as coisas estavam diferentes, talvez fosse a parede do meu quarto que havia sido restaurada, ou a geladeira que foi trocada. Eu não sabia o que tinha mudado, eu me sentia diferente, menos deslocada talvez.

Aos poucos o sol foi se escondendo atrás das montanhas e então o céu começou a escurecer, provavelmente seria uma noite sem estrelas já que as nuvens haviam tomado todo o céu. Encostei a cabeça na parede e fechei os olhos. Eu estava exausta. Cansada fisicamente e psicologicamente, só alguns dias longe de tudo para tentar me acalmar. Eu sentia falta daquilo tudo. Da comida da minha mãe, do celeiro cheirando feno, do bosque e das minhas lembranças.

Abri os olhos quando ouvi o barulho da caminhonete se aproximando, era Kai. A caminhonete velha e azul pertencia a Michael, meu padrasto, ele diz que seu pai o deu quando ele foi pra faculdade. Apesar de ser velha ela estava em boa condição, Michael fazia questão de mantê-la impecável. Kai abriu a porta e pulou no chão. Deu volta e saiu com várias sacolas de compras. Ele passou por mim com um cigarro entre os lábios e fazendo cara de bravo. Ele era engraçado às vezes. Aproveitei que não tinha ninguém olhando e fui até a caminhonete.

Os bancos ainda pareciam novos e volante sem nenhuma marca de uso. Sobre a marcha tinha uma capa, que aliás sempre esteve lá. O chão estaria limpo e impecável se não fosse pela marca das botas que Kai havia deixado. O terço de madeira preso no espelho, o boneco de algum cantor famoso na época da adolescência de Michael e a foto da minha mãe estavam intactos. Michael era minimalista e fazia questão de ter tudo perfeito. Abri a porta da caminhonete e quando ia entrar senti uma mão no meu ombro.

- Você não acha que vai dirigir a minha caminhonete, acha?

- Não é sua, idiota.

- É do meu pai, então tecnicamente é minha.

- O que você quer?

- Pode entrar, duvido que você consiga dirigir essa caminhonete, não tem direção hidráulica igual a sua lata velha.

Dei as costas pra ele e voltei a caminhar em direção a casa mas fui impedida quando ele segurou meu braço. Me virei e o encarei. O pouco de claridade que havia parecia ter centralizado nele, tornando os olhos castanhos comuns de Kai em olhos vermelhos. Talvez os olhos fossem a coisa mais bonita que ele tinha. Eu o analisei por alguns segundos, talvez fosse melhor cortar o cabelo e deixar a barba crescer, daquele jeito o maxilar dele parecia menos marcado, e agora ele tinha algumas linhas de expressão em baixo dos olhos, mas ainda parecia o mesmo Kai de quando eu o conheci. Ele sorriu e eu me soltei antes que ele começasse a falar novamente.

Entrei em casa e fui ajudar minha mãe com o jantar. Melanie estava deitada no sofá da sala assistindo desenho animado embrulhada em um cobertor ignorando completamente o fato de estar fazendo quase 28°C. Ajudei a picar as batatas para assar junto com o frango e depois voltei para a varanda.

O céu agora estava escuro e mesmo prevendo chuva ainda fazia muito calor, talvez a noite chovesse um pouco mas com certeza na manhã seguinte faria calor novamente. Kai estava sentado na cerca de madeira que ele construiu a alguns anos atrás antes de ir embora do estado. Fui até onde ele estava e me sentei com dificuldade ao seu lado.

- Você deveria parar de insistir em usar só calça jeans. - ele disse.

- E o que você me sugere?

- Talvez uma daquelas roupas de caipira que você usava. Os vestidos pareciam bem mais confortáveis.

- É, eles eram. Mas minha bunda fica bem maior com calça jeans.

- Ninguém aqui liga pra sua bunda, Luzia. - ele me olhou.

- Eu ligo pra minha bunda! E eu não tenho mais vestidos.

- Você não tem mais vestidos novos, todas as suas roupas ainda estão aqui. As botas, os vestidos, as saias.

- Eu sinto falta às vezes do meu antigo estilo.

- É, você parecia mais uma garota normal naquela época.

- Eu nunca fui normal.

- Você deveria voltar a usar aquelas roupas, combinavam com você. E aliás, você também deveria trocar de perfume. Odeio esse cheiro de madeira com açúcar que você usa.

- Kai, esse é o seu perfume.

- Ah, verdade. Acho melhor eu trocar meu perfume.

- Mas pensa, pelo menos agora você tem um cheiro bom, você cheirava a capim.

- Você acha meu cheiro bom?

- Não, só é menos pior que o outro.

Desci da cerca e limpei a parte de trás da calça. Kai parecia aéreo, como se estivesse ali só de corpo, sua mente com certeza estava em um universo paralelo.

- Que tal irmos pra cachoeira amanhã? Avisa a Melanie que existem mosquitos por lá. Saímos às oito então acordem cedo.

Ele disse sem pausa e quando terminou pulou da cerca e correu até a caminhonete. Sem me dar tempo de responder ele saiu em direção a cidade.


Temos um Kai distante aqui? Temos. O que vocês acharam do capítulo? Só mais um pouco e o Kai já vai poder reinar neste livro. Não esqueça seu voto e comentário, amo vocês S2

Doce tentaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora