Capítulo 5

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  Estava deitado na minha cama enquanto olhava para o nada. A minha mente não parava de pensar no futuro, vai ser muito difícil para todos, principalmente para a minha mãe. Ela vai perder o homem com quem decidiu partilhar o resto da sua vida.

  As vozes lá em baixo eram audíveis e apesar de as palavras não serem nítidas eu podia adivinhar qual era o assunto da conversa.

  O meu quarto estava escuro e a única luz presente era a do luar que entrava pela janela, tal como eu a lua é solitária. De onde estou as estrelas parecem tão próximas dela mas a verdade é que estão a milhares de anos luz de distância. Talvez eu seja uma lua, as pessoas pensam que na minha vida tudo está bem porque tenho uma família e amigos mas a verdade é que nada está bem. Cada vez pareço estar mais distante das pessoas que amo e a minha vida parece uma descida constante em espiral.

  Talvez não esteja nos planos de Deus que algum dia eu seja completamente feliz. Cada vez que eu penso que algo está bem ele brinca com a minha cara e diz: " Não não, pensavas que era agora? Estás muito enganado meu amigo."

  Os meus pensamentos foram interrompidos pelo som da porta do meu quarto a abrir e pela luz amarela do corredor que invadiu o meu quarto.

- Manny? Estás acordado? - perguntou o meu irmão e pelo som da sua voz eu presumo que ele esteve a chorar.

- Sim. - respondi ainda de costas para ele.

  A porta fechou-se é pude ouvir o som dos seus passos que vinham em direção à minha cama onde ele se sentou.

- Já sabes? - perguntou com um sussurro e não pude conter mais as lágrimas que lutavam para sair dos meus olhos.

  Num impulso levantei-me e abracei-o. Eu precisava dele mais do que nunca. Sempre fui muito bom a fingir que não tinha emoções e que nada me afectava mas por dentro eu era provavelmente a pessoa mais sensível do mundo.

  Ele correspondeu ao meu abraço e acariciou os meus cabelos enquanto eu soluçava e chorava no seu ombro.

- Eu sei que está a ser muito difícil mas por favor não te afastes mais de nós Manny. Nós precisamos de estar juntos para ultrapassar esta fase.

  Ele tinha toda a razão do mundo, tudo o que eu sei fazer é afastar as pessoas que realmente se importam comigo e isolar-me do mundo.

- Eu amo-vos mais do que tudo, desculpa nunca o ter dito. Vocês são tudo o que eu tenho.

- E tu és tudo o que nós temos. Agora vamos ter de apoiar e sermos mais fortes do que nunca. Ela precisa de nós e o pai também.

- Eu sei.

- Vamos tentar fazer com que estes meses sejam os melhores das nossas vidas, vamos tentar deixar o passado de lado e viver o presente... O pai precisa de sentir que nós o perdoamos para poder viver o tempo que lhe resta em paz. Não tens noção do quão arrependido ele está mano.

- Eu perdoo-o.

- Ótimo. Tenta descansar OK? - disse levantando-se e beijando o topo da minha testa. - Até amanhã. Dorme bem.

- Tu também. - respondi e ele saiu fechando a porta atrás de si.

  Eu sei o quanto o meu irmão tenta ser forte por nós, eu cresci com ele, para mim ele é como um segundo pai e eu serei eternamente grato por tudo o que ele fez por mim.

  Sei que basicamente chorei até adormecer e graças a isso acordei com uma dor de cabeça e umas olheiras enormes.

  Lavei o rosto e desci ainda de pijama até à cozinha, ao contrário do que pensei a mesma estava vazia.

  Preparei o meu pequeno-almoço e liguei a televisão para assistir qualquer coisa enquanto comia. Após alguns minutos o meu pai entrou na cozinha.

- Bom dia. - disse.

- Bom dia filho. - respondeu e beijou a minha testa. Em todos os meus anos de vida raras foram as vezes que recebi carinho do meu pai.

- O que é que queres comer?

- Não te preocupes.

- Não. Senta-te, eu faço.

- Está bem, pode ser qualquer coisa.

  Preparei panquecas vegetarianas de frutos vermelhos, o mesmo que tinha feito para mim e quando acabei levei para a mesa.

- Obrigado.

- De nada.

- Então como foi a festa ontem?

  Como assim? Ele nunca me perguntava nada da minha vida. É estranho ver o quanto uma pessoa pode mudar em tão pouco tempo. Triste é saber o motivo dessa mudança.

- Foi boa.

- Quem é que fez anos?

- O Andy.

- Ah, o filho da Sarah e do Dom.

- Esse mesmo.

- Quando estiveres com ele dá-lhe os parabéns por mim.

- Serão entregues. - respondi e logo ficámos sem assunto, talvez porque nenhum de nós queria tocar naquele assunto, não naquele momento.

A televisão passava o noticiário e normalmente eram só tragédias, política e mais tragédias. Eu nunca prestava atenção, prefiro pensar que o mundo não é a merda que realmente é.

- Hrm Hrm... Alguém já?...

- Sim pai, mas prefiro não falar disso agora pode ser?

- Tudo bem, eu só pensei que...

- Eu perdoo-te. - disse interrompendo-o e posso jurar que por momentos vi os seus olhos encher de lágrimas. - Está tudo bem. - segurei a sua mão.

- Eu não fui o pai que vocês mereciam e eu peço imensas desculpas por isso.

- Pai.

- Eu devia estar mais presente. Eu não fui um pai a sério e a culpa é toda minha.

- Não, não é. - disse e ele olhou para mim limpando as lágrimas que escorriam pelas suas faces rosadas. - Eu não quero nem imaginar o quão difícil deve ser combater um vício como esse. O importante é que estás arrependido
... E pode até ser tarde demais mas nós vamos fazer cada segundo valer por todos os anos que perdemos.

Puxei a minha cadeira para junto da sua e coloquei a minha cabeça no seu ombro. Pela primeira vez em toda a minha vida eu senti que tinha um pai. Pela primeira vez senti-me seguro nos braços dele e pela primeira vez senti algo por ele que não fosse dó, senti... Eu senti amor de pai e filho.

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