[Capítulo 1] Não confie.

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Um dia qualquer, 2016

Mais três batidas ressoaram na porta, fazendo toda a parede de espelhos tremer. Me virei na cama, puxando a coberta até a cabeça.

Seis anos e eu ainda morava num cubículo na sala de um delegado.

— Charlotte. — Alexander chamou pelo o que deveria ser a milésima vez. Eu havia acordado na primeira batida, mas optei por ignorá-lo. — Vou entrar.

Escutei a porta se abrir, arrastando parte da roupa de couro que havia ficado no chão na noite anterior, estava cansada demais para qualquer arrumação.

— Eu sei que você já acordou. — Algo caiu enquanto a porta se fechava.

Minha resposta foi só um resmungo.

— Você pelo menos faz ideia de que horas são?

Ignorei. Ele se sentou na beira da cama.

— Certo, então, que horas chegou ontem?

Demorei alguns segundos para lembrar. Quando terminei meu serviço, precisei percorrer metade da cidade com botas de salto 15 até chegar na delegacia, fazendo uma pausa para ajudar uma prostituta a qual quase fora roubada por um cliente.

— Cinco, talvez? — finalmente falei. — Não importa.

— Cinco da manhã? Está tentando se matar?

Tirei a coberta do rosto, mal-humorada.

— É impossível que sua vida esteja tão boa assim para sentir a necessidade de cuidar da minha.

— Devia voltar mais cedo, acordar mais cedo — ele continuou —, ter pelo menos um hábito saudável.

— Alexander — interrompi, tentando manter o máximo de seriedade que o sono permitia. —, a última coisa em que deveria se meter é no meu trabalho. Agora me deixe dormir antes que você seja o próximo da minha lista.

— Deveria me respeitar — seu tom perdeu todo o humor. —, só está livre por minha causa.

— Não preciso de você.

Ele riu enquanto se levantava.

— Então devolva o resto do meu escritório e vamos ver quanto tempo sobrevive nas ruas.

O delegado observou o quarto retangular, composto basicamente de uma cama e uma cômoda. "Pequeno" ainda seria uma definição enorme para o local, mas eu não estava em posição de reclamar. Assim que eu resolvesse sumir dali, Alexander emitiria um sinal ordenando minha prisão imediata, talvez nem exigisse que eu fosse encontrada com vida. De qualquer forma, eu não tinha motivos reais para ir embora.

— São duas horas — anunciou —, você tem dez minutos.

Após a porta se fechar novamente, levei pelo menos dois minutos para tomar a coragem de levantar. Agora que eu enxergava com clareza, a bagunça estava maior do que me lembrava. Empilhei a coberta e o travesseiro no canto da cama para poder colocar parte das roupas espalhadas também sobre ela. Couro, cetim, até mesmo um daqueles conjuntos de academia, os quais as mulheres compravam dois tamanhos menores com a expectativa de auxiliar na perda de gordura, só que não.

Era assim que eu percebia como ninguém estava realmente limpo. Um rico empresário ou um simples personal trainer, ambos podiam ser pedófilos abusando dos filhos da estagiária solteira ou da mulher traidora, até um terceiro perceber e me contatar. E então a situação acabava tão rápido quanto havia começado.

Vesti um moletom escuro e jeans surrado, levando mais tempo para achar um par de tênis do que para calçá-los. O som de papel sendo amassado quando dei um passo me chamou a atenção, e então reparei no cartaz antes desajeitadamente pendurado na parede. Quando minha moradia se tornou oficial, Alexander se dera o trabalho de confeccionar uma lista de regras as quais deveriam ser seguidas à risca. "- Sem homens; - Sem drogas; - Sem álcool; - Sem visitas; - Sem..." Apenas o joguei aleatoriamente de volta ao quarto e atravessei a porta, indo para um estreito corredor que fazia alguma divisão com o escritório do delegado. Uma batida foi o suficiente para a entrada ser permitida.

Caminho de Sangue e PólvoraOnde histórias criam vida. Descubra agora