Algo corre atrás de mim, muito rápido e fazendo barulhos altos. Não há tempo de olhar pra trás, não dá pra ver seu tamanho, seu formato, quem é ou o quê é... Apenas é algo, e dá pra sentir que quer sangue. De repente, o chão embaixo dos meus pés some e aquilo consegue me pegar.
Acordo suada e arfante. Pra mim, eu já estava morta, mas era só um sonho — ainda bem. Meu coração batia num ritmo acelerado e desgovernado.— Lara? acordou de novo? — Meu pai pergunta do banco da frente do carro, me fitando pelo retrovisor interno.
— É, outro pesadelo. — Respondo, apertando os olhos por causa do brilho do farol de um carro que passa rapidamente. Pelo relógio do painel do carro, são 2:40 da manhã.
— Pesadelo, é? Isso é o que acontece quando você fica vendo e lendo histórias de terror. — Ele ri.
— Você me cansa... — Revirei os olhos. — Vou dormir de novo. — Digo, e espero uma resposta, mas ela não vem.
Fecho meus olhos mas o sono não aparece. Isso sempre acontece quando tenho um pesadelo e acordo no meio da noite, o sono não vem de jeito nenhum. Sinceramente, isso é um saco, afinal, por mais que seja horrível dormir depois de ter um pesadelo, ficar acordado tendo paranóias e ficando atento à tudo ao redor é dez vezes pior.
O clima só não fica mais denso dentro do carro por causa do meu pai, que está cantando Club Paradise do Drake junto com o rádio, com sua voz rouca e desafinada — ele crê que é a única pessoa acordada no carro. Enquanto isso, Naomi, minha irmã mais velha, ronca e Gabriel, meu irmão mais novo, e minha mãe dormem tranquilamente, isso desde a metade do caminho.
Já é a terceira vez que acordo por causa de um pesadelo durante a viagem. Acho que deve ser algum mal presságio sobre essa mudança, e eu ainda avisei meus pais que era melhor continuarmos na nossa casa. Apesar de ser uma casa pequena, é aconchegante e é onde crescemos, não há casa que substitua, ainda mais uma casa grande, que só servem para separar cada vez mais a família.Mais uma vez, acordo. Dessa vez não é por causa de um pesadelo, e sim por causa do sol na minha cara e por causa do meu pai.
— Chegamos! — Ele grita. Todo mundo acorda quase que em um pulo com o susto.
— Chegamos? — Gabriel indaga se espreguiçando.
— Se ele disse que chegamos, deve ser porque chegamos, burro. — Naomi diz tirando um dos fones do ouvido e jogando seus dreads para trás. Minha mãe a repreende em silêncio com apenas um olhar pelo retrovisor.
— Casa nova, vida nova. — Meu pai diz sozinho, e então cantarola Runnin' com o rádio. O carro passa por uma placa de "Bem-vindos à ..." com o nome do bairro pichado. — agora, as coisas irão ficar muito melhores.
— Duvido... — Minha mãe murmura. Ela é totalmente contra a mudança, mas mesmo assim foi convencida pelo meu pai. Eles brigaram várias vezes por isso, e espero que isso tenha parado. Meu pai, sem graça, não responde.
Residências, prédios e lojas passam rapidamente pela janela. Muitas das residências não parecem ser habitadas, e quase todas estão pichadas. Finalmente, a nossa casa chega. A casa é grande, com dois andares, a pintura era obviamente recém feita (por causa de pichações provavelmente) e há muitas janelas espelhadas por ela. De verdade, nunca me imaginei morando em uma casa grande assim, afinal, desde pequena morei em uma casa pequena em um bairro agitado e mais pobre, enquanto esse bairro é quieto e moderno, apesar de parecer um tanto abandonado.
— Que casa bonita... É a nossa mesmo? — Gabriel diz, fitando a casa com os olhos brilhando.
— É, filho. As coisas vão mudar. — Meu pai responde. Seus olhos brilham tanto quanto. Ele encosta lentamento o carro na calçada em frente a casa, desligando o motor do carro. Antes de todo mundo, ele sai do carro quase pulando, como se fosse uma criança. — Venham.
Nós saímos do carro, meu pai destranca a casa e ele, minha mãe e minha irmã entram, enquanto eu e meu irmão permanecemos olhando a casa de fora. Olho para o lado e para o outro, observando as casas vizinhas — e quase todas parecem estar vazias. Na casa ao nosso lado, uma casa quase idêntica à nossa, uma criança brinca com um carrinho de brinquedo na grama do quintal. Olho para a criança e sorrio, ela olha de volta e sua expressão descontraída de diversão se contrai e vira uma expressão séria e estranha.
— O que foi? — Pergunto, com um tom de voz alto para ele ouvir. Ele não responde e levanta com o carrinho na mão, ficando parado.
— Oi. — Gabriel anda em sua direção, tentando fazer amizade.
O garoto fecha ainda mais o rosto e corre para dentro de casa. Estranho, mas tudo bem, crianças chatas normalmente são assim — digo isso porque já fui uma criança chata e meu irmão é uma. Mas ela não me passou apenas o clima de uma criança chata, mas também algo estranho. Enfim, é melhor esquecer e deixar isso de lado.
Entro na casa e, impressionantemente, a casa é bem maior por dentro e bem diferente do que eu pensava. A sala é grande e espaçosa, uma televisão tela plana na parede — uma novidade para mim —, uma cozinha logo ao lado da sala, e quase tão espaçosa quanto. O que mais me impressionou foi a cozinha ter um fogão embutido na bancada, e isso me fez cair na real de que a gente não é mais classe baixa.— Somos ricos agora. — Gabriel disse correndo pela casa, partindo logo para o andar de cima. Subiu as escadas de madeira causando um barulho alto a cada degrau que avançava, um clássico ranger da madeira que tem em filmes de terror, e dava para vê-lo correr também pelo segundo andar, que dá para ser claramente visualizado do andar de baixo.
Me jogo no sofá grande, me deitando e pegando o celular. Claramente, eu teria que tirar uma primeira foto na nova casa, e isso é uma obrigação. Posiciono a câmera em meu rosto e espalho as minhas tranças vermelhas para os lados, ficando no ângulo perfeito para me deixar bonita. Por um momento, o flash frontal me cega, e eu lembro que deveria desativá-lo. Abro a galeria para excluir a foto e, de relance, vejo uma sombra na janela no fundo da foto. Uma figura humana, para, olhando pra mim. Olho rápido para trás, não tão rápido quanto o meu coração batia, e lá estava ela, parada e ainda me olhando. Só há uma coisa que posso fazer:
— Pai! — grito, pulando do sofá e andando para trás. A sombra anda lentamente e sai da janela, indo em direção à porta. — Pai!
— Filha?! — Ele surge, descendo as escadas pisando tão forte que faziam o ranger clássico de filmes de terror virarem um som estrondoso. Sem prestar atenção ao seu redor, bateu a cabeça no teto baixo sobre a escada. — O que foi? — Indaga e coloca a mão na cabeça.
— Tinha uma sombra na janela. — Digo, claramente assustada. — Estava parada, me olhando.
Ele anda até a janela, olhando para o lado de fora. Olha para mim com uma expressão de confusão e dá de ombros, indicando que não há nada.
Toc. Toc. Toc.
Alguém bate na porta. Uma batida forte e constante. Meu pai cerra o punho e caminha lentamente até a porta. Não acho que alguém iria querer se meter com ele, afinal, ter altura de dois metros e alguma coisa e ter um braço quase do meu tamanho — sim, estou exagerando —, não é para qualquer um.
Lentamente, ele destranca a porta e abre a porta devagar. O rangido surge novamente e a luz exterior entra de pouco em pouco em casa, até uma figura surgir.Uma figura tão alta quanto o meu pai.
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O Medo Mora ao Lado
Mystery / ThrillerUma vida nova, era isso o que a família procurava. A mudança seria o início dessa nova vida e o fim da vida pobre e difícil que eles haviam antes. Um bairro comum, sossegado e pacífico, tudo parecia perfeito. Mas nada é perfeito, e isso ficava cada...