𝑺𝒆𝒗𝒆𝒏 𝑫𝒆𝒗𝒊𝒍𝒔

Sessão 7 - O Anjo da Morte

Cinco anos antes

Clarice chegou em casa totalmente cansada, depois de passar a noite anterior no hospital. Tirou suas roupas sujas de sangue e as jogou dentro da máquina de lavar. Arrastou seus passos monotonos até o seu quarto e voltou enrolada num lençol, serviu três dedos de uísque para si.

A máquina de lavar chacoalhava e esquentava. Clarice se sentou no chão e recostou as costas na máquina, deu um gole no copo e levou uma mão a sua orelha esquerda, sentindo os pontos recém feitos. Ela soluçou a seco duas ou três vezes antes de desabar em lágrimas ansiosas e engasgadas.

Era sua primeira missão séria como agente primaria e havia sido um completo pesadelo. John, seu instrutor de tiro no FBI, foi fuzilado e Clarice teve de matar uma mulher que carregava um bebê preso ao peito como colete a prova de balas.

"Ela atirou em mim primeiro" Clarice repetiu mentalmente para si, tocando outra vez nos pontos frescos em sua orelha. Não podia se esquecer de que havia apenas se defendido.

Clarice se encolheu um pouco mais e abraçou suas próprias pernas, sentindo o coração estourar no peito. A imagem do tiro acertando a boca da mulher e estourando a parte traseira de sua cabeça voltou ao seus olhos e Clarice teve de correr para o banheiro para vomitar. Era um pesadelo.

Seus olhos pesavam com cansaço e seu corpo estava nocauteado com cansaço e esgotamento mental. Ela se deitou sobre o chão gélido e ali ficou por um longo tempo, ouvindo a máquina vibrar e o tic-tac do relógio na parede.

Aquele silêncio sepulcral foi quebrado pelo som de um vidro se partindo e algo pesado caindo sobre o chão de madeira da sala. Clarice se levantou imediatamente e correu até a sala, pegando sua arma sobre a mesa e a empunhando.

Por sorte, apenas uma pedra havia atravessado sua janela. Mesmo se fosse um invasor, as mãos de Clarice tremiam demais para acertar um tiro com precisão agora.

Ela deixou a pistola de lado e se abaixou perto dos cacos espalhados no chão, se ajoelhando no piso e vendo que a pedra estava amarrada a uma folha de jornal. Ao puxar a página, viu que era uma manchete de um tabloid, TattleCrime.

"ANJO DA MORTE - Clarice Starling, a nova máquina de matar do FBI"

"A agente novata, Clarice Starling, de 20 anos, teve seus primeiros quinze minutos de fama ano passado, depois de ter matado o sereal killer Jame Gumb, o "búfalo bill". Hoje, ela volta as notícias depois de ter matado Gabriella Pyn, acusada de tráfico de drogas, em uma operação desastrosa. Pyn levava um bebê consigo e podia ter sido facilmente desarmada."

Clarice franziu as sobrancelhas ao encarar a página amassada e encharcada de sangue. A foto dela atirando na mulher e os miolos estourados estava estampado no rodapé da folha. Era uma agonia prolongada, com total vida própria. Naquele instante, ela se deu conta de que sua vida agora era um espetáculo público, grotesco e brutal.

✦✦✦

- Tem certeza que quer ir sozinha, Clarice?

- Tenho meus motivos. -Ela murmurou tranquila, as duas andando lado a lado rua acima, Chiyoh carregando seu rifle numa maleta prateada. - Vai cumprir com o combinado, sim?

- Apenas interferir se você estiver em perigo. -Chiyoh repetiu e Clarice abanou a cabeça afirmativamente, as duas se entreolhando longamente antes de Chiyoh desviar para entrar num prédio, onde ficaria de tocaia no topo.

Clarice continuou seu caminho e logo viu a silhueta de Freddie indo ao seu encontro, voltando de mais um dia de "trabalho".

- Freddie Lounds. -Clarice chamou e a mulher ergueu as sobrancelhas um tanto surpresa ao vê-la.
- Clarice Starling... Então você está viva.
- Quanta ironia, não?

- Você tem muita sorte por sobreviver à Hannibal e Will Graham.
- Não tenho sorte alguma. Nos damos muito bem, ele cuida de mim.
- Como eu imaginava, ele fez uma lavagem cerebral em você.

- Você está errada, sempre esteve. -Clarice cerrou um dos punhos, sentindo o ódio subindo por seu corpo. - Você sempre me difamou, me tratou como uma lunática, desde sempre!

- Você sabe que vou escrever sobre tudo isso amanhã, certo?
- Você não vai viver pra isso. -Clarice murmurou tranquila antes de acertar um soco na boca da ruiva, a fazendo cair para trás, num forte impacto com as costas sobre o chão.

Freddie resmungou com desespero, tentando gritar, mas Clarice prontamente subiu sobre seu corpo e cobriu sua boca com as mãos.

- Shhh... -Clarice ronronou, deixando o sangue do corte na boca de Freddie sujar suas mãos. Ela aproximou o rosto do da ruiva e lhe encarou profundamente. - Sou o anjo da morte... Contemple o que criou, Frederika.

Ela apertou sua garganta com ambas as mãos e sufocou sua voz de uma única vez. Freddie ainda tentou segurar seus pulsos e a impedir, mas não foi capaz. Logo, a ruiva ficou gélida e arroxeada, imóvel e dura.

A jovem continuou a estrangular o cadáver estirado, até ouvir passos rápidos em sua direção.

- Clarice! -Chiyoh lhe chamou, se abaixando a sua frente com sua arma nas costas, o corpo no chão entre elas. Clarice afastou as mãos do pescoço de Freddie e as encarou, manchadas de sangue seco e rubro. - Você conseguiu, mas agora precisamos ir.

A jovem lhe encarou com olhos cansados e marejados, lágrimas correndo por seu rosto avermelhado de nervosismo. Ela ergueu as mãos lentamente e segurou o rosto de Chiyoh com cuidado, alisando sua pele com os polegares e a trazendo para si, selando os lábios cuidadosamente.

Chiyoh soltou um suspiro pesado e segurou Clarice pelos cabelos, o beijo se tornando subitamente mais intenso, desesperado, a mais velha recendo uma mordida tímida no lábio inferior.

- Clarice, por favor... Não podemos...
- M-Me fode... -A jovem a cortou com um pedido ofegante, a ponta de seu nariz massageando um lado do rosto da outra, engatinhando para longe do corpo e colando o peito ao dela. Clarice tremia, suas pernas fracas e entortadas.

Chiyoh passou os braços em torno de sua cintura e ergueu seu corpo para ficar de pé, ainda processando as palavras desesperadas da mais nova. Clarice tinha o rosto escondido na dobra de seu pescoço, as mãos manchadas de sangue passando pelos cabelos negros dela.

- Vamos pra casa, Clarice.