Desencontro

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 Formigas. Sim, formigas. Algo tão banal quanto esses seres irritantes que se acham donos do nosso pote de açúcar. Um fato que reparei inúmeras vezes é que quando algumas formigas se encontram, mesmo sendo de mesma espécie, elas não interagem entre si. Claro, isso não é com todas, mas é como se elas se conhecessem a vida toda e ignorassem o fato da existência uma da outra. Bem... Posso estar indo longe demais, portanto, acho que você já deve saber onde quero chegar. Relaxe, não precisa ter pressa. Sente-se e fique à vontade.
 Quando eu era pequena, por algum motivo me sentia sozinha. Sempre fui de brincar e estimular bastante minha imaginação, então essa solidão não parecia tão presente. Os momentos em que eu me esquecia disso era os que eu passava com as minhas poucas primas e agora me recordo que havia uma rivalidade secreta entre elas. Primas de famílias diferentes, sabe? Uma delas era a Rachel. Ela era um ano mais velha que eu, tínhamos a mesma mentalidade e gostos infantis. Ela seguia as minhas ideias, como quando eu optava por ficar jogando no fliperama do antigo bar da minha tia-avó e ela me acompanhava. Rachel e eu fomos criadas literalmente juntas pois sua casa ficava colada a parte da frente do meu quintal e justamente ali tinha um muro por onde ela subia e ficávamos conversando.
 Um belo dia, resolvi fazer um buraco no muro para que ela não tivesse que subir e se "arriscar" - que, na verdade, ela se apoiava num tanquinho de lavar roupa, mas aquilo na minha mentalidade de criança era muito arriscado. Fiz o tal buraco que ficou imenso na parede (do tamanho de um maracujá) e rimos a tarde toda conversando pelo rombo. Pouco tempo depois, o avô ainda vivo dela e a minha tia-avó discutiram pacificamente sobre o buraco e eu assumi a culpa. No dia seguinte, o buraco estava tapado com cimento.

 A pouco tempo, eu havia me apaixonado pelo meio irmão da Rachel e como eu sabia que mesmo sendo um ano mais velha que eu, ela não teria maturidade para entender o que eu estava sentindo, mas resolvi contar mesmo assim. A reação dela não podia ser mais previsível: ela ficou boquiaberta, me perguntou se eu tinha certeza, ficou quieta e depois perguntou se eu queria que ela contasse pra ele. Essa era a boa e velha Rachel. Por algum motivo, eu gostava da previsibilidade dela, já estava acostumada e me sentia livre para me abrir com ela, ademais que a reação dela sempre fosse a mesma.
 O romance não durou muito - especificamente, teve a validade de um verão, desde o ano novo até o começo de fevereiro - e foi uma droga. Não uma droga que deixa a gente contente e ao mesmo tempo com raiva. Foi apenas uma droga.
 Consequentemente, Rachel também começou a namorar um cara que ela estava a fim faz tempo, mas sempre dava pra trás quando ele tentava pedir a mão dela. Sinceramente, acho essas coisas umas cafonices, e olhe que eu acho poucas coisas assim pois admito: tenho sim um lado meio brega. Voltando ao romance da Rachel, ela esqueceu da minha existência (e eu esqueci de dizer que isso virou um hábito comum após a nossa infância e pré-adolescência) e "não nos vimos" desde então. Digo em aspas porque ela vinha até o meu quintal falar com o pai dela que morava com a minha tia, contudo, não me chamava nem pra saber se eu estava bem. Era cômico.
 Um certo dia, passei ao lado dela na rua. Primeiramente não acreditei que iria passar ao lado dela só por não esperar vê-la naquele horário, segundo porque ela apenas repetiu minha entonação e cumprimento. Apenas nos ignoramos, só que com falas e semi-olhares no meio. Uma das piores sensações.

 Então, por que cheguei até aqui nesse desabafo? Talvez pra lembrar de momentos bons que não voltam mais e eu sei que mesmo que eu tentasse, não poderia mudar essa distância que aumentou entre nós no decorrer do tempo. Tudo isso é triste, mas os momentos bons... Principalmente o do buraco vão permanecer na minha memória... Pra sempre.

A Ligação e outros contosOnde histórias criam vida. Descubra agora