A sonolência dos meus olhos não queria agir conforme a solicitação ríspida da vibração do celular. Mesmo com a insatisfação do meu corpo, vasculho por debaixo do travesseiro em busca do aparelho com o barulho vibrante.
Peguei-o com a mão acanhada e me esforço ao colocar o celular na maneira correta em minha orelha, pronunciando um alô sem ao menos saber manusear o celular.
Apenas sussurrei um comprimido alô.
— Oi, benzinho! — uma voz doce e estridente ecoou pelo aparelho, fazendo meus olhos abrirem em um solavanco. — Espero que você esteja bem!
Sua voz no telefone era exageradamente alta, fora do normal.
— Liguei cedo porque pensei que você quisesse fazer algo logo pela manhã. Tenho compromissos com minha mãe e queria guardar um momento especial e sem preocupações para nós...
Franzo as sobrancelhas enquanto ela contia falando. Por que raios ela iria me ligar logo pela manhã? Tento fazer minha cabeça funcionar, mas ainda estava perdido em meus mais inusitados sonhos.
— ... Planejei um pequeno almoço e... você sabe do que estou falando, não sabe?
Esse comentário me fez levantar de supetão e começar a vasculhar as gavetas e armários.
— Claro, eu sei que dia é hoje... — menti olhando de baixo da cama e avistando apenas edições antigas de mangas.
— Que bom! — A voz dela continuava harmoniosa e contagiosa.
Parei no meio do quarto e passei as mãos no cabelo, apreensivo.
— Bento, tudo bem? — sua voz mudou de entusiasmada e preocupada
— Sim, eu estou bem. Apenas... — terminei minha fala assim que vejo o calendário embaixo de peças de roupas na cadeira e me apresso em pega-lo. — Dias dos namorados! — exclamo assim que vejo o círculo rosa no dia específico. Coisa que Bruna havia feito a alguns meses atrás quando tocamos no assunto no nosso primeiro encontro no parque à um ano atrás.
— Sim! — ela aparentava estar mais feliz por ouvir sair da minha própria boca. — Feliz dia dos namorados!
— Feliz dia dos namorados... — Minha voz não saia com a mesma exaltação, e sim aliviado.
— Você havia esquecido, não é? — pergunta ela, com um tom um tanto decepcionado.
— Não! Eu não esqueci! — Apressei em dizer. Não era verdade, mas destruir um dia importante por causa de minha amnésia não era nada inteligente.
— Tudo bem, é típico de homens esquecerem de datas... mesmo que seja algo memorável.
Isso era maior do que qualquer decepção, não queira magoar pela minha péssima memória.
— Não. Eu não esqueci, e para te provar preparei uma surpresa — disse, imaginando a tal mágica que faria ao preparar algo inusitado em menos de horas.
— Sério? — Ela parecia se animar novamente, e pude escutar seus pulinhos de alegria.
— Sim — confirmei, olhando no relógio que marcava 08:30. — Até 11:00 da manhã estarei na sua porta.
Pude ouvir o que pareceu outros pulinhos de alegria.
— Mal posso esperar! — exclamou, que logo veio uma longa voz distante. — Tenho que ir, minha mãe está me chamando... Te vejo mais tarde!
Encerrando a ligação, jogo o celular em cima da cama. Passo as mãos sobre o cabelo, repuxando os fios para trás.
Não fazia a mínima ideia do que seria essa "tal surpresa". Automaticamente, meus olhos desviaram para o porta-retrato que se encontrava ao lado da minha cama. Nossa primeira foto com um relacionamento selado, Bruna me dava um beijo casto na bochecha enquanto eu retribuía com um grande sorriso.
Com as lembranças do nosso passado não tanto remoto assim, tive uma ideia. Nada é melhor e representativo do que o típico chocolate e flores.
Com esse pensamento repentino, vasculho meu armário à procura do antigo terno que usei no casamento da minha tia Mônica. Acho o paletó e colete e coloco sobre a cama, fico caçando todos lugares à procura da calça, mas não a encontro. Me viro e encaro toda dimensão do quarto, olhando de ponta a ponta. Até vê-la junto com as roupas sujas ao lado da cama. Pego-a em minha mão e sinto que a mistura do cheiro e odores o fez pegar o mesmo fedor.
Saio do quarto e vou à procura de minha mãe. Pelo horário, seu habitual é estar na cozinha. Encontro com um avental e tentando tirar te restos de lasanha de uma assadeira.
— Mãe, lava para mim, por favor? Se possível o mais rápido possível.
Ela olhou para mim e depois para calça estendida na altura de seus olhos. Deixando a louça de lado ela pega a calça de minha mão e me encara não acreditando em minhas palavras.
— Não se lava uma peça de terno de uma hora para outra — disse, com um ar de autoridade. — Afinal, para que você quer usar um terno sem nenhuma data em especial?
Bufo e sento na mesa da cozinha, descansando de toda pressão que obtive desde que abri os olhos.
— É... na verdade, pior que isso. Tenho que arranjar uma surpresa dos dia dos namorados pra Bruna.
Minha mãe sorri com compreensão.
— E você tá pretendendo se vestir como um príncipe carreando flores recém colhidas?
Encolhi os ombros, quase afirmando sua suposição. Ela passou a mão sobre meu ombro e seguiu para a lavanderia.
— Esse tal de amor...
Respiro fundo e fecho os olhos tentando imaginar o melhor dia dos namorados possíveis para Bruna. Eu não havia planejado nada. O que deixaria ela triste por seu namorado não se lembrar das datas mais importantes para aqueles que possui um relacionamento soberbo.
A primeira coisa que estou determinado a fazer é tomar um banho. Tudo é feito de acordo com o tempo, não posso me exaltar.
***
A última camada de gel é o suficiente para meia hora de esforço. Com seu estado compelido e pouco reluzente, me deparo com um novo agente da Kingsman.
Já havia se passado cinquenta minutos do combinado e o que eu precisava era caixa de chocolates, um imenso buquê de flores e... minhas calças, penso ao ver a toalha em volta da minha cintura.
Totalmente desproporcional para a vestimenta formal para um encontro.
Sai pela porta do quarto e gritei pela minha mãe ainda no corredor.
— O que foi garoto, eu estou com batata no forno — retrocedeu, com relutância ao escutar meus rangidos pela casa.
— Você pode me falar onde está minhas calças? — pergunto, com a amargura possuindo meu corpo.
Ela levantou espontaneamente a colher de pau, que derramava sobre o piso um molho denso e branco.
— Primeiro, não fale assim comigo garoto — pede, espalmando a larga cintura com a mão livre. — Segundo, a calça está secando atrás da geladeira. É só aguardar alguns minutos. Estressado.
Acenei um pouco relutante, sentindo uma onda de impotência e ansiedade. Não tendo nada mais que fazer senão dar um jeito nas flores e chocolates
Penso por todo caminho que fazia até meu quarto imaginando onde acharia uma floricultura aos arredores do bairro. Repouso minha mão na cintura, pensando se seria possível comprar um buque de orquídeas com o restante do meu salário no trabalho da venda da vizinhança.
A cadela da minha mãe aparece, aparentemente carente. Tento expulsa-la do quarto, enxotando-a, mas ela parece contrariada e nervosa pela negação do carinho e puxa a toalha que encobria meu corpo.
Mando ela sair e sem pedir duas vezes, ela sai saltitante pela casa. Com o tecido branco preso à boca. Fecho a porta em um estrondo. Ao voltar à minha habitual posição, fleches refletem a partir das vidraças da janela. Em um solavanco, vou até o vidro e o abro. E nesse momento vejo olhos ferozes e vingativos e uma câmera que não parecia ter capturado a melhor das imagens.
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Paralelo [✓]
Short StoryOs únicos planos de Bento para aquela quarta-feira era descumprir com todas suas obrigações e jogar videogame até conseguir o seu tão esperado nível recorde. Mas tudo muda com apenas uma única e decisiva ligação de Bruna. Sua namorada. Com uma data...