capítulo três: é apenas cimento, garoto

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Logo no meio do quarteirão, tentava imaginar as palavras que usaria para proferir o dia a Bruna. Como eu disse, não podia decepcionar mais ninguém pela minha atitude.

O Sol do meio-dia quase estampava em meu rosto, que se estendia de alegria e mocidade. Meus passos eram mesurados, mas nada que ultrapassasse poderia me fazer perder o horário.

No fim do primeiro quarteirão avisto uma imagem anormal que se acostuma ver em uma vizinhança humildade e pouco vista pelas autoridades. Na rua seguinte existia cones laranjas interditando a passagem, homens de uniformes laranjas e caminhões de carregamentos por toda extensão.

Me aproximei com a testa enrugada, o homem mais próximo perfurava o asfalto da rua, não deixando a sonância da minha voz avoaçar-se, quando tentei gritar. Depois de uma breve parada das perfuradas bruscas e instaladas, o homem cascarrão e despojado me olhou da cabeça aos pés, ajeitando o capacete de proteção na cabeça.

— Por que a rua está interditada justo em uma quarta-feira de manhã? — Perguntei proferindo as palavras cautelosamente.

O homem de porte ignorante tirou o palitinho entre os dentes e deu de ombros para minhas palavras articuladas.

— Garoto, escuta aqui, nesta rua está havendo recapeamento de esgoto. A passagem está interditada, então qualquer insinuação de atravessa-la, terá que ser rejeitado.

Joguei a cabeça para os céus e clamei por mínima dignidade.

— Por que isso! — Lamentei, não especificamente para alguém

— Olha, você atravessa pela rua de cima, ou fica com o esgoto nasalando seu almoço todos os dias.

Revirei os olhos pela sua ousadia de se digerir a mim e comecei a dar meia volta.

— Ei, cuidado com o buraco!

Fiquei confuso pela sua voz em alerta, mas depois que meu pé esganiça e caiu sobre uma poça de mistura de cimento deu para entender sua voz um pouco fora do normal. A caixa em meus braços é prensada contra meu peito, as flores e o chocolate caíram do lado; inibindo de mais tragédia.

Levantei calmamente e limpei minhas calças que se encontravam sujas e meladas. Meu paletó estava limpo por causa da caixa. A mesma se encontrava amassada, se for algo frágil, já teria quebrado na certa.

Peguei as flores e encaixei a caixa em meus braços e segui por outro caminho.

A casa de Bruna é quatro ruas paralelas a minha. Mas com esse contra tempo, vai ser mais difícil do que imaginava.

Subindo a rua sinto as gotas de suor se aglomerar em minha testa. O cimento em minha calça já endureceu, dificultando a caminhada.

Com adiantamento do caminho, vejo meu amigo acenando do outro lado da rua. Durante seu horário livre, Antônio fazia trabalho comunitário, passeando com cachorros.

Mesmo com várias guias em volta do seu pulso, ele sorria e se alegrava por ter se encontrado comigo. Retribui do mesmo gesto. Mesmo com meu traje acabado, nada acabaria com minha ansiedade e felicidade de ver Bruna.

Antônio atravessava a rua, ele e seu exército de cachorros.

— Oi, Bento! — exclamou assim que me viu, cumprimentando com um aceno — Aonde você pretende ir assim? Agora está trabalhando de pedreiro? Não sabia que eles faziam isso de terno...

Seu rosto se contorcido de ironia. A real era que ele queria rir da minha cara.

— Nada mais que o meu dever — digo apenas, com o semblante não tão agradável assim.

Apenas disse o necessário, não podia ficar batendo papo e fui embora. Antônio apenas deu de ombros e circulou por mim, mas assim que a garota dos seus sonhos como ele costuma preferir apareceu. Ele foi tomado pelo sorriso feito e sonhador.

Uma morena alta, bonita e formosa, mas nada que fizesse substituir minha namorada. Antônio ficava todo bobo que mal conseguia controlar seus cachorros. Eles pareciam estar concentrados em mim, meu instinto me faz começar a caminhar. Seus latidos eram apavorantes.

Minha chegada enfim chega, e meu preparo para virar o próximo quarteirão chega. Mas meu coração dá um solavanco quando Antônio é descuidado o suficiente para soltar a matilha em cima de mim.

Não deu tempo para notar se Antônio pelo menos se deu o trabalho de recuperar os cachorros que sequer eram seus. Mas pela astúcia, corri o mais rápido que se era possível. As latidas atrás de mim eram constantes. Olhei para trás para avistar meu desafeto de todas as maneiras. Porte grande pequeno, peludo, tosado... todos estavam atrás de minha pele.

Minha respiração fungava, sentia a sola do sapato desprender do pé, o suor se juntava ao tecido do terno barato. Todos na rua olhavam para mim preocupados, podia estar cansado, mas minha velocidade não cessava. Com a passagem pelo um prédio de reciclagem, a calça se prende no arame do grande cercado estendido.

— Droga! — murmúrio ao sentir os latinos próximos, puxo com força, mas continua engaranhado. Com as feras mais perto, esqueço tudo e puxo com força, rasgando e estragando a lateral da calça.

Com os cachorros mais próximos, avisto uma árvore próxima, que talvez, com muita pouca habilidade eu possa subir para me refugiar.

Apenas com um impulso, solto tudo que estava em minhas mãos e levanto meu pé, esganiço no galho mais próximo e agarro um galho. Um vira-lata, puxou a barra da minha calça, tentei puxa-la de sua boca, mas a resistência de seu corpo mostrava que ele não estava disposto em desistir.

Os cachorros resistiam em ficar latindo sobre o pé da árvore, enquanto eu observava descontentemente um Bulldog comer os chocolates. Com a ideia que não sairia dali tão cedo, sinto um alto grunhido e garras sobre minha cabeça. Como um vulto vejo um gato preto pular de minha nuca e sair em disparada para o meio da rua, fazendo que a manada se desfoque de mim.

Suspiro e encaro cautelosamente com os olhos despretensiosos a caixa completamente amassada, as flores dispersas sobre o asfalto e... chocolates que um dia existiram.

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