ʙᴇɪɢᴇ

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Tantas imagens de pessoas e cenas de trens em movimentos em lugares do mundo em que ele nunca esteve. Ou apenas a sensação de um inverno próximo o tirava da cama todas as noites daquelas semana. E ele não aguentava mais.

Em uma destas noites ele desistiu de pegar no sono e se levantou de seu sofá/cama e andou até sua cozinha (ok, não era exatamente uma cozinha, o apartamento era pequeno demais para separar os cômodos), fez um café escuro e acendeu um cigarro.

Há quanto tempo estava sem fumar? Um mês já? Desde começara a arrumar suas coisas em sua casa onde morava ainda com sua mãe, na sua cidade natal, não tinha tido tempo para isso. Claro que pensou várias vezes em fazer, porém seus momentos de euforia de criatividade para compôr suas músicas e os momentos de calmaria que ele estaria limpando e empacotando seus pertences, e até os ataques nada comuns de asma, o fazia pensar duas vezes antes de usar seu isqueiro. Por isso acabou tossindo pelo menos três vezes ao dar a primeira tragada em seu cigarro, tomou um pouco de café na frente de sua única janela do cômodo. Estava tudo nublado lá fora, ameaçando chover a qualquer momento, as luzes vizinhas de sua maioria apagadas. Ótimo momento para se sentar em sua mesa e fazer sua lição e quem sabe escrever algo.

Claro que não ia sair coisa boa disso. Duas horas de sono e quase que me atraso novamente.

Miles estava revendo todo seu conceito entre ter uma boa noite de sono ou passar uma madrugada fazendo novas canções enquanto terminava suas anotações sobre a aula que teria logo após o intervalo sentado de baixo de uma árvore do lado de fora do prédio. Ele esfregou seus olhos com a intenção, porém inútil, de tentar manter-se acordado.

A manhã estava totalmente diferente da madrugada, o sol tinha sorrido e banhava todo o campo. Ele subiu os olhos apenas para sentir aquela ardência que se sente depois de horas estando no escuro e finalmente você abre as cortinas de seu quarto e a luz te cega por breves segundos. Fechou os olhos, desta vez apertando bem suas pálpebras para tentar afastar aquela sensação.

Por um momento ele apagou, como se tivesse dormido sentado, mas nem sequer fechou os olhos. Ouviu um grupo de garotas passando perto, conversando entre si como se não quisessem que os demais as ouvissem. Piscou mais algumas vezes para focar sua visão em seu caderno em suas coxas a sua frente, logo para perceber que não era sua visão que estava turva e sim misturada com terceiros elementos da vida que acontecia ao seu redor. Logo entendeu o motivo das garotas estarem sussurrando entre si, elas realmente não queriam que um outro grupo de pessoas as ouvissem.

Eram o total de oito figuras em pé não muito distante de Miles. Todos eles estavam com roupas pretas e sapatos de couro, todos estavam fumando também, o que fazia praticamente uma nuvem de fumaça à cima de suas cabeças. Era dali que vinha a inquietação na visão dele.

Por alguma razão que Miles não compreendeu logo de início, ficou encarando o grupo que mais pareciam uma gangue de motociclistas dos anos 90 do que alunos de universidade de artes gerais, até que enfim perceber que estava tentando reconhecer um rosto no meio daquela bagunça organizada para chamar a atenção de todos ao redor com os risos e conversa em voz alta. Apenas a voz de uma única pessoa não se era ouvida e muito menos a risada, o que desagradava, pois era dele que os outros esperavam ouvir mais. Como uma imagem que emerge da água, que se é preciso esperar todo o líquido escorrer até que enfim seus olhos possam reconhecer, seu semblante se fez claro na piscina de faces.

Se tratava dele novamente, fumando quieto na sua no meio de outros, ainda o centro da atenção. Seus olhos, mesmo com toda aquela iluminação natural do sol, pareciam tão escuros, seu cabelo desta vez estava arrumado para trás com muito gel, o que lembrava a Miles ainda mais uma personagem principal de filme romântico adolescente dos anos 90 que todas as garotas suspiravam em só proferir seu nome. Seu sorriso se desfez após ouvir algo que um de seus companheiros estava falando e levantou aquele olhar pesado até encontrar com um ponto perdido parado à poucos metros deles.

Era tarde demais.

Miles pensou em desviar seu olhar, voltar sua atenção para seu caderno ou para qualquer outro ponto na altura de sua visão, mas era muito tarde. Os dois já tinham passado de olhares estranhos se encontrando sem querer por nenhum motivo, para duas pessoas que encontrava o outro o encarando e se devolvia com um que dizia O que você quer comigo? Venha, se levante e me diga!. E ele sabia muito bem que não se desvia um olhar deste tipo até que alguém ceda e faça estas perguntas. E foi o que o moreno fez.

O coração de Miles começou a socar seu peito de forma que ele achou possível ele saltar para fora de seu corpo enquanto via o outro desfazendo a roda ao redor de si e andando em sua direção. Logo se fez um silêncio repentino, todos os outros caras e as garotas que gostariam estar no lugar de Miles, todos observando o caminho que ele fazia até o garoto sentado debaixo da árvore, claramente desejando estar sozinho e não sendo observado por mais de vinte pares de olhos.

Porém, mesmo sem saber que tipo de bomba poderia explodir logo em seguida, ele não pode deixar de se concentrar na forma que o outro andava. Até nisso ele conseguia ser único, ele nem sequer precisava fazer barulhos com seus sapatos, sua forma de andar já era o suficiente para fazer qualquer um desviar a atenção de seu celular e o encarar por alguns segundos sequer, hipnotizado com sua postura e a sensação de pura auto confiança ao caminhar.

Miles podia jurar que nunca havia presenciado um momento como aquele.

O outro se aproximou e tragou mais uma vez seu cigarro, olhou para baixo como se estivesse irritado - ou apenas buscando as palavras corretas para usar, ninguém sabia dizer -, e olhou novamente para Miles.

"Ahn..."

"Ahn"? Mesmo?

Ele sentiu um certo desconforto da forma que ele iniciou sua fala, sua postura e tom de voz pareciam estar debochando da existência de quem o observava de baixo para cima. Não era necessária mais palavra alguma para Miles ter certeza de toda sua arrogância acumulada em um ser só.

"Hmm..." Ele queria continuar com aquilo. "É... Eu te conheço?"

Ele mudou sua postura, Miles não soube ler sua linguagem corporal.

"Quer dizer... É porque você fica me encarando e eu pensei que... Por quê?"

Miles não estava acreditando no que estava ouvindo. Havia uma regra universal que quem fosse e falasse primeiro devia explicações, era ele quem devia estar respondendo estas perguntas, era ele quem devia uma resposta. Porém ele só se mostrou mais arrogante ainda por querer que estas respostas viessem de Miles, que era claramente a vítima desta situação constrangedora. Todos estavam esperando algo dele - principalmente o diretor daquela cena -; alguma, qualquer coisa.

"Eu... fico encarando... você?" Foram as únicas palavras (incrédulas) que ele conseguiu deixar escapar de sua boca.

O garoto que estava em pé não conseguiu responder, ou apenas não queria. A este ponto ele não estava mais fazendo contato visual com Miles, o que não o ajudava a compreender suas intensões com aquele teatro todo.

Talvez foi sua paciência quase intocável que estava em questão no momento ou por simplesmente ter lembrado que precisava voltar para dentro do prédio da universidade que o fez levantar, juntar suas coisas na mão e por um fim naquele ato e finalmente fechar as cortinas.

"Você estava me encarando." Ele não falou num tom irritado, mas quem não o conhece diria que estava. "E não, não nos conhecemos."

Ele fez seu caminho para longe de todos aqueles rostos estupefatos, elas sem acreditar que alguém poderia dar um fora no garoto que todas desejavam ser conhecidas; eles por não aceitarem que ninguém falasse daquele forma com um amigo.

"Caras, deixem isso pra lá."

Foi o pedido que ele ouviu, já afastado do palco e do ator principal.

❛ɢʀᴇʏɴᴇss❜Onde histórias criam vida. Descubra agora