ᴏʀᴀɴɢᴇ

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Miles de repente pulou da sua cama. Jurava ter ouvido seu alarme tocar várias e várias vezes como uma trilha sonora de filmes em seus sonhos; ele estava curtindo, era uma música que ele gostava. Mas logo ela se tornou incômoda e finalmente o despertou  de seu sono.

"Droga."

Ele estava atrasado. Quis xingar mais algumas vezes olhando o relógio do celular com pelo menos vinte minutos de atraso.

Até pegar o transporte, meia hora. Calma, um café da manhã. Não, sem tempo pra isso.


Óbvio que estava atrasado, sua noite anterior foi agitada, ele acabou bebendo até tarde e podia sentir já sinais de ressaca. Uma noite tocando em um dos bares mais frequentados da cidade e depois ser convidado para tomar umas com um grupo que curtiu sua apresentação até o local fechar não era uma desculpa para chegar atrasado logo no começo da segunda semana de suas aulas na universidade, claro! Mas que culpa ele tinha, se ele estava ansioso por tudo ter saído melhor que planejara, ou por ter cantado uma ou duas músicas autorais no meio de vários covers de bandas dos anos 80 e 90 (que ele era completamente apaixonado).

Ele estaria inocentado se chegasse pelo menos há tempo de assistir o fim da primeira aula.

E ele fez.

Acabou sem lugar nas primeiras fileiras, onde ele costumava sentar e assistir bem às aulas. Sentou no fundo.

Deus, em todos meus anos escolares, eu nunca sentei no fundo.

Foi a aula mais desconfortável de toda sua vida. Seus professores davam a vez para os que estavam sentados mais a frente, estava sendo ignorado por todos dentro daquela sala. Com uma única exceção.

Miles nunca foi de se incomodar com olhares, bem pelo contrário. Às vezes se achava inferior demais às outras pessoas. Todo esguio e nada particularmente atraente - segundo ele mesmo -, nunca era o centro das atrações. Raramente você ouviria seu nome sair da boca de uma dessas garotas que se sentam perto das árvores durante o intervalo, mexendo em seus smartphones enquanto fofocam e perguntam qual o garoto mais bonitinho da turma de música do período da manhã.

Ele não se importava com essa parte. Mas gostava quando estava numa roda de amigos e conseguia fazer todos rir, ou quando cada um prendia a respiração para ouví-lo tocando. Por mais que não fosse o centro das atenções em lugares muito sociais, todos os seus amigos e conhecidos separavam seus tempos para conversar com ele.

Porém a atenção que estava recebendo naquele momento o deixava com as pontas da orelha vermelhas e suas pernas inquietas. Miles se sentiu obrigado a passar seus dedos compridos e magros no cabelo e massagear sua nuca pelo menos duas vezes durante a aula para testar se conseguia espantar aquele incômodo.

Infelizmente ele teve que aguentar aquilo até o intervalo.

Agradeceu aos céus quando ouviu o sinal que os liberavam para a saída. Fechou seu caderno de anotações e se agachou para pegar em seu bolso lateral de sua mochila cor bege com estampa de onça dinheiro para comer algo. Por alguns segundos encostou suas costas na cadeira e encarou seus sapatos pretos por motivos que não queria admitir.

Esperou que todos sentados próximos de sua carteira saíssem da sala. Uma garota loira se juntou à outras da sua turma, outra menina saiu da sala com pressa e outros dois caras saíram logo em seguida.

Abaixou os olhos para sua roupa. Como ele podia ser facilmente confundido com um dos Beatles, especialmente hoje.

Okay. Não era nada.

Antes mesmo que pudesse se levantar, outro aluno passou por ele. Logo ele levantou a cabeça rapidamente, seguindo o cheiro forte de cigarro e roupas novas. Um garoto moreno vestido completamente de preto andava em direção à porta, levava com si sua mochila também preta em um de seus ombros.

Ele se retirou da sala tão rapidamente que foi impossível de Miles absorver qualquer característica de seu rosto ou corpo. Porém, olhando aquela jaqueta de couro com algo que não conseguiu ler escrito nas costas, o fez ter um pingo de desconfiança que era aquele o dono dos olhos que encararam a nuca dele durante todo o primeiro tempo de aula.

Felizmente - para Miles -, o garoto não voltou para a segunda rodada de dores de cabeça a cada palavra do professor e a agonia de querer que a hora passasse o mais rápido possível.

❛ɢʀᴇʏɴᴇss❜Onde histórias criam vida. Descubra agora