A música cessou, os ciganos foram aplaudidos e receberam moedas. Ramon caminhou em direção a Nazira, desviando de alguns gadjos.
- Mi amor, nada fiz para Tarah tomar tamanha liberdade comigo.
- Não sei o que pensar... - choramingou Nazira, com raiva de si mesma por não ser capaz de conter as lágrimas.
- Você é o sol dos meus olhos! - sussurrou ele aos ouvidos da jovem: - Quando está triste, traz nuvens ao meu céu.
Nazira sentiu o toque suave em seu queixo, fechou os olhos e permitiu que Ramon buscasse seus lábios em um beijo.
- Ramon, tens negócios para realizar - avisou Zoraide, aproximando-se: - Deixe que fico com Nazira.
Ramon olhou para a esposa que sorriu como que concordando com a sugestão da sogra.
- Tarah toma atitudes impensadas - justificou a cigana, tomando Nazira pelo braço e se afastando da aglomeração.
Passaram algumas horas naquela vila realizando negócios. Quando o dia começava a findar, as mercadorias foram recolhidas e a caravana cigana se instalou num bosque afastado para montar acampamento.
Era noite alta quando a fogueira foi acesa no centro do acampamento, os ciganos se reuniram para contar as moedas e se alimentar.
Nazira entregou tudo o que havia recebido para o marido.
- Quantas moedas, mi amor.
- Sim, são a paga pelas adivinhações - respondeu ela.
- E isto? - Ramon apontava o medalhão.
- Uma gadjé me deu em sinal de amizade. Sabes o que é?
Ramon analisou brevemente o medalhão.
- Não tenho conhecimento. Vamos perguntar ao Grande Pai.
O Grande Pai estava conversando com alguns ciganos, Nazira ficou distante enquanto Ramon se aproximou e comentou algo com o velho.
- Chegue aqui, minha filha - chamou o velho.
Nazira se aproximou e parou ao lado de Ramon.
- Quem te deu o medalhão?
- Uma gadjé a quem li a sorte.
O velho olhou para o casal por um instante, antes de falar:
- Pois quem tem sorte somos nós: temos uma oraculista!
- Mas as outras ciganas também tiram a sorte, meu pai - falou Nazira, sem olhar para o homem.
- Nunca vi serem recompensadas por uma duquesa.
Nazira olhou-o rapidamente.
- Uma duquesa, meu pai?
- Sim, sim... Esse é o símbolo do duque Ricardo de Ansorena e dos membros de sua casa.
O velho devolveu o medalhão para Ramon:
- Guarde, é um sinal de amizade!
Ramon agradeceu. Quando estava afastado, devolveu à Nazira.
- Guarde contigo, mi amor.
Nazira sorriu, guardando o medalhão, avisou ao marido que iria ajudar as mulheres com os pães que assavam, com um beijo se afastou.
O forno de barro ficava atrás da tenda do Grande Pai, protegido dos ventos. Nazira caminhava sorrindo, Ramon era um bom marido. Ouviu uma grunhidos e estacou onde estava com medo de ser um animal feroz.
Os grunhidos se assemelhavam ao de animais, porém mais atentamente pode ouvir um choro abafado, caminhou lentamente em direção do ruído.
Atrás de uma carroça viu Manolo tomando Tarah por trás. A cigana mordia os lábios para conter um choro de dor que as lágrimas não escondiam. O homem a tomava com violência, incapaz de notar a dor que causava ou, talvez desejoso de causá-la.
Nazira não sabia o que fazer, sabia que era direito do marido tomar como quisesse a esposa, mas sabia também que era uma ofensa tomá-la por trás, porque retirava dela a benção da maternidade.
- Mexe teu rabo como fazes nas praças aos gadjos! - ordenou Manolo: - Bens sabes que tua vida está em minhas mãos e depende de mim se vais voltar a respirar ou não, desonrada.
As palavras quase gritadas chegavam aos ouvidos de Nazira que permanecia encolhida e encoberta atrás da tenda.
- Quer respirar? Impura! Desonrada!
Tarah se debatia buscando por ar, Manolo lhe segurava as mãos as costas e lhe apertava o pescoço, sufocando-a.
A face já roxeava e as pernas amoleciam, Tarah sentia a vida fugindo, então ouviu um urro, daquele animal que tinha por marido. Satisfeito, ele a atirou ao chão.
- Minha desonra... - ela tossia - É ter você como marido.
- Pois viveras desonrada até que me decida a enviá-la aos fogos - Manolo cuspiu em direção a mulher e chutou-lhe.
Tarah ficou jogada ao chão, chorando e lançando ofensas ao marido que não estava mais ali:
- Aleijado. Maldito. Que te carreguem os tsinivaris. A ti e aos teus filhos!
Tsinivaris são, na crença cigana, espíritos malignos.