Ao entardecer os convidados de outros clãs já se tinham retirado e a vida no acampamento voltava ao normal.
Antes de adentrar a tenda ao lado do marido, Nazira lançou um último olhar para mãe que se dirigia a própria tenda.
Sentiu os olhos lacrimejarem e Ramon enlaçou delicadamente sua cintura:
- Cuidarei de ti, mi amor.
Nazira viu sinceridade nos olhos azuis.
Os ciganos costumavam acender fogueira ao anoitecer e se reuniam para dançar, cantar, contar histórias e jogar conversa fora, porém após três dias de festa, todos queriam se recolher em suas tendas e repor as energias.
Zoraide sorriu e apontou um lugar perto do fogo para Nazira sentar.
A cigana preparava um cozido, o fogo era contido por barreiras de barro e sobre elas uma grande panela fumegava espalhando o perfume das ervas e despertando o apetite.
- Estou muito feliz por te receber como filha - falou Zoraide.
Nazira sorriu.
A tenda cigana era aconchegante, o fogo ficava no centro, próximo aos utensílios de cozinha, e uma mesa de madeira, os ciganos sentavam-se no chão ao redor dela para as refeições.
Os pais dormiam numa cama de palhas secas e mantas de lã, ladeada por um véu que permitia um mínimo de privacidade. Do lado oposto ficava a cama de Ramon e Nazira em igual condição.
Havia ainda alguns baús onde eram guardados os pertences pessoais.
Assim que ficou pronta a refeição, os homens foram servidos primeiro, depois Zoraide e por último Nazira que tomou a cumbuca fumegante nas mãos.
Ramon molhou um pedaço de pão no cozido e levou aos lábios da esposa, os pais aprovaram a forma como o filho cuidava da esposa.
Ramon deitou-se ao lado da esposa, aninhando-se em seu corpo, Nazira adormeceu sorrindo, sentindo o calor do marido.
A ciganinha acordou cedo na manhã seguinte, lavou-se e Ramon depositou um beijo em sua testa, arrumando o véu sobre os cabelos pretos, foi tirar leite da cabra.
Após o desjejum, ambos foram cuidar dos afazeres.
O acampamento começava a despertar, as mulheres acendiam fogos, os homens iniciavam as tarefas e as crianças corriam livres.
Nazira juntou alguns galhos e formou uma espécie de vassoura sem cabo, com o buquê de galhos varreu a tenda.
Depois foi juntar-se às mulheres que lavavam roupas em um riacho próximo.
- Ah que riqueza de casamento - comentou uma cigana.
- Fico grata!- respondeu a garota.
- Foi o mais belo que já vi - completou Ayla.
- Tomara que tu valhas tantas moedas para que nada tenha sido em vão - falou Tarah.
- Não compreendo -murmurou a garota.
- Ora, bem se sabe do quanto foi gasto nessa festa. Agora cabe a ti dar a teu marido filhas que façam voltar todo o ouro gasto - justificou Tarah.
- Que Santa Sara nos abençoe com muitos filhos - disse a ciganinha.
- Com filhas! - corrigiu Tarah - Se parires mais homens com que o vosso marido há de comprar esposas?
Nazira não entendeu a lógica de Tarah, pois sabia que ela era mãe de dois meninos.
- Ou vais querer trazer mais bocas para alimentar, apenas?- insistiu Tarah.
- De que reclamas, se tens dois filhos?- retrucou Ayla.
- Eu os tenho, mas com minha dança trago mais moedas para casa que a maioria de vocês, bem posso comprar boas esposas aos meus filhos, sem trazer prejuízo à casa de meu marido.
- Ah sim, porque para a casa de teu pai trouxeste grande perda, eh? - provocou Ayla.
Tarah jogou a roupa na bacia furiosa e saiu.
Ayla riu, Nazira a olhou com a testa franzida, como a pedir uma explicação.
- Tarah foi comprada ainda pequena para Manolo, acontece que cresceu e, como se sabe, dança com encantamento, era uma bela ciganinha que dançava ao lado da mãe em vilarejos e cidadelas e sempre ganhou muitas moedas. Acontece que o pai dela querendo lucrar, aumentou o preço da filha.
Nazira levou a mão a boca, sabia que aquele ato não era honroso aos ciganos.
- Furioso, meu sogro recorreu ao Grande Pai que ordenou uma multa por tal cobiça. O pai de Tarah enfurecido, deixou o acampamento após o casamento dela.
Nazira entendeu a raiva de Tarah.
Ela carregava a bacia com a roupa lavada quando Ramon veio ajudá-la, retirando o peso de suas mãos.
- Dilo (tolo) - resmungou Tarah observando-os ao longe.