IV

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    O olhar de Helena divergiu entre ambos os deuses. Por sorte estava sentada, caso contrário sentia que poderia desmaiar a qualquer momento. Ela espremeu as mãos, agarrando a barra de sua túnica, tremendo nervosamente. A jovem sentia que aquela pergunta, dependendo de sua resposta, custaria sua ligação com Hades. Ela mordeu o lábio inferior, cogitando falar, quando foi interrompida pela risada de Thanatos que reverberou pelo salão.

—Que bela cena! - O deus da morte exultou batendo palmas. —Hades, você proporcionou-me um entretenimento satisfatório.

     Hades voltou-se para Thanatos.

—O que?

—Não a faça escolher. - Thanatos disse. —Estava apenas testando-o.

    Tanto Helena quanto Hades mostraram-se confusos, embora o deus não demostrasse realmente tanto quanto a jovem. Thanatos suspirou satisfeito, erguendo-se do divã. Ele aproximou-se do trono, entreparando entre ambos.

—Hades, parece que finalmente alguém fez-o perder seu autocontrole. Nunca imaginei que você pudesse demonstrar emoções. - Ele comentou, virando-se para Helena. —Sempre que esse charlatão perturba-la, invoque-me. Ainda posso toma-la para mim. - Ele piscou.

    Antes que algum deles respondesse, a morte transformou-se em poeira dourada, sumindo por entre os vitrais do palácio. Helena e Hades permaneceram encarando o teto escuro do salão, incrédulos.

—É... O que foi isso? - A jovem questionou, mais para si, recostando-se no estofado. —Os dias estão cheios de emoções ultimamente.

    Hades estava silencioso desde então, fazendo-a perguntar-se sobre o que o deus pensava naquele momento. Quando virou-se para olha-lo, sobressaltou-se, pois o mesmo já observava-a com suas orbes profundas e austeras. Ela arrumou-se no trono, recuperando a postura.

—Então... - Ela engasgou, mordendo o lábio inferior.

—Me perdoe por essa cena deplorável que a fiz testemunhar. - O deus adiantou-se.

—A não, tudo bem, eu posso simplesmente fingir demência. Sou boa nisso. - Ela brincou, esboçando uma risada alta.

    Os lábios de Hades, em linha reta, curvaram-se num sorriso contido. O suficiente para iluminar sua face pálida e encantar Helena. A moça, por alguns instantes, manteve-de boquiaberta, entretanto, balançou a cabeça para dispersar os pensamentos que formavam-se.

—Que cabeça a minha. Jogada aqui no seu trono, despreocupadamente.

    Ele aproximou-se, o suficiente para sussurrar-lhe:

—Você fica bem nele.

    O coração de Helena, por um breve instante, errou a batida e um rubor veio-lhe, colorindo a face, deixando-a sem palavras. Hades ergueu a mão, roçando o polegar no canto dos lábios da mesma.

—Deveria parar de ferir seus lábios. - Ele balbuciou, seu olhar estranhamente caloroso.

    Instintivamente, ela virou o rosto quebrando o contato físico. Helena sentiu seu estômago saltar como se borboletas estivessem dançando entre suas entranhas, sua respiração tornou-se pesada e as bochechas queimavam como brasa, indiciando um vislumbre da pele corada. O deus notou sua repentina mudança de humor, buscando outra abordagem menos brusca, afinal, nunca havia tentado algo assim antes.

—Bem, não está na hora de nossas aulas? - Ele murmurou fingindo observar o sol inexistente através dos vitrais de diamante.

—Há! - Helena suspirou aliviada, agradecendo aos deuses pelas mudança de assunto. —Verdade, vamos?

    O deus limitou-se a acenar positivamente, erguendo-se. Ambos guiaram-se pelo palácio

—Se estava ajudando os servos, significa que não treinou sua lira? - Hades questionou.

—Óbvio que treinei. Uma coisa não tem nada haver com a outra. - Ela rebateu.

—Sente-se alí. - Ele ordenou, apontando com a cabeça para sua poltrona, enquanto fechava a porta atrás de si.

    Helena obedeceu-o, sem questionar. Ela deu a volta na enorme mesa e sentou-se confortavelmente no estofado negro. A moça perdeu-se entre os papiros espalhados sobre a superfície lisa e quase espelhada. A voz grave ecoou próximo aos seus ouvidos, trazendo-a de volta a realidade. Hades estava de pé, quebrando os limites do que ela considerava íntimo, com uma das mãos recostadas ao suporte da poltrona.

—Irei ensina-la a ler.

    Tudo o que Helena conseguiu responder, foi um aceno confirmando as palavras do deus. Jamais poderia negar que ele a surpreendia cada dia mais. Ignorando toda a situação, ou simplesmente fingindo, Hades permanecera ao lado da mulher, guiando-a em seus estudos. Por outro lado, foi um sacrifício para ela prestar o mínimo de atenção nas palavras do outro próximo a si. Os dedos cumpridos do homem, desligavam sobre o papiro, explicando minuciosamente a escrita.

—Tens dúvidas? - Ele questionou, curvando-se sobre ela. Seus rostos estavam tão próximos que Helena conseguia vizualizar cada detalhe da face do deus.

—Nenhuma senhor. - Ela rebateu, trêmula.

    O deus prosseguiu com sua aula. A mulher, por outro lado, conseguia pensar apenas na proximidade de ambos. Ela sabia que seus dias ao lado de Hades seriam uma provação. Entretanto, ela estava disposta a pagar para ver até onde isso a levaria.

Hades: The SacrificeOnde histórias criam vida. Descubra agora