Capítulo 4

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CAN



Dizer que estava bem? Impossível.

Não estava. A mágoa corroía meu corpo de cima a baixo, cada célula, cada parte de meu ser. Era um sentimento intenso. Enguli em seco e permaneci com a minha pose.

Ela não iria me afetar, não mais, não de novo. Demorei muito tempo para me reerguer, para um simples encontro, sem nem ao menos trocarmos alguma palavra, fazer tudo ruir, meu mundo ir abaixo novamente.

Ela conseguiu fazer isso outrora, hoje eu era outro. Não era mais o moleque de vinte e um anos.

- Você parece um pouco alheio, Can! – a voz de Fabri me faz retornar a realidade. Simplesmente não podia me deixar levar. Sanem ficou no passado e era lá que tinha que permanecer.

- Desculpe, Fabri. – sorri. – Acho que ainda não estou adaptado ao fuso horário. – emendei, mentindo.

- Ah... Eu imagino, meu caro. – bateu em minhas costas. – Allah, Allah, a América é um sonho. Onde estava?

- Estados Unidos. – murmurei.

- Gosto de lá. – ele assentiu, parecendo pensar. – Bom, Can, acho que você tem até a quarta para se adaptar melhor. – ri.

- Certo... – murmurei e balancei a cabeça. Eu só precisava ir embora de uma vez. – Você entra em contato comigo para falar do horário e local das fotos?

- Sem dúvida, Can.

- Bom, eu preciso ir. – avisei, levantando e ele aperta minha mão.

- Sempre um prazer, Can. O Cey Cey vai te passar algumas anotações. – apontou para o homem que está ali em sua sala.

Eu não o tinha notado, até então. Ele parecia concentrado com o notebook a sua frente, totalmente alheio. Mas ao ouvir seu nome, levanta a cabeça e por fim me encara, soltando um sorriso.

- Cey Cey! – Fabri aponta para um papel.

- Ah... Ah! – solta mais alto. – Aqui! – levanta e pega o papel.

Há uma lista de coisas que Fabri quer que eu aprove ou indique. Luz, cenário, figurinos... Vou fotografar uma nova coleção de roupas, não é meu estilo especificamente, mas lembro do pedido do meu pai e isso me faz suspirar, enquanto ando, ele me mostra e eu relato o que quero e o que não vai dar certo. Estou no último ponto quando ouço seu nome.

É instantâneo.

Viro e vejo Sanem há alguns passos de mim; ela está perto demais e sempre muito distante. Seu rosto não mudou muita coisa nos últimos anos, continua delicada e parece um anjo... Pena que é o demônio encarnada.

Não vale nada.

Não demorei mais do que alguns segundos para analisa-la e voltar a fingir que ela não existia, como fiz nos últimos seis anos.

Ainda que lhe dar as costas seja algo difícil de fazer, de maneira que se torna sufocante. Ainda que meu coração acelere de modo que eu não queira.

Não quero realmente que Sanem me afete. Não quero sentir nada daquilo, não mais. Ainda que eu sinta, sem querer. E isso me corrói.

- Obrigado, Cey Cey! – lembrei do nome do rapaz, segurei em seu ombro, soltei um leve sorriso e então me virei para ir embora de uma vez dali.

Assim que meus pés tocam a calçada, coloco os meus óculos escuros no rosto e imediatamente vou em direção ao local onde estacionei minha volta. Não estou sentindo um pingo de vontade de ir para a minha casa, por isso minha rota é até a costa, perto do mar. Assim que estacionei, inflei minhas narinas, inspirando o cheiro do mar. A natureza sempre me acalmou e naquele momento era exatamente o que eu precisava para voltar aos eixos.

Porque meu caminho sempre tinha que cruzar com o de Sanem? Por que, simplesmente, não podíamos ser apenas desconhecidos?

Por que, no fim das contas, ela tinha que aparecer em minha vida, e em um instante, roubar meu ar, para no momento seguinte esmagar meu coração?

Merda!

Nem sei quanto tempo fiquei ali, mas já estava escuro quando voltei para casa. Meu pai estava na sala, notei isso assim que fechei a porta.

- Chegou tarde, Can, a reunião foi tão boa assim? – ele perguntou assim que seus olhos encontraram os meus.

- Parece que sim. – murmurei a resposta, sentando no sofá a sua frente. – Por que pediu para eu voltar, pai?

- Porque necessito de você aqui, Can. – seu olhar em cima do meu me deixou um pouco esquisito. – Há... Coisas acontecendo. – e por ultimo soltou um suspiro.

- Que coisas?

- Seu irmão está viajando pela empresa, filho, prefiro que quando Emre volte, nós três converse.

- Ok então, senhor Aziz! – acabei levantando do sofá e beijando sua cabeça. – Vou dormir, estou cansado.

- Alguma coisa está acontecendo, Can? – seus olhos novamente encontraram os meus. – Sei que você não queria voltar, mas...

- Não, pai, eu não queria voltar. – acabo confirmando. – Mas... – dou de ombros.

O cansaço em meu corpo está imenso e meu desejo naquele momento era só deitar, mas a intensidade no olhar dele me faz suspirar. Sabia que não podia fugir, sabia que ele me desvendaria de qualquer forma. Então desviei os olhos e suspirei novamente.

- Realmente só estou cansado, pai. – a mentira fugiu da minha boca e lhe sorri.

Dizer o que estava me incomodando era feri-lo também, eu não queria fazer isso. Então o sorriso estava pintando a mentira em meus lábios de qualquer maneira. Sabia também que Aziz Divit me conhecia como ninguém, então era melhor me refugiar no meu quarto fingindo que o passado não estava vindo à tona.

- Ok, Can, mas sabe que estou aqui para qualquer coisa, não sabe?

Eu apenas assinto, antes de beijar sua cabeça e ir para o meu quarto, deixando-o com o livro que estava lendo quando cheguei.

Meu quarto permanece intacto, do jeitinho que deixei anos atrás. Deitei em meu colchão, de barriga para cima e fechei os olhos com força. Eu gostaria que tudo fosse diferente. Gostaria que nada tivesse acontecendo agora, mas vou precisar lidar. Quarta-feira, provavelmente, vou precisar ver Sanem outra vez e só preciso fazer exatamente aquilo que estava disposto a executar: ignorá-la puramente.

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