Fim de Julho, Brasil.
Pouco depois de chegar em casa, atirei-me, exausta, no sofá da sala. Sair com os amigos para uma apresentação num circo que havia acabado de chegar na cidade poderia ser divertido e tudo mais, mas considerando que eu não tinha dormido direito na noite anterior, sentia como que se houvesse sido atropelada por um caminhão carregando pedras.
— Me sinto como se um ônibus tivesse acabado de passar por cima de mim — falei, fazendo uma voz falsamente arrastada.
— Meu Deus, parece até que você está morrendo! — Ana, minha amiga, reclamou. — Ou que está numa segunda feira, mas é quase a mesma coisa.
— Sei lá, parece que ir no circo sugou toda minha energia.
— Só pode ter sido aquela cigana! Você e Eduardo ficaram meio estranhos depois de visitarem ela. O que ela lhe disse?
Realmente, havia uma cigana por lá. Depois do espetáculo, eu e Eduardo, um amigo e colega da escola, fomos os únicos curiosos o suficiente para visitar a tenda dela. Arrepiei-me só de me lembrar dos misteriosos e até mesmo assustadores olhos dela, que davam a impressão dela estar olhando diretamente para sua alma e cuja cor parecia variar a todo momento, sendo impossível defini-la com precisão.
— Hm... eu não lembro muito bem, para falar a verdade. Ela quase pareceu analisar minha alma só com os olhos, leu minha mão, disse um monte de coisas estranhas e meio sem sentido, e me entregou esse papel — tirei o papel dobrado do bolso da minha calça jeans.
"Almas gêmeas nascidas em épocas diferentes são uma coisa bem complicada, não acha?" Ecoou em minha mente uma das várias coisas que a mulher havia falado, e que minha única resposta foi olhar para ela, sem entender nada.
— E o que está escrito nele? — Ela perguntou, os olhos esverdeados estavam brilhando de curiosidade.
— Eu não sei, a mulher estranha me disse só para abrir o papel no dia seguinte.
— Ah... que chato! — Ana reclamou novamente. — Se eu fosse você, já teria olhado o papel.
— Mas aí perderia todo o mistério da coisa, não acha?
Ela apenas resmungou. Logo em seguida, o celular dela tinha uma mensagem nova, que foi rapidamente lida.
— Minha mãe — explicou quem era. — Ela disse que já está na frente do prédio.
Suspirei. Meu plano de assistir um filme qualquer com minha amiga foi destruído antes mesmo de ser proposto.
— Poxa, eu estava certa que você iria ficar até mais tarde, pelo menos. Talvez até mesmo ficar para dormir aqui em casa.
— É que meus pais querem viajar amanhã, eu vou ter que ir junto e ainda nem arrumei as malas.
— Tudo bem — com um pequeno esforço me levantei do aconchegante sofá e peguei as chaves da porta. — Sua mãe não vai querer falar com a minha, né? Ela está ocupada com alguma coisa do trabalho dela.
Ela deu de ombros.
— Não, eu acho. Ela não vai querer atrapalhar a senhora Katarina.
— Então vamos. Sei que sua mãe não gosta de esperar muito — falei, enquanto abria a porta do apartamento.
— Ah, não precisa descer as escadas comigo.
— Está tão na cara que pareço ter sido atropelada por um ônibus de dois andares?
— Nem tanto, mas você parece cansada.
— Então... até qualquer dia.
— É, ainda temos uma semana e meia de férias para combinarmos de fazer alguma coisa com o pessoal da escola. — Ana me abraçou, despedindo-se e logo se afastando em direção às escadas. — Até qualquer dia!
— Até! — acenei.
___
Depois que Ana foi embora, aproveitei que ainda estava em pé para me livrar das roupas que eu usei para sair e vestir algo mais confortável. Tomei um banho quente e coloquei um pijama cinza e de mangas compridas.
Eu não estava com muita fome, e como não havia outra pessoa para pedir jantar, visto que meu pai estava viajando e minha mãe estava ocupada demais com o trabalho para ao menos pensar em comer uma refeição decente, o que não era incomum, acabei por ir para a cama com nada no estômago.
Embora eu estivesse sonolenta, abri o livro que andava me fazendo perder horas de sono naquela semana, por ser muitíssimo difícil parar de ler ele.
Assim que abri e comecei a folhear as páginas, me vi mais uma vez quase que noutro mundo, ou ao menos noutra época. Era uma grande coleção de contos e histórias medievais, recheado de reis fortes e rainhas bondosas, cavaleiros corajosos, belas damas da nobreza, com vários toques de guerra, aventura e romance. Um livro perfeito, com uma capa simples que enganava a maioria sobre a magnificência do conteúdo.
Novamente, quando parei, já quase não conseguindo mais ficar com os olhos abertos, percebi que o tempo havia passado rápido demais. O relógio do celular mostrava claramente que eram 4:00, felizmente um pouquinho mais cedo que no dia anterior. Agradeci mentalmente por estar de férias e que poderia, se tudo desse certo e o dia seguinte fosse normal, dormir até o meio-dia.
Me ajeitei nos cobertores, apaguei a luz do abajur ao meu lado e coloquei meus fones de ouvido, enquanto refletia sobre o conteúdo do livro. Não seria interessante poder, mesmo que por um dia ou um instante, voltar à Idade Média? Conhecer reis e rainhas, usar vestidos longos e bonitos, assistir a torneios e ser cortejada por cavaleiros? Seria perfeito para mim, uma grande apreciadora dessas épocas há muito tempo passadas, voltar a aqueles tempos, embora fosse uma pena que ainda não existissem celulares e internet na época.
Suspirei, voltando a insossa realidade. Afinal, ainda não haviam inventado uma máquina do tempo e magia, pelo que eu saiba, não existia. E claro, também era hora de dormir, como o relógio insistia em me avisar, não de ficar imaginando coisas impossíveis, embora eu seja uma sonhadora incorrigível.
Então coloquei meu celular para tocar uma música calma, e fechei meus olhos, com o sono quase que de prontidão me acolhendo, esperando acordar descansada o suficiente para mais um alegre dia de férias — pois nas férias, todos os dias são perfeitos, mesmo que eu quase só durma neles.
Porém, eu nunca esperaria acordar nas circunstâncias em que o fiz.
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A Forasteira
Historical FictionEleanor de Vargas, uma sonhadora jovem no fim do ensino médio, sempre maravilhou-se com a Idade Média, muitas vezes devaneando sobre conhecer reis e rainhas, usar belos e longos vestidos e ser cortejada por galantes cavaleiros em torneios. Um dia...