A avenida está bastante movimentada. Por ser Dia dos Namorados e a Brainwave promover uma ação onde broches, flores e mensagens de amor estão sendo dadas e exibidas, acabou atraindo um fluxo de pessoas a mais do que o habitual. Estamos caminhando pelo famoso Dublin Boardwalk, uma espécie de calçadão que corre ao lado do Rio Liffey, entre a Ha'Penny Bridge e a O'Connell, quando chego a conclusão de que não importa quantas vezes eu trilhe pelo centro da cidade, a Ilha Esmeralda sempre me dará a mesma sensação de encantamento.
- ... eles queriam fazer uma homenagem por terem se conhecido aqui, então colocaram Grainne, que significa amor no gaélico irlandês - Ela explica, puxando a toca vermelha um pouco mais para baixo - Mas tirando isso, eu sou toda austríaca.
O motivo para Grainne abandonar a Graz University com trabalhos por fazer e provas para estudar, é a história de seus pais. Ela sempre quis conhecer a cidade em que eles haviam começado a namorar na data em que o seu pai pediu a mão de sua mãe em namoro. Então, quando notou a promoção inusitada nos preços das passagens aéreas, não pensou duas vezes em juntar suas economias do trabalho de garçonete e voar para cá. Essa foi a louca coincidência que nos uniu, fazendo a nossa amizade surgir quando esbarramos uma na outra no térreo do hostel. Vovó Aimee adorou o seu ato, e meus pais a acharam um pouco maluca, entendendo o porquê nos darmos tão bem.
- Acho seu nome legal, não vejo uma pessoa sendo chamada assim a cada esquina que viro, o que o torna original. - Sorrio ao comentar - Fora isso, as manias e os costumes deixam impossível não identificar as raízes austríacas. - Provoco, fazendo-a me empurrar com o ombro enquanto rimos.
- Ei! Você também tem manias americanas - Ela diz e eu a encaro cética - Tem sim, Cher.
Abrimos espaço para um casal passar.
- Ok, cite duas. - Peço quando voltamos a andar lado a lado
A loira franze o cenho enquanto estreita os olhos castanhos para o céu, pensando em uma resposta.
- Ter hora marcada para tudo e... - Ela começa - E usar lenços umedecidos em qualquer coisa. Sério, eu nunca vou entender isso.
Solto um riso baixo pois ela está certa.
- Nem eu - Rimos
- Não acredito que a partir de amanhã tudo vai voltar ao normal e vamos nos separar - Ela menciona a parte ruim que quero esquecer. Conviver com Grainne durante esses três dias foi incrível, o fato de sua personalidade se parecer com a de Cherlin foi essencial para me fazer relaxar e sentir que não estou tão longe de casa. Nossa sintonia é perfeita e sinto que vai ser difícil prosseguir sem ri das situações constrangedoras e complicadas que passamos juntas. - Poderíamos marcar uma viagem, o que você acha? E aí podíamos levar Cherlin e Charmaine.
Ela vira o rosto em minha direção. Seus olhos transbordando entusiasmo e empolgação enquanto sua mente gira com idéias que não consigo vê.
- Uma viagem de amigas? - Indago querendo entender onde ela quer chegar
Ela balança a cabeça para cima e para baixo.
- Sim, seria demais!
Minhas irmãs nunca viajaram sem a família está completa, mas acho que indo nós três e Grainne talvez elas aceitem. Seria ótimo para elas fazerem algo novo.
- É uma boa idéia, vou falar com elas.
Continuamos perambulando pela rua escura, iluminada apenas por placas néon das fachadas de lojas. Fazemos uma parada para assistir uma garota cantando Someone to you, do Banners, e de
última hora o pessoal que fizemos amizade resolve nos convidar para o Temple Bar.O chão de paralelepípedo faz com que Grainne enlace seu braço ao meu, em busca de apoio para se equilibrar na bota de salto alto e fino, seus passos desengonçados me causam risadas e quando finalmente avistamos o trio, estou praticamente em um ataque de risos, ouvindo minha amiga amaldiçoar a cada tropeço que dá.
Eles fizeram uma rodinha na esquina que fica de frente para o prédio vermelho de letreiro amarelo e parecem envolvidos demais na conversa, enquanto dão gargalhadas e gesticulam com as mãos.
- Olha só quem chegou - Remy é o primeiro a notar nossa presença.
Apesar de não se referir especificamente, sei que suas palavras foram uma saudação discreta para Grainne. O loiro está encantado pela minha amiga desde quando nos conheceu no Whelan's. Ele abre um espaço para ela na roda e eu decido ficar ao lado de Yangmi.
- Oi, gente. - Grainne é a primeira de nós duas a se manifestar, enquanto me limito a dar apenas um sorriso contido. - Sobre o que vocês estavam falando?
- Aodhaigh estava nos contando sobre as furadas que ele já se meteu - Wilhelm responde segurando o braço da quarta pessoa ao seu lado - Ah propósito, estas são Grainne. - Ele aponta para a loira e depois para mim - E Cher.
Foi neste momento que eu o vi.
Não tenho uma reação no primeiro instante. Apenas encaro seus intensos olhos âmbar, que queimam minha pele como se fossem fogo. Um fogo ardente. Por um momento é como se o tempo congelasse ao nosso redor, e aos poucos tudo fossem parando, se desligando, sumindo. Somos apenas eu e ele em uma rua escura e uma força magnética possuindo nossos corpos.
Então foi assim que a mamãe se sentiu quando olhou para o papai? Foi assim que a vovó soube que o vovô era a sua alma gêmea?
- ... foi muito engraçado! - A voz de Yangmi se misturando com as risadas traz a realidade novamente
Mas que diabos estou pensando? Claro que não! Essa coisa de amor-a-primeira-vista já aconteceu na família, não acontecerá novamente.
Quebro nossa disputa de olhares silenciosos para encarar meus amigos e sorrio fingindo que entendi o motivo da graça, eles parecem tão distantes...ou talvez o problema esteja comigo, que mal consigo me focar na conversa. Wilhelm comenta algo fazendo os outros três rirem e eu tento me concentrar em suas palavras, mas estou hipnotizada demais com a presença do ruivo, o que não me permite relaxar e interagir.
- Cher, certo? - Eu não preciso nem virar para saber a quem pertence a voz grossa e rouca que causa arrepios pelo meu corpo
- Hum, na verdade meu nome é Cheryl, o apelido que é Cher. - Ótimo, agora dei para dar explicações aleatórias. Inclino minha cabeça levemente para o lado e me assunto com a sua proximidade - Mas, hum, você pode me chamar de Cher se quiser.
Ele está próximo. Próximo demais. Ao ponto de seu perfume amadeirado emanar para fora de seu uniforme escolar, enquanto suas íris cor de uísque não param de me observar e um sorriso de lado preenche os seus lábios rosados a medida que suas mãos afundam no paletó azul marinho.
- Cheryl - Pronúncia, como se estivesse saboreando cada letra do meu nome. - É um nome bonito
- Obrigada? - Digo incerta, minhas palavras soando mais como uma pergunta do que um agradecimento. - Você é Aodhaigh...?
- Aodhaigh Casey - Seu sorriso cresce, mostrando que por trás dos lábios finos e rosados, existe dentes brancos e perfeitamente alinhados - Você é da Califórnia, né?
Confusa, franzo o cenho.
- Como você sabe?
- O sotaque - Ele responde e eu aceno com a cabeça, entendendo sua dedução.
Ele observa ao redor por alguns segundos, e então volta seu foco para mim. Há ainda mais intensidade em seus olhos e dessa vez, existe uma chama de diversão e desafio.
- Você quer sair daqui?
Olho para o nosso grupo de amigos, que mal parecem nos notar e sorrio para Aodhaigh.
- Sim.
Seu sorriso de canto volta a aparecer quando ele junta sua mochila do chão e eu o sigo rua acima.
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Dois Raios Não Caem No Mesmo Lugar
القصة القصيرةCheryl Grant é uma garota de espírito livre apaixonada por tudo o que é novo e desconhecido. Ao contrário de suas duas irmãs que sonham em ter a mesma sorte que seus pais tiveram ao se amarem na primeira vez em que os seus olhos se encontram, Cheryl...