Funny Honey

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"He loves me so

That funny honey of mine"

Chicago


Deslizo minha caneta pelas folhas de papel pautado como se fossem sapatilhas de ballet em um palco. Sem me importar com a beleza da letra, apenas com os pensamentos que correm como um turbilhão por minha mente e que são traduzidos em forma de uma caligrafia de garranchos.

Mais um parágrafo e vou para a cama. Eu gosto muito de mentir para mim mesma. Sei muito bem que, enquanto minha imaginação me permitir, permanecerei acordada, rabiscando sobre o assassinato da jovem Colin, esfaqueada treze vezes. Cuidado com a revelação do final: foram treze assassinos diferentes, assim como naquele livro da Agatha Christie.

Enquanto descrevo como o detetive... – ainda não tenho um nome para ele – encontra o corpo da pobre garota, ouço os passos de Alex pela casa, mas não lhes dou muita atenção. Preciso finalizar este capitulo.

"Honey?"

Honey... Honey sou eu? Meus pensamentos estão tão longe quanto a Wendy de Peter Pan, voando pela janela, seguindo as estrelas, sem ouvir mamãe chamar.

A voz clama por Honey mais uma vez, e agora escuto. Sou eu. Honey, que, em português, é mel. E Mel sou eu. Mel, não de Melissa ou Melina. Mel de "se quiser o doce, terá de passar pelas abelhas".

Enquanto divago sobre meu próprio nome, sinto duas mãos fortes pressionando meus ombros. E, saindo de meu transe, volto lentamente a meu corpo, posicionando-me. Estou em meu quarto, sentada curvada sobre a escrivaninha, com a luz da luminária aquecendo demais o ambiente, e meu namorado colocando seu corpo alto e esguio sobre o meu. A caneta tinteiro está em minhas mãos, e criou uma mancha enorme sobre a folha de fichário na qual escrevo.

Merda. E lá se vai minha inspiração.

"Honey, meu anjo, você precisa ir dormir e eu também."

Inspiro fundo. É sexta-feira, eu posso ficar acordada até tarde escrevendo. "Vai indo, meu bem, que eu já vou".

"Eu iria se pudesse apagar a luz do quarto...".

Inspiro bem fundo. 

"Certo" digo, erguendo-me lentamente da cadeira e esticando minhas costas, sentindo um estralo. Foi uma noite produtiva, declaro mentalmente, enquanto reúno os três papéis que resultaram de minhas horas de escrita e guardo a caneta tinteiro Yiren Luxory Art Déco que ganhei de minha avó querida. Prendo as folhas de minha mais nova história com um clipe de papel e ando até a outra ponta do quarto.

Tenho um "xodó", um bem precioso, o único bem material pelo qual eu me arriscaria em um incêndio, mas que provavelmente morreria tentando salvá-lo por ser muito pesado. No canto de meu quarto, há uma caixa de metal grande, dessas que empresas antigas utilizavam para guardar seus documentos e a papelada – eu utilizo para guardar os livros que escrevo. Posso ser bem metódica com certas coisas, mas 90% de minha atenção sempre se volta para guardar com perfeição todos os meus escritos.

Amo escrever. Sempre amei. Pequena eu amava passar horas criando livros que nunca veriam a luz do dia, mas, quando entrei para o Ensino Médio, tornou-se quase uma obsessão, uma válvula de escape. Eu precisava – eu preciso – colocar todo o meu coração no papel tanto quanto se precisa de ar para respirar. Quando comecei a ler sobre técnicas e planejar meus escritos antes de fazê-los, passei a escrever livros completos, quase todos sobre meu tema preferido de todos os tempos: suspense policial.

Eu amo inventar assassinatos diferentes e detetives excêntricos para resolvê-los. Sinto que minha alma voa e minha mente se coloca em paz quando corro a caneta tinteiro pelas linhas azuis das folhas brancas que utilizo – sempre escrevo no mesmo tipo de folha, com a mesma caneta, com a mesma formatação. Tenho métodos específicos, quase ritualísticos para mim. É minha terapia, e guardar meus textos dentro de pastas marrons em minha caixa de metal e em ordem alfabética faz parte dela.

"Vamos ver... Se esse vai se chamar O Que Colin Viu?, então ficará entre Nada Aqui e Por Onde Andas" sussurro para mim mesma enquanto corro os dedos pelos papeis perfeitamente arrumados e puxo uma pasta vazia. Nela, escrevo o nome do novo livro e guardo minha mais nova produção com um sentimento de orgulho me invadindo.

"Meu bem?" chama-me Alex, e me viro para vê-lo esperando-me, sentado na cama. Sorrio, e vou até ele, feliz. Isso, o conjunto da obra, me faz imensamente feliz. Meu namorado aqui comigo para o final de semana, meu livro novo, um final de semana para descansar.

Deito-me ao seu lado e me aconchego sob as cobertas. Está frio, mas seu corpo é quente e seu abraço me faz bem. Sinto que sou rodeada por amor e felicidade, e sorrio mais. Ele me abraça, e me pergunta sobre meu dia, e eu sinto que nada poderia dar errado – não. Eu sinto que tudo poderia dar errado, e eu não me importaria nem um pouco.

Alexandre "Alex" Buarques é meu melhor amigo desde sempre, e meu namorado há quatro anos. Ele estuda Artes Plásticas na Universidade de Campinas, o que não é exatamente longe de São Paulo, onde moro e estudo, mas suficientemente distante para que nos vejamos apenas em finais de semana intercalados. Na maioria das vezes, ele quem vem me ver, pois diz que tem medo de que eu pegue um ônibus em um trajeto de mais de uma hora e nunca chegue. Não sou uma menina pequena e burra, e sei cuidar de mim mesma, mas já brigamos tanto por causa disso que desisti de argumentar. Apenas espero que venha me ver o quanto antes. Ele ama ler tudo o que eu escrevo, e eu amo tudo o que ele desenha, logo, formamos uma dupla incrível.

"Quer fazer algo amanhã?" ele me pergunta, e percebo que esteve falando comigo por todo este tempo em que divaguei. Estou muito aérea hoje...

"Amanhã eu preciso estudar" respondo.

"Mas eu viajei tudo isso apenas para ficar com você, e você vai me ignorar e estudar?"

Sinto uma briga vindo, e não quero brigar agora. Ele está certo. Eu deveria pelo menos tê-lo avisado, apesar de que eu bem me lembro de ter-lhe dito que minha semana de provas se aproximava. Mas, mesmo assim, sei que deveria ter informado meu namorado de que esta semana seria para meus estudos apenas. Burra. Fui muito burra.

Não respondo, apenas me encolho e ouço Alexandre me dar uma espécie de bronca. Depois de uns cinco minutos falando sem parar, ele me solta, vira de lado, e apaga a luz no interruptor ao seu lado. Pelo visto, a briga está encerrada.

Me sinto tentada a alcança-lo e pedir desculpas, mas resolvo fazê-lo pela manhã. Talvez uma boa noite de sono seja tudo que ele precisa.

Levo um certo tempo para dormir, o coração martelando em culpa e os pensamentos correndo em meus ouvidos.

Quando finalmente o sono me carrega para uma realidade longe desta, sonho com facadas, um investigador com um bigode estranho e namorados que gritam. Talvez namorados que gritam e que possuem bigodes estranhos. E que me dão facadas.

Acordo no meio da noite, suada e terrivelmente assustada.

Honey [hiato]Onde histórias criam vida. Descubra agora