"You'll be back, soon you'll see
You'll remember you belong to me
You'll be back, time will tell
You'll remember that I served you well"
Hamilton
Meu coração está disparado e minha respiração está pesada, e levo algum tempo para perceber que tudo fora apenas um sonho, mas, no segundo em que percebo que ainda estou em minha cama no CRUSP – como são chamadas as moradias da Universidade de São Paulo –, consigo relaxar e me jogar novamente contra o colchão. "Está tudo bem, Mel" digo para mim mesma. "Você está bem"
Começo a tentar lembrar com o que foi que sonhei, mas tudo está se esvaindo de minha mente, como areia fina por entre meus dedos. Lembro-me de um ônibus e de Alex, e de correr perigo...
"Foi apenas um sonho" murmuro, olhando para o teto. A claridade do dia invade o quarto, e, quando percebo que já deve ser por volta da hora do almoço, meu estômago parece acordar também, e manifesta o quão faminto está; decido tomar coragem para sair da cama e ir até o Restaurante Central, mesmo sem vontade alguma de me mover por causa da dor de cabeça que insiste em permanecer, mesmo que eu tenha dormido tantas horas.
Quando me sento na cama, com cuidado para não tornar o pulsar em minha cabeça ainda pior, olho para a parede do quarto, e sinto o coração quase parar quando percebo que minha caixa de metal não está em seu lugar de sempre. Imediatamente, meus olhos correm pelo pequeno aposento, apenas para encontrar o objeto ao lado da porta, onde não costuma ficar.
Tombo a cabeça para o lado devagar, confusa, perguntando-me o que meus arquivos mais preciosos estão fazendo fora de sua posição, e então, tomada por uma súbita taquicardia, me ergo da cama e fico de joelhos em frente ao metal frio repleto de papéis, com um pensamento: Alex pegou seus desenhos de volta.
Meus ombros caem e sinto minha postura ceder enquanto corro os dedos pelas pastas, sentindo a boca ainda mais seca do que no momento em que acordei, procurando aquelas que continham as capas feitas por meu namorado... Bem, ex-namorado.
Sinto o peito batucar rápido, pensando que a única coisa que me restou dele se foi, e eu nunca encontrarei ninguém que ilustre meus escritos tão queridos do jeito que eu quero, quando encontro uma das primeiras histórias que Alexandre ilustrou.
Puxo a pasta de papel pardo e a abro em meu colo, dando de cara com um desenho inteiro em cinza, com apenas o título e alguns poucos dos elementos da obra coloridos, e sinto que solto o ar. Está aqui, afinal.
Começo a tentar tecer ideias sobre como algo tão pesado se deslocou pelo meu quarto, mas, dado que eu estava extremamente bêbada ontem à noite, concluo que fui apenas eu, embora não possua memória alguma d tentar arrastar ou levantar a caixa, muito menos de mexer nela – mas eu não me lembro de muita coisa sobre noite passada, então decido enfiar minhas ideias malucas no fundo de minha mente.
Passo um tempo considerável analisando cada mínimo detalhe de seu traço, de seu estilo, de como a arte condiz com minha obra literária, e sorrio sem querer, sentindo meu coração aquecer, como se eu tivesse em minhas mãos uma parte dele. E, neste momento, é tudo que preciso.
Ergo a cabeça dos papéis, e me sinto nauseada, mas tenho certeza de que é apenas a ressaca, muito embora este seja um dos sinais que meu corpo me dá de que outra crise virá. É apenas a ressaca...
Começo a procurar mais histórias, e encontro diversas artes do garoto de dreads por quem sou apaixonada, uma mais bonita que a outra, nas quais é possível ver como seu estilo e sua técnica evoluíram e como ele fazia questão de compreender todos os detalhes da obra antes de sequer planejar os desenhos. Ele sempre me entendeu como ninguém mesmo.
"Não posso perder você" sussurro para um papel inteiro em tons de vermelho, com um título em preto, como se houvesse sido queimado pelo fogo ao seu redor – ilustração feita para uma de minhas histórias favoritas, na qual um fanático por fogo queima igrejas católicas ao derrubar velas de igreja enormes sobre gasolina, e, cuidado com a revelação do final, era um antigo padre excomungado.
Inspiro fundo, percebendo que sei o que devo fazer: engolir meu orgulho e ligar para Alex. Eu preciso me desculpar.
Tenho plena consciência de tudo que minhas amigas disseram, e de que certos comportamentos dele não são certos, mas ele está apenas tentando me proteger, e de fato eu me sinto protegida em seus braços. Sei que não ficarem cem por cento bem até que Alexandre esteja de volta em minha vida, e ver seus desenhos apenas prova que fomos feitos um para o outro, que nos completamos, e que o amor verdadeiro tudo conserta. Foi uma briga boba, que não ocorrerá novamente, e, enquanto me levanto para pegar meu celular – apesar de a claridade da tela e as letras miúdas do aparelho piorarem meus sintomas – juro para mim mesma que eu o vou mudar. Eu preciso fazê-lo enxergar seus erros e suas opiniões ultrapassadas, e sei que conseguirei. Ele merece uma segunda chance, e tenho certeza de que conheço Alexandre suficientemente bem para saber que está disposto a mudar. Principalmente por mim.
Então, clico em seu contato e espero que me atenda, o que ele faz após o quinto toque.
"Mel?" ele pergunta, e talvez sejam minhas expectativas, mas sinto que ouço um tom de felicidade em sua voz.
"Alex... oi" digo, umedecendo os lábios – minha garganta está seca, pelo álcool e pelo nervosismo, e minha cabeça lateja intensamente – e começo a pensar que talvez fosse melhor ter planejado o que eu iria dizer ao invés de acreditar que eu poderia improvisar. "Você já chegou em Campinas?"
"Sim, infelizmente. Sinto muito se tomei uma decisão muito drástica ontem, meu bem. Eu não...".
"Eu sinto muito também" interrompo, atropelando a mim mesma em minhas palavras, a excitação de que ele sente o mesmo, e que ele também quer tentar novamente crescendo em meu peito.
"Quantas vezes tenho que te dizer para não me interromper assim? Meu bem, você sabe que isso não é educado, principalmente para uma mulher" ele diz, mas seu tom não é grosso ou duro, apenas educativo; este é meu Alex, sempre querendo o melhor para mim e me ensinando a ser melhor. Aperto o osso acima de meu nariz, em uma tentativa de aliviar a dor; todos estes sintomas me parecem quase uma premonição, um presságio de algo ruim, mas continuo a conversa naturalmente.
"Desculpe. Você estava dizendo...?"
"Que eu não queria ter pedido aquele tempo. Honey, querida, podemos esquecer o que aconteceu? Eu imploro! Por favor, eu perdoo você".
Meu peito se expande e aquece como um balão de ar quente, principalmente ao ouvir que estou perdoada por ter sido a pior namorada possível na noite passada. Alexandre me ama tanto que às vezes nem consigo acreditar que ele é meu namorado – e agora posso falar com segurança que ele é meu namorado, não meu ex.
"Muito obrigada" digo, sorridente "Eu também perdoo você".
"Mas eu não sou o errado da história" ele diz, e logo mudo de assunto, já que não quero ser a causa de mais brigas agora que superamos o pequeno contratempo que foi nossa briga, então pergunto quando ele pretende voltar à São Paulo. Ouço-o suspirar, mas sua doce voz me responde.
"Em duas ou três semanas, Melzinha minha" sinto-me risonha ao ouvir o apelido que ele costumava usar quando estávamos no Ensino Médio, e sei que está tudo bem.
"Volte logo" peço, e ele me diz que o fará o quanto antes. Então, diz que está indo almoçar, e desliga o telefone sem esperar minhas despedidas, mas estou apenas feliz que nos veremos amanhã.
Quando coloco o telefone de volta à minha mesa, o choque me atinge, e por pouco não estouro a bolha de felicidade na qual flutuo: terei de contar para minhas amigas o que aconteceu.
Mas eu sei que Anna e Raquel entenderão; meu ataque de ansiedade ontem foi causado pela falta de Alex, e, se elas querem o melhor para mim, entenderão que preciso de meu garoto comigo, me dando suporte e amor. Então enquanto ensaio o que direi à elas no almoço – para o quão pretendo me dirigir assim que me trocar e escovar os dentes para me livrar do terrível gosto amargo em minha boca –, guardo as folhas que retirei da pasta, feliz por ter meu artista favorito para sempre ao meu lado, ilustrando minhas obras e colorindo minha vida.
Pensar muito nisso me deixa nauseada.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Honey [hiato]
Mystery / ThrillerEM HIATO AVISO DE GATILHO [assassinato] [relacionamento abusivo] Mel Pinheiros sempre amou escrever. Sempre sentiu que sua caneta deslizava de um jeito que a fazia sentir acolhida e obstinada. Romances policiais eram sua maior paixão, e ela amava d...